Como o inconsciente se expressa pela comunicação não verbal, microexpressões faciais e linguagem corporal.

Comunicação Não Verbal e Linguagem Corporal: O Inconsciente em Cena

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Neste artigo, exploramos como a psicanálise amplia a escuta clínica ao considerar o inconsciente manifestado na comunicação não verbal, nas microexpressões faciais e na linguagem corporal. Refletimos sobre as bases teóricas que sustentam esse olhar e sua relevância para a prática analítica.

Introdução à relação entre inconsciente e expressão corporal

Neste trabalho, exploraremos o conceito da relação entre o inconsciente e as diversas formas de expressão corporal, com ênfase nas microexpressões faciais presentes nas relações interpessoais. Este tema é altamente relevante dentro do campo da psicanálise e da psicologia, pois as formas de comunicação não verbal, especialmente as microexpressões faciais, podem revelar aspectos profundos do inconsciente, muitas vezes mais acessíveis do que as palavras ditas.

A comunicação interpessoal é composta não apenas pela linguagem verbal, mas também pela linguagem corporal, e, dentro deste contexto, as emoções são transmitidas de maneira eficaz através do corpo, particularmente no rosto.

A importância das microexpressões faciais na psicanálise

A relevância deste estudo se fundamenta no trabalho do psicólogo Paul Ekman, cujos estudos sobre as emoções humanas e suas expressões faciais têm um grande impacto na ciência, em especial no campo da comunicação não verbal. Ekman, ao categorizar as emoções básicas e suas manifestações faciais, forneceu um mapa valioso para interpretar o comportamento humano.

A psicanálise, apesar de ter sua origem na fala e no estudo do inconsciente através da linguagem verbal, pode se beneficiar grandemente da observação das expressões faciais e corporais durante o processo analítico.

Embora a psicanálise tenha sido tradicionalmente centrada na fala e nas associações verbais do paciente, a observação atenta da comunicação não verbal, especialmente das microexpressões faciais, pode enriquecer a prática clínica.

Integração da linguagem não verbal no setting analítico

A hipótese central deste trabalho é que a aquisição de uma postura observadora, que contemple tanto a comunicação verbal quanto a não verbal, pode aumentar a percepção do analista sobre o conteúdo inconsciente manifestado através das expressões corporais, especialmente faciais.

Assim, a comunicação não verbal, quando observada e analisada com atenção, pode revelar sentimentos e estados emocionais que nem sempre são acessíveis pela fala, permitindo ao analista uma compreensão mais profunda do paciente e promovendo um processo terapêutico mais eficaz e humanizado.

Expressões involuntárias e acesso ao inconsciente

Por exemplo, quando um paciente demonstra uma microexpressão de medo, raiva ou tristeza, essa manifestação pode fornecer uma pista valiosa sobre as emoções subjacentes que ele ainda não consegue acessar ou expressar verbalmente.

Essas manifestações podem ocorrer de forma involuntária e rápida, sendo de difícil controle, o que as torna um reflexo direto do estado emocional do paciente naquele momento. A habilidade do analista em identificar e compreender essas expressões faciais pode, portanto, abrir um novo campo de possibilidades para a interpretação dos conteúdos inconscientes que o paciente traz para o consultório.

A presença da comunicação não verbal na espécie humana

Sabemos por experiência humana que a comunicação antecede a linguagem. A comunicação entre a criança uterina e a mãe é real e se faz presente desde os primeiros meses de gestação. O olhar, o contato físico e o toque, também serão formas de comunicação intensa e extremamente prazerosa, na maioria das vezes. Esses momentos influenciam a pessoa adulta ao longo da sua vida.

Vale ressaltar que essas interações comportamentais são universais e extremamente confiáveis (Navarro). Essa informação sempre foi corroborada pela ciência e até mesmo pela psicanálise. O homem pré-histórico possuía a peculiaridade de se expressar através de rudimentares processos de sons e gestos, mas que funcionaram o suficiente para a perpetualidade da espécie diante das ameaças reais que existiam à época.

