Comparação entre os tratamentos da neurose histérica e da neurose obsessiva na psicanálise lacaniana

Neurose Histérica e Neurose Obsessiva: Análise Comparativa de Tratamentos na Clínica Lacaniana

Publicado em Publicado em Personalidades e Psicopatologias

Neste artigo, exploramos as principais diferenças entre neurose histérica e neurose obsessiva, com base na clínica lacaniana. Abordamos suas estruturas psíquicas, mecanismos de defesa, relação com o desejo, papel do analista e objetivos terapêuticos. A proposta é oferecer um panorama comparativo que auxilie profissionais da psicanálise no manejo clínico dessas duas importantes estruturas neuróticas.

Nota editorial: Este artigo é baseado na monografia Análise Comparativa entre o Tratamento Psicanalítico da Neurose Histérica e da Neurose Obsessiva na Clínica Lacaniana, de autoria de Gabriel Vianna Schlatter, apresentada como trabalho de conclusão do Curso de Formação em Psicanálise. O conteúdo original foi dividido em três partes com o objetivo de facilitar a leitura e a compreensão online. Este é o terceiro artigo da série. Os anteriores são: Neurose Histérica: Tratamento Psicanalítico na Clínica Lacaniana e Neurose Obsessiva: Tratamento Psicanalítico na Clínica Lacaniana. Todos os textos mantêm integralmente o conteúdo produzido pelo autor.

Introdução

Um estudo sobre as diferenças no tratamento da neurose histérica em comparação com a neurose obsessiva deve começar reconhecendo o lugar central que essas duas estruturas clínicas ocuparam na obra de Freud (Laplanche & Pontalis, 2001).

A neurose histérica e a neurose obsessiva foram as patologias com as quais Freud mais trabalhou, por serem as mais comuns em sua época (Di Filipi, Sadala & Lourdes, 2019; Tosatti, 2024). Freud iniciou seus estudos com a histeria, a partir da qual desenvolveu as bases da psicanálise.

A escuta das pacientes histéricas foi fundamental para a formulação da teoria psicanalítica, o que permitiu a Freud propor um novo método de tratamento.

A neurose obsessiva, por sua vez, também foi de grande interesse para Freud, sendo considerada por ele, junto com a histeria, um dos componentes da estrutura neurótica humana. Ele percebeu que a neurose obsessiva possuía um mecanismo psíquico complexo, com etiologia similar à da histeria, porém com algumas características peculiares.

Presença contemporânea das estruturas clínicas

Embora as manifestações clínicas tenham se modificado ao longo do tempo e outras patologias tenham surgido, como a clínica do vazio, a neurose histérica e a neurose obsessiva ainda se fazem muito presentes.

As estruturas clínicas permanecem as mesmas, apesar das mudanças nos sintomas em decorrência do discurso dominante na cultura (Tosatti, 2024). Os sintomas histéricos, por exemplo, não se apresentam mais como na época de Freud, mas os conflitos internos permanecem os mesmos, em sua essência.

Importância clínica da diferenciação estrutural

A relevância de um trabalho como este reside na sua capacidade de oferecer orientação tanto para terapeutas iniciantes quanto para os mais experientes. O estudo das particularidades de cada estrutura clínica, a partir do olhar da psicanálise lacaniana, permite que o analista possa refinar sua escuta, bem como suas intervenções, favorecendo a direção do tratamento.

É importante ressaltar que o diagnóstico em psicanálise tem como finalidade principal orientar o tratamento. Conhecer as diferenças entre a neurose histérica e a neurose obsessiva, portanto, auxilia o analista no manejo clínico e na compreensão da posição subjetiva que está em jogo em cada tipo de neurose.

Pontos em comum nas estruturas neuróticas

A partir da análise das estruturas, se pode propor que os pontos em comum na clínica destas dizem respeito, em essência, aos fundamentos e princípios psicanalíticos, válidos praticamente para todas as configurações que um paciente possa apresentar.

Tanto a neurose histérica quanto a neurose obsessiva são consideradas estruturas neuróticas. Isso significa que ambas compartilham certas características em relação à dinâmica psíquica, com o recalque como mecanismo de defesa primário e a definição de uma forma de relação com a castração. A transferência é um elemento central em ambas as estruturas.

A forma como a transferência se manifesta pode variar, mas o analista deve estar atento a esta e usá-la como ferramenta para o tratamento. Isto também se aplica à escuta analítica onde o analista deve estar atento ao discurso do paciente, buscando os significantes que estruturam sua posição subjetiva e suas estratégias de defesa.

