Neste artigo, exploramos os fundamentos teóricos e clínicos da neurose histérica, com foco em seu tratamento dentro da abordagem da psicanálise lacaniana. O conteúdo é fruto de um trabalho de conclusão do Curso de Formação em Psicanálise e foi adaptado exclusivamente para facilitar a leitura online, mantendo integralmente a proposta e o conteúdo da autora.
Nota editorial: Este artigo é fruto da monografia de conclusão do Curso de Formação em Psicanálise, escrita por Gabriel Vianna Schlatter, intitulada Análise Comparativa entre o Tratamento Psicanalítico da Neurose Histérica e Neurose Obsessiva na Clínica Lacaniana. Para facilitar a leitura online, o conteúdo foi segmentado em três partes. Esta é a parte inicial, dedicada exclusivamente ao estudo da neurose histérica. As demais partes — voltadas à neurose obsessiva e à análise comparativa entre as duas estruturas — serão publicadas separadamente nos dias seguintes, e após publicadas estarão linkadas abaixo:
Neurose Obsessiva: Tratamento Psicanalítico na Clínica Lacaniana
Neurose Histérica e Neurose Obsessiva: Análise Comparativa de Tratamentos na Clínica Lacaniana
A estrutura clínica da neurose histérica
A neurose histérica pode ser caracterizada como uma estrutura clínica específica dentro da psicanálise, com particularidades em sua constituição e manifestação (Palonsky, 1997). É importante notar que, embora os sintomas possam variar, a estrutura subjacente permanece, influenciando a forma como o sujeito se posiciona no mundo e lida com o desejo.
Convém lembrar que a noção de estrutura, em psicanálise, refere-se a um conjunto de elementos que mantêm relações lógicas entre si, sendo que a articulação e a posição relativa do sujeito são mais importantes que os elementos da estrutura individualmente.
Numa abordagem lacaniana, a estrutura clínica define uma posição do sujeito em relação à castração do Outro e à sua própria. Assim, a neurose histérica é definida não por sintomas específicos, mas por essa posição subjetiva (Palonsky, 1997).
Com isso, se pode propor que cada sujeito possui uma estrutura clínica definida, teoricamente identificável, apesar de, na prática clínica, nem sempre ser nitidamente caracterizável. A determinação da estrutura acaba se tornando mais clara através do próprio trabalho analítico.
A neurose histérica, em particular, se organiza em torno de algumas condições específicas, como a ausência de um objeto sexual fixo, previamente definido (Leite, 2010). Assim, diferentemente de outras estruturas, na histeria, a escolha do objeto não é pré-determinada.
A dinâmica do desejo e o papel do Outro
Além disso, o desejo histérico é sempre intermediado pelo desejo do Outro. Isso significa que o histérico busca seu desejo através do olhar e do desejo do outro, o que o leva a uma busca incessante por reconhecimento.
Na histeria, a diferenciação sexual não é bem estabelecida, gerando incertezas e questionamentos sobre a identidade sexual. A mulher histérica, por exemplo, lida com o complexo de Édipo de forma específica, buscando um lugar simbólico que, muitas vezes, envolve uma relação conflituosa com a figura paterna (Leite, 2010).
Um ponto importante a ser destacado é a relação da histérica com o saber. A histérica apresenta uma relação com o saber que é caracterizada por uma busca constante por respostas para questões fundamentais, que funcionam como um guia em sua vida. Essa busca, porém, é marcada por um ciclo de idealização e decepção ou insatisfação (Fink, 2018).
A histérica frequentemente supõe que a resposta desejada pode ser encontrada através de um Outro, idealizado como alguém que detém o saber, muitas vezes identificando o homem como essa figura de completude.
É conveniente lembrar que o sintoma é uma forma de o sujeito se representar, buscando evitar a angústia decorrente da constatação da castração do Outro. Nesse sentido, o principal mecanismo psíquico envolvido na neurose histérica é o recalque.
A neurose histérica na clínica contemporânea
Os sintomas histéricos podem variar muito e se adaptar ao relevo social de sua época. A forma do sintoma se articula com o discurso social, não havendo dissociação entre o indivíduo e o tempo em que vive. Assim, a “nova” histérica se constrói na relação entre o laço e o discurso social (Oliveira & Winter, 2019).
A neurose histérica, portanto, pode se caracterizar através de uma variedade de sintomas, que podem incluir conversões corporais, como paralisias ou anestesias, além de comportamentos teatrais e uma constante busca por atenção.
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Na clínica, a neurose histérica pode ser encontrada principalmente em pacientes do sexo feminino, embora haja casos de homens histéricos. A problemática histérica pode parecer uma caricatura da conduta feminina tradicional, mas é importante considerar que essa é uma das formas de manifestação que caracterizam esta estrutura.
A neurose histérica também pode ser vista como uma forma de subjetivação, um modo de estar no mundo e de se relacionar com o desejo.
A escuta clínica e a direção do tratamento
A análise da neurose histérica envolve a escuta do discurso do analisando, buscando identificar as questões fundamentais que orientam sua vida e as formas pelas quais ele lida com a castração e o desejo (Nasio, 1991).