Estudos de Donald Winnicott, psicanalista britânico, esclarece que nos primeiros dias de vida do bebê, a mãe responde às expressões e necessidades da cria, construindo uma comunicação emocional que deveria ser eficiente e suficiente. Essa comunicação rudimentar nos aponta para a existência de laços emocionais que são, em parte, fruto da genética do homem.

Quem nunca viu, por exemplo, a captura, a partir de um exame de ultrassonografia, de uma criança com expressão facial genuína de felicidade? Sabemos que a intensidade dessas expressões sofrerá influências culturais relativas à intensidade e modos, mas isso não afasta a parcela genética que trazemos sobre o modo de expressar nossas emoções. Posteriormente, a criança começará a produzir sons, normalmente gritos, que se moldarão como a forma privilegiada de comunicação: a fala.

Influências teóricas e a linguagem emocional

Desde que Charles Darwin (1809-1882) contribuiu cientificamente para um novo conhecimento sobre a humanidade, vários autores posteriores foram influenciados por suas teorias, principalmente as relacionadas à seleção natural das espécies. Em sua teoria, encontramos estudos primitivos que auxiliariam a compreensão da complexidade que é o animal homem.

Bebendo de toda essa novidade intelectual, também Freud foi influenciado na elaboração dos Fundamentos Psicanalíticos (Zimerman). O famoso livro “A Interpretação dos Sonhos” (Freud) deixa claro a influência de Darwin na elaboração dos conceitos de linguagem racional e emocional (Lima). As emoções receberão mais a atenção do pai da psicanálise em detrimento da estrutura biológica, mas ambas influenciarão o desenvolvimento dos estudos psicanalíticos.

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Necessário destacar que todas essas fascinantes interações comportamentais são de aplicabilidade universal. Soma-se a isso a extrema confiabilidade dessas interações (Navarro). “Em poucas palavras, a emoção é um estado psicológico, é uma resposta reativa e automática, ao nível do inconsciente” (Gonçalves, 2008).

Expressões não verbais: comunicação corporal e facial

Como pudemos observar, as expressões corporais e faciais são um importante e necessário meio de interação. Essa capacidade animal podemos também observar em muitos animais, porém, de forma muito primitiva. No entanto, foi a espécie humana que elevou essas formas de comunicação a um nível extremamente complexo.

Vale a pena descrever aqui a famosa frase de Freud que diz: “se a boca se cala, falam as pontas dos dedos” (citação atribuída a Freud). No século passado, muitos estudos foram produzidos na tentativa de entender a comunicação não verbal. Mas aqui pretendo agora descrever a extrema ligação existente entre as expressões não verbais e o inconsciente.

Apesar de não utilizar uma linguagem própria da psicanálise, podemos notar a estreita e íntima ligação ou concordância entre aquilo que é transmitido pelo corpo e o que se passa em nosso inconsciente (Santos, 2021, p.20). Em particular, as expressões faciais são produzidas sem que tenhamos um controle sobre elas, na maior parte das interações sociais.

Microexpressões, genética e influência cultural

O psicólogo Paul Ekman, nascido em 1934, aprofundou esse conhecimento e compilou um conjunto de expressões universais. Essa compilação levou em consideração toda a fisiologia muscular da face. Foram compiladas, a princípio, as seguintes emoções humanas: felicidade, tristeza, raiva, nojo, surpresa, medo e surpresa (Gonçalves, 2008, p.8).

Esses estudos são frutos de pesquisas que Ekman realizou em Papua-Nova Guiné na década de 70. Inicialmente, foram elencados esses sete sentimentos tipos como universais.

Futuramente, outros autores aprofundaram esses estudos, chegando mesmo a descrever que essas expressões características foram encontradas em civilizações isoladas e até mesmo em crianças que nasceram sem os sentidos da visão e/ou audição.

Podemos concluir que essas expressões são, em grande parte, genéticas, embora influenciadas por fatores culturais. Estas também podem sofrer variações culturais, porque, apesar da universalidade, estas podem influenciar a forma e a sua padronização (Lima et al., 20022, p.6).

Linguagem corporal e manifestações inconscientes

Vários gestos com as mãos podem assumir significação divergente. Com menor intensidade, elas também podem afetar a amplitude de certas expressões faciais. Além das expressões faciais, o corpo é um excelente comunicador de sentimentos e estados mentais. “O corpo entraria em cena na psicanálise ao se relacionar com o sintoma” (Lima et al., 2022).