Função do sintoma e subjetivação

Em ambas as estruturas, o sintoma é considerado um ponto de partida para a análise, e não algo a ser eliminado. O analista deve estar atento à função que o sintoma exerce para o sujeito, como forma de lidar com a angústia. O objetivo do tratamento em ambas as estruturas é promover a subjetivação do paciente, ou seja, a sua capacidade de se posicionar diante do seu desejo e de assumir a responsabilidade por seus atos.

Diferenças na relação com o desejo

Por outro lado, existem algumas diferenças importantes a serem destacadas na clínica dessas duas estruturas. Uma delas diz respeito à relação do sujeito com o desejo.

Na histeria, o desejo é marcado pela insatisfação e pela busca incessante pelo desejo do Outro. O histérico busca se fazer desejável, mas não consegue se apropriar do seu próprio desejo.

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Já na neurose obsessiva, o desejo é marcado pela dúvida e pela busca por controle. O obsessivo busca evitar o confronto com seu desejo, e tenta controlá-lo por meio de rituais e repetições.

Saber, angústia e mecanismos de defesa

A relação com o saber também é notoriamente distinta. A histérica se apresenta como alguém que não sabe, que busca o saber no outro, enquanto o obsessivo busca saber tudo e tenta controlar este saber. O obsessivo usa o saber para evitar o confronto com a falta e a castração, enquanto a histérica busca no outro a resposta para sua insatisfação.

Além disso, o histérico lida com a angústia através da conversão e da teatralização, enquanto o obsessivo lida com a angústia através do controle e da busca por certeza. O histérico busca externalizar a angústia no corpo e na atuação, enquanto o obsessivo busca internalizá-la, controlando-a no pensamento.

A isto se associam os diferentes mecanismos de defesa de cada estrutura, sendo que na neurose histérica estes são, principalmente, a conversão, a identificação e a teatralização, enquanto na neurose obsessiva são o isolamento, a anulação retroativa e a intelectualização.

O lugar do analista e a relação com o tempo

Cabe destacar que o lugar do analista em cada caso também é distinto:

Na histeria, o analista muitas vezes se vê posicionado como o Outro desejado, enquanto na neurose obsessiva, o analista pode ser visto como aquele que detém o saber. O histérico busca seduzir o analista e colocá-lo no lugar de objeto de desejo, enquanto o obsessivo busca controlar o analista e obter dele um saber tranquilizador.

Por isso, a relação com o tempo é diferente nas duas estruturas. O histérico vive no presente e na urgência da demanda, enquanto o obsessivo vive na repetição do passado e na tentativa de controlar o futuro.

Objetivos terapêuticos e fim da análise

Assim, no tratamento da neurose histérica se busca levar o sujeito a se separar da posição de objeto de desejo do Outro e a se apropriar do seu próprio desejo. O tratamento visa conduzir o histérico a um encontro com a angústia da castração e à sua própria divisão subjetiva.

O tratamento da neurose obsessiva, por sua vez, busca levar o sujeito a reconhecer a falta no Outro e a sua própria divisão subjetiva, desconstruindo a lógica obsessiva e o seu controle sobre o tempo, a realidade e o desejo.

Já o final da análise, na neurose histérica, é marcado pela separação do analista e pela assunção de um novo lugar subjetivo, enquanto o final da análise na neurose obsessiva é marcado pela mudança na relação com o gozo, com o saber e com a castração.

Na histeria, o fim da análise está relacionado com o luto da relação com o analista, enquanto na obsessão, está relacionado com a mudança da relação com o gozo e com a angústia.

Direção do tratamento e escuta do analista

Nota-se, portanto, que o tratamento da neurose histérica envolve acolher a queixa do sujeito e trabalhar a partir dela. O analista deve estar atento à forma como a histérica se apresenta e como ela busca seduzir o analista. É importante trabalhar a relação da histérica com o desejo do Outro, levando-a a se apropriar do seu próprio desejo.

Já o tratamento da neurose obsessiva envolve desmantelar as defesas obsessivas e questionar a necessidade de controle. O analista deve estar atento à relação do obsessivo com o tempo, a realidade e o saber. É importante trabalhar a relação do obsessivo com a falta e a castração, e levá-lo a um encontro com a sua angústia.

Dessa forma, tanto a neurose histérica quanto a neurose obsessiva são estruturas neuróticas que compartilham alguns pontos em comum, mas que se diferenciam em relação à forma como o sujeito se relaciona com o desejo, o saber e a angústia, bem como em relação aos mecanismos de defesa e ao foco do tratamento.