O analista deve estar atento ao que emerge no discurso, para além do conteúdo manifesto, buscando os significantes que estruturam a posição do sujeito. A direção do tratamento na neurose histérica deve levar em consideração as particularidades da estrutura, evitando generalizações ou interpretações reducionistas.
Em resumo, a neurose histérica é uma estrutura clínica complexa, definida por uma posição subjetiva específica, marcada por uma relação particular com o saber e o desejo, e que se manifesta através de uma variedade de sintomas.
A compreensão dessa estrutura é fundamental para o trabalho psicanalítico, permitindo uma escuta e intervenção mais afinadas com a singularidade de cada caso.
A técnica psicanalítica na neurose histérica
O tratamento clínico da neurose histérica, sob uma abordagem psicanalítica lacaniana, é um processo complexo e singular, focado na escuta do sujeito e na sua relação com o desejo e o gozo. O objetivo central não é a cura no sentido tradicional, mas sim possibilitar que o sujeito se aproprie do seu sintoma e da sua verdade (Fink, 2017).
Convém lembrar que a psicanálise não visa a eliminar o sintoma, mas sim a entendê-lo como parte da constituição do sujeito (Freud, 1996). Desta forma, entre os objetivos do tratamento psicanalítico da neurose histérica se podem listar os seguintes (Nasio, 1999):
- Explorar e dar forma ao sintoma
- Promover a subjetivação
- Atravessar a angústia
- Resolver a neurose histérica de transferência
Funções do analista no manejo clínico
Com esses objetivos em mente, o papel do analista, assim como da escuta terapêutica, poderia ser elencado como (Nasio, 1999):
- Fazer a escuta do sujeito do inconsciente
- Acolhimento e testemunho
- Assumir o papel do Outro castrado
- Estar atento à transferência
- Interpretar como oráculo
- Valer-se de atos de palavra
- Fazer o manejo da angústia
Atenções especiais no tratamento da neurose histérica
Existem alguns aspectos da relação terapêutica que devem estar sob constante atenção do analista durante o tratamento da neurose histérica. Um deles são as fantasias do desejo. O analista deve estar atento às fantasias do desejo, uma vez que a neurose histérica se organiza em torno da fantasia (Miller, 1997).
Da mesma forma, deve estar atento ao lugar ocupado pelo Outro e em como o sujeito se posiciona na sua relação com o Outro, aspecto central na dinâmica histérica. Isso vale também para o sintoma, o qual não deve ser evitado, mas explorado e compreendido como um modo de o sujeito lidar com sua angústia. O analista deve acolher o sintoma como algo que exerce uma função importante para o sujeito (Freud, 1996).
Transferência, narrativa e final de análise
Especial cuidado deve ser dado ao gozo, que é um limite perigoso para o histérico, e à forma como o sujeito lida com ele (Miller, 1997). O tratamento deve levar o analisando a lidar com sua angústia sem convertê-la em um refúgio narcísico.
Naturalmente, o analista deve estar atento às diversas versões da história do paciente, buscando sensibilizá-lo para a dimensão simbólica que o constitui. É trabalho do analista tecer com o paciente as diversas versões em torno de um mesmo fato.
Essa busca por diferentes versões e interpretações também vale para a análise do discurso do paciente, buscando os significantes que estruturam sua posição subjetiva.
Pensando a abordagem do tratamento da neurose histérica de modo sistemático, se poderia propor que este começa com as entrevistas preliminares, busca o estabelecimento da transferência e, a partir daí, evolui através de interpretações na construção da história do sujeito.
As entrevistas preliminares são cruciais para a escuta do discurso do inconsciente e para o estabelecimento da transferência. O analista já está conduzindo o processo de análise desde o primeiro dia, sendo que as entrevistas preliminares objetivam a escuta do discurso do sujeito do inconsciente de modo a tentar definir a estrutura psicanalítica determinante (Cumiotto, 2008).
A transferência, por sua vez, é a condição necessária para que o trabalho analítico seja possível. Somente a partir desse ponto é que as interpretações começam a ter sentido para o paciente. A interpretação é uma ferramenta essencial no tratamento, visando a produzir uma mudança na posição subjetiva do paciente, devendo ser feita a partir da relação transferencial e não do desejo do analista.
O tratamento, portanto, envolve a construção de uma narrativa do sujeito, que possa dar sentido à sua experiência (Fink, 2017). Cada análise tem seus próprios tempos, que devem ser respeitados. O final da análise envolve uma separação do analisando em relação a si mesmo e ao analista. O luto do fim da análise não é o luto do analista, mas sim o luto da ilusão de completude.
Em suma, o tratamento da neurose histérica na perspectiva psicanalítica lacaniana é um processo que envolve uma escuta atenta ao sujeito, a compreensão da sua relação com o desejo e o gozo, e a promoção de uma mudança na sua posição subjetiva.
O analista desempenha um papel fundamental nesse processo, acolhendo o sujeito e o seu sintoma, mas também apontando para a sua verdade inconsciente. O tratamento, portanto, é um convite para que o sujeito se aproprie de sua história e se coloque em movimento diante do seu desejo.
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Este artigo foi escrito por Gabriel Vianna Schlatter, exclusivamente para o blog Psicanálise Clínica.