Freud, pouco a pouco, desenvolve o conceito de inconsciente e propõe a construção do aparelho psíquico a partir do corpo, partindo das questões teórico-clínicas sobre as manifestações somáticas (Lima, 2022). Tais manifestações significariam, de forma camuflada, um desejo inconsciente recalcado (Lima, 2022).

O abdômen, por exemplo, pode transmitir se a pessoa está à vontade ou não diante do outro; o posicionamento do tórax pode revelar uma intimidade ou repulsa de aproximação; a cabeça e os pés indicam, muitas vezes, o foco de atenção ou o desejo de uma negação ao contato (Lima et al., 2002, p.2).

Além destes meios, há de se destacar também os ditos sinais paralinguísticos, que nada mais são do que a moldura da voz ao se expressar em um relacionamento pessoal. A intensidade, a entonação e o ritmo são algumas variações assumidas pelo nosso sistema vocal e que trazem à tona muito mais do que palavras, mas sentimentos autênticos e incontroláveis (Lima et al., 2022, p.5).

Ou seja, “os seres humanos são capazes de utilizar a linguagem corporal para expressar seus impulsos emocionais” (Santos, 2021). Corrobora a importância da comunicação não verbal a possibilidade de que os comportamentos não verbais podem englobar aproximadamente 60% de toda a comunicação interpessoal (Navarro, 2021) e, como ela é de aplicação universal, podemos utilizar a interpretação desses comportamentos de forma muito confiável.

Inconsciente e microexpressões faciais

O inconsciente, segundo Freud, é uma parte da psique humana que contém desejos, memórias e experiências reprimidas ou não acessíveis à consciência imediata. Ele se manifesta de várias formas, muitas das quais podem ser observadas nas interações cotidianas, muitas vezes sem que a pessoa tenha pleno controle ou consciência delas.

As microexpressões faciais, que são manifestações involuntárias e rápidas de emoções, são um exemplo claro de como o inconsciente se revela através do corpo. Estas expressões, como um leve movimento de sobrancelhas ou um sorriso sutil, são reveladoras dos sentimentos mais profundos que um indivíduo pode tentar esconder ou disfarçar.

Emoções básicas e expressões universais

Essas expressões faciais, que duram entre 1/25 e 1/5 de segundo, podem ser observadas em todas as culturas humanas e estão diretamente associadas a emoções básicas como raiva, tristeza, surpresa, medo, nojo e felicidade. Paul Ekman, ao longo de suas décadas de pesquisa, demonstrou que essas expressões são universais, ou seja, não dependem de fatores culturais, sugerindo que o ser humano compartilha um repertório emocional comum que é primordial para a comunicação interpessoal.

Assim, essas manifestações involuntárias são uma janela para o inconsciente, revelando muito mais do que a comunicação verbal poderia expressar.

Utilidade das microexpressões na psicanálise

As expressões faciais muitas vezes surgem de forma automática, refletindo os estados emocionais internos de uma pessoa. Essas reações não são apenas visíveis para quem está observando, mas também podem ser usadas pelos analistas para entender os sentimentos não verbalizados pelo paciente.

As microexpressões podem indicar emoções que a pessoa não deseja ou não consegue expressar conscientemente, o que torna essas expressões fundamentais no processo psicanalítico.

A linguagem emocional e o uso das microexpressões faciais

Diante de todo esse quadro apresentado até o momento, surge o foco de nosso presente trabalho, que é o utilizar esse conhecimento em prol do par analítico. Como é sabido, a linguagem emocional surge do Processo Primário do Pensar e se manifesta através de cenas e fantasias geradas por estímulos biológicos, corporais e sociais (Lima et al., 2022, p.2).

Na origem da psicanálise a fala sempre teve um papel central, um lugar especial no seting analítico. Encontramos até expressões como: a psicanálise é a cura pela fala. Mas precisamos avançar e entender que de posse de todo um conhecimento científico, a comunicação na situação analítica vai além das palavras (Zimernan, 2007, p.358).