A abordagem psicanalítica lacaniana busca compreender a singularidade de cada sujeito, a partir da sua estrutura clínica e da sua relação com o Outro, e promover a sua subjetivação.

Neurose histérica: Singularidade e travessia na análise

A clínica psicanalítica, tanto para a neurose histérica quanto para a neurose obsessiva, busca promover a subjetivação do analisando através da escuta atenta e da análise da transferência. No entanto, as particularidades de cada estrutura exigem abordagens diferenciadas.

A histeria apresenta uma busca incessante pelo desejo do Outro, com uma insatisfação constante e uma tendência à teatralização. O histérico se coloca como objeto de desejo, mas não consegue se apropriar de seu próprio desejo.

Dado esse quadro, o tratamento visa levá-lo a se separar dessa posição de objeto e a confrontar a angústia da castração, reconhecendo a falta e a sua divisão subjetiva. A análise, portanto, busca desconstruir a alienação no desejo do Outro, promovendo a apropriação do próprio desejo.

O final da análise é marcado pelo luto da relação com o analista e pela assunção de um novo lugar subjetivo, onde o sujeito se desvincula da demanda de amor dirigida ao Outro da transferência. O término da análise não é a suspensão dos sintomas, mas uma mudança na posição subjetiva.

A histérica, que prefere a fantasia a enfrentar o real, irá utilizar a análise para transformar a pergunta “o que o Outro quer?”, numa pergunta voltada a si, ou seja, “o que eu desejo?”.

Neurose obsessiva: Singularidade e travessia na análise

Por outro lado, a neurose obsessiva se caracteriza pela dúvida, pelo controle e pela busca por certeza, evitando o confronto com o desejo. O obsessivo utiliza rituais e repetições para controlar a angústia e o tempo, havendo uma dificuldade em chegar ao momento de concluir.

O tratamento busca desmantelar as defesas obsessivas e questionar a necessidade de controle, conduzindo o sujeito a reconhecer a falta no Outro e sua própria divisão subjetiva.

O objetivo é que ele possa tomar seu próprio percurso, sem se fixar em um tempo lógico infinito. O final da análise é marcado pela mudança nas relações, onde o sujeito se responsabiliza pelo seu próprio gozo.

É preciso que o sujeito lide melhor com suas escolhas e não ocupe mais uma infinidade de lugares. A estratégia do obsessivo, em essência, é se recuperar de uma escolha que não foi sua, mas sim do outro, sendo que a análise deve levá-lo a concluir que o tempo para compreender e decidir não pode continuar infinito.

Temporalidade, saber e responsabilidade do analista

Há pontos do tratamento que são importantes para ambas as estruturas:

O tempo, por exemplo, é um fator crucial, com diferentes modalidades (atemporalidade do inconsciente, antecipação, posterioridade) que influenciam a produção de significação.

O tempo lógico (instante de ver, tempo de compreender, momento de concluir) é fundamental para entender o processo analítico.

Em ambos os casos, a escansão, isto é, a interrupção da sessão, é uma forma de pontuação que pode precipitar conclusões por parte do analisando.

Quanto ao psicanalista, é importante que esse compreenda que a relação com o saber em psicanálise não é de um saber consciente ou intuitivo, mas um saber operativo, que se organiza a posteriori, tal como a produção do sujeito do inconsciente.

O analista não deve buscar um saber antecipado, mas acompanhar o percurso do analisando. Em particular, a análise da transferência é fundamental para a travessia da fantasia, levando o analisando a confrontar a angústia e transformando-a em algo que possa ser atravessado e elaborado.

O fim da análise não é o fim do trabalho psíquico, mas o início de um novo percurso. O final da análise deve levar o sujeito a se apropriar da sua falta e do seu desejo, desvinculando-se da demanda do Outro.

Além disso, o final da análise não é uma suspensão dos sintomas, mas uma mudança na posição subjetiva do analisando. É a maneira como a análise termina que, retroativamente, confere sentido a todo o percurso. A clínica psicanalítica, tanto na neurose histérica quanto na neurose obsessiva, se baseia na escuta atenta, na análise da transferência e na consideração das particularidades de cada estrutura.

Assim sendo, o objetivo final é promover a subjetivação do analisando, levando-o a se apropriar de seu desejo e a se responsabilizar por seu gozo, através da travessia da angústia e da aceitação da falta.

O processo analítico é um percurso singular e único, onde o tempo, o saber, a angústia e a transferência se entrelaçam para promover uma transformação subjetiva significativa na vida do analisando.

Este artigo foi escrito por Gabriel Vianna Schlatter, exclusivamente para o blog Psicanálise Clínica.

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