Neste artigo, exploramos as especificidades da neurose obsessiva sob a perspectiva da clínica lacaniana, enfocando sua estrutura psíquica e possibilidades de tratamento. A discussão aborda os principais sintomas, mecanismos de defesa e estratégias clínicas que auxiliam no manejo dessa estrutura na prática psicanalítica.
Nota editorial: Este artigo é baseado na monografia Análise Comparativa entre o Tratamento Psicanalítico da Neurose Histérica e Neurose Obsessiva na Clínica Lacaniana, de autoria de Gabriel Vianna Schlatter, apresentada como trabalho de conclusão do Curso de Formação em Psicanálise. O conteúdo original foi dividido em três partes com o objetivo de facilitar a leitura e a compreensão online. Este é o segundo artigo da série, e o primeiro – Neurose Histérica: Tratamento Psicanalítico na Clínica Lacaniana – já está disponível no blog. O terceiro e último será postado posteriormente – Neurose Histérica e Neurose Obsessiva: Análise Comparativa de Tratamentos na Clínica Lacaniana.
A estrutura clínica da neurose obsessiva
A neurose obsessiva pode ser caracterizada como