A ideia de que a associação livre é a pedra fundamental na psicanálise deve ser atualizada e ter apoio em outras formas de interpretação. Esse fato é tão verdade, que hoje encontramos vários artigos produzidos por psicanalistas tratando do “silêncio” na análise. Mas é evidente que esse silêncio também comunica sentimentos esclarecedores para o par analítico. Podemos mesmo dizer que, no silêncio, o que não é falado é dito de muitas outras formas.

Comunicação não verbal e leitura do silêncio

É evidente que, durante a terapia, ocorram transferências e resistências, que ao olhar de um bom e atento observador analista, podem revelar muito mais do que palavras soltas ao vento. Interessante notar, na minha impressão, que, de forma intuitiva, várias vezes percebemos esse movimento nas sessões narradas por Freud. Atrevo-me a dizer que o pai da psicanálise tinha um dom natural de perceber mensagens não ditas, mas que eram muito bem comunicadas.

Lacan foi outro pensador psicanalítico que muito bem entendeu essa dinâmica da comunicação não verbal. Prova disto é o conceito de “palavra vazia” e “palavra cheia”. Resumidamente, podemos dizer que, quando houver a sinergia entre os fatores neurobiológico e o emocional, maior será a completude da palavra (Zimerman, 2007, p.359).

Se entendermos a comunicação como sendo formada por três partes, a saber: a transmissão, os meios de comunicações e a recepção. Sobre os meios de comunicação, podemos afirmar que eles podem ser verbais e não verbais. É sobre essa divisão que, precisamente, proponho esse trabalho.

A importância da escuta além da fala

No início da psicanálise, a parte verbal é quase toda dominante. No entanto, há que se adequar essa divisão, atribuindo à comunicação não verbal uma parcela significativa durante a análise. É sobre essa ótica que se fundamenta a diferenciação entre o que é falado e o que é dito. Muitas vezes, ocorrerá o fenômeno da resistência em que haverá uma diferença significativa entre ambos.

Nesses casos, aparecerá a famosa mentira, que podemos superficialmente interpretar como sendo a resistência. Uma forma de manipulação emocional tão presente nas relações sociais, ainda mais na terapêutica.

A atual escuta analítica precisa estar atenta a toda a bagagem de comunicação não verbal. A postura, o emprego da voz, a roupa utilizada, as cores, os movimentos espontâneos, a posição dos pés, das mãos, o corte de cabelo, o olhar, etc., quase todos esses fatores comunicam o não falado. A observação nesse sentido é importantíssima e salutar habilidade que o analista deverá desenvolver.

Leitura do corpo e somatizações na clínica

É fato que muitos de nós já possuímos essas características bem desenvolvidas, seja por dom natural ou aprendizagem social, mas àqueles que não possuem, seria salutar o seu desenvolvimento para o bem e aprimoramento da comunicação.

Um ponto que merece destaque é a percepção das somatizações que o analisando traz consigo. Essas exposições observáveis, como uma urticária severa, por exemplo, que pode muito bem estar escondida atrás de camisas de mangas longas, podem ser expressões de conflitos inconscientes. Outros exemplos são: úlceras, asma, eczema, etc.

Como nos ensina Joe Navarro (Navarro e Karlins), o primeiro passo para dominar as comunicações não verbais é a postura de um observador competente em seu ambiente (Navarro & Karlins, 2021, p.19). Esse seria o primeiro requisito básico para decodificar o complexo mecanismo de dizer o que não é falado.

Na mesma linha, acrescenta outras valiosas dicas, que é o de entender o contexto em que ocorre a comunicação, além de outras técnicas que são utilizadas pelas polícias no mundo todo em processos de investigação e coleta de depoimentos. Sabemos que não é o nosso caso de psicanalistas, mas creio que muito se pode aproveitar dessas experiências.

Expressões do corpo e comunicação espontânea

Merece atenção, nesse contexto, os comportamentos dos membros. As mãos, por exemplo, transmitem movimentos que podem, consciente ou inconscientemente, indicar picos de ansiedade diante de um assunto. A sudorese nas palmas das mãos é um sinal claro de que o corpo está sofrendo ações mentais e emocionais de alta intensidade.

Nesse sentido, a escuta do corpo é importantíssima, com destaque a toda a forma de expressão facial. O rosto é a tela da mente em se tratando de emoções (Navarro & Karlins, 2021, p.167). Com exceções, os sentimentos são comunicados de forma espontânea e incontrolável.

Podemos pensar em uma situação de grande alegria. Dificilmente, alguém não exporia na face a demonstração básica e universal do sorriso. É sabido que essas expressões básicas e universais sofrem variações quanto ao tempo e intensidade, mas ficaremos aqui somente com a informação da ocorrência mediana entre as pessoas.

Outro exemplo seria a expressão de uma pessoa ao receber uma notícia triste. Também presenciaríamos a típica expressão com a boca formando um sorriso ao contrário.

Um exemplo real e o valor da observação clínica

Faço um parênteses na minha exposição para contar um fato, alheio à nossa área de terapia, mas que exemplifica a importância de um profissional diante das expressões faciais. Certa vez, tive que levar o meu filho, ainda bebê, ao pediatra, pois estava há vários dias com febre e dores.

Como em todo o consultório, fiz a ficha e tive a infeliz notícia que nós seríamos a quinta família a ser atendida. Qual foi, porém, a minha surpresa quando o médico adentrou a sala de espera e, num olhar rápido a todos os presentes, sinalizou que nós seríamos os primeiros a ser atendidos, diante da gravidade de meu filho.

Dentro da sala de consulta, o médico nos disse que, ao ver o sofrimento no rosto do meu filho, percebeu a gravidade. Horas depois, estávamos, eu e minha esposa, medicando o nosso filho, que no momento estava com uma severa pneumonia. O final dessa história foi feliz e reflete o quanto de informações e emoções trazemos em nossa face.

Resistência, mentira e incongruência na fala e no corpo

Dentro de uma terapia e com olhar atento, o analista pode reconhecer no analisando expressões de dúvida, tédio, cansaço, surpresa, alegria e tantas outras manifestações que enriqueceriam o trabalho analítico. Hoje, é estimado mais de uma dezena de expressões faciais diferentes. Entretanto, importa apenas um conhecimento básico e uma abertura a também acolher esses comportamentos na análise.

Encerrando essa minha exposição, gostaria de citar a mentira ou ocultação da “verdade” dentro do setting analítico. Principalmente no início da terapia analítica, os laços entre o par analítico ainda carecem de confiança. A transferência, de forma ínfima, sempre existirá, mas a abertura ao outro daquilo que está no mais íntimo do analisando levará tempo para se manifestar.

Nesse período, mecanismos de aceitação social e desconfiança poderão vir acompanhados de mentiras. Mentiras essas que poderão ser conscientes ou inconscientes. Podemos mesmo dizer que a mentira é um tipo de resistência.

Superficialmente, podemos definir, a grosso modo, que a mentira seria uma forma de incongruência entre o que é falado e o que é dito de forma não verbal. Podemos exemplificar, supondo que diante de uma intervenção do analista, o analisando responda com um “sim”, mas sua cabeça acaba por balançar de um lado a outro, sinal identificável como um “não”.

Ou, em um manejo, o analisando fale que está muito feliz em ter ido à terapia, mas seus músculos faciais apresentam uma expressão clássica de tristeza. Como esses, poderíamos citar várias incongruências.

A importância da ampliação do olhar psicanalítico

Nesse trabalho de conclusão do curso de psicanalista clínico, tive a intenção de trazer a importância de uma leitura mais ampla de tudo o que é comunicado dentro do setting. Historicamente, a fala sempre foi a marca registrada dos primeiros analistas. E foi essa fidelidade ao pai da psicanálise que levou ao status de conhecimento respeitável mundialmente. No entanto, com todo o estudo acumulado desde Darwin até Ekmann, creio ser salutar uma postura que não despreze a fala, mas que a complemente através das comunicações não verbais, em especial, a facial.

Na minha interpretação, acredito que em nada estaríamos desviando das origens da psicanálise, apenas estaríamos ampliando nossa capacidade de interpretação, a fim de continuar a máxima psicanalítica de que o analista deve sempre buscar a verdade, conforme orientação de Freud.

A evolução da comunicação e seu impacto na psicanálise

Demonstramos que a comunicação faz parte da humanidade. Desde os homens primitivos, essa ferramenta se aprimorou e se aperfeiçoou, passando por iconografia, até o surgimento da fala. No entanto, ficaram impregnadas na mente humana, muitas outras formas de comunicação que ajudaram na sobrevivência da espécie.

Nosso cérebro e nosso arcabouço inconsciente, por exemplo, têm muito do homem da era das pedras.

Microexpressões faciais e o inconsciente no corpo

A integração do estudo das microexpressões faciais e da comunicação não verbal na prática psicanalítica representa um avanço significativo no entendimento do inconsciente e na forma como ele se manifesta no corpo. As descobertas de Paul Ekman e outros estudiosos da comunicação não verbal oferecem uma ferramenta poderosa para os analistas, permitindo-lhes acessar níveis mais profundos do inconsciente dos pacientes.

Ao focar na observação das expressões faciais e corporais, o analista pode perceber mais claramente perceber as emoções que o paciente não está verbalizando, proporcionando uma compreensão mais completa do seu estado psíquico. Esse processo não apenas aprimora o diagnóstico clínico, mas também abre novos caminhos para a intervenção terapêutica.

Linguagem corporal e ampliação do mapa emocional

A psicanálise, tradicionalmente centrada no discurso verbal, ganha uma dimensão mais abrangente ao integrar a observação cuidadosa do corpo e das expressões faciais. O inconsciente, que Freud e outros psicanalistas conceberam como uma esfera oculta da mente, encontra na linguagem corporal uma maneira de se manifestar de forma mais sutil, porém igualmente significativa.

Muitas vezes, as palavras podem falhar em comunicar a profundidade das emoções ou a complexidade dos conflitos internos. Nesse sentido, a observação atenta das microexpressões faciais oferece uma visão mais precisa e direta das experiências emocionais do paciente, que, de outra forma, poderiam permanecer fora do alcance da análise verbal.

Com isso, o analista ganha um “mapa emocional” mais completo para orientar o processo terapêutico.

Interpretação emocional através das microexpressões

As microexpressões faciais, como manifestações involuntárias de emoções, fornecem pistas valiosas sobre o estado emocional do paciente. Embora o paciente possa tentar esconder ou modificar suas respostas emocionais através de palavras, a linguagem não verbal tende a revelar aquilo que é mais difícil de controlar.

Um sorriso forçado ou uma expressão facial que indica desconforto ou raiva pode fornecer uma pista crucial para o analista, indicando que o paciente está ocultando uma emoção ou lutando contra um conflito interno.

Essas manifestações, que duram frações de segundos, podem ser decifradas pelo analista com o devido treinamento e atenção, permitindo que o terapeuta entre em contato com aspectos do inconsciente do paciente que poderiam estar bloqueados ou suprimidos.

Contribuições clínicas e éticas da observação não verbal

Portanto, a observação das microexpressões faciais e a compreensão do inconsciente através do corpo não são apenas um avanço teórico ou técnico, mas também uma revolução na forma como a psicanálise pode ser vivida e experimentada pelos pacientes.

Ela nos ensina que o inconsciente não se limita às palavras ou aos sonhos, mas se estende também aos gestos, expressões faciais e posturas do corpo. Esse entendimento abre novas possibilidades para a prática clínica e oferece aos pacientes uma forma mais acessível e profunda de se conectarem consigo mesmos.

Em última análise, a observação das microexpressões faciais não só enriquece a prática psicanalítica, mas também a torna mais sensível e eficaz na compreensão das complexidades da experiência humana.

Encerramento e reforço do papel do par analítico

Cumpri concluir esse trabalho reforçando que o protagonista em uma terapia analítica será o estabelecimento do par analítico. O conhecimento proposto neste trabalho servirá como um modelo de interpretação, mas nunca deverá substituir a associação livre, apenas pretende melhorar a atenção flutuante, fornecendo uma metodologia voltada também para as expressões faciais.

Este artigo foi escrito por IVAN AURÉLIO VILLAR GUATURA, exclusivamente para o blog Psicanálise Clínica.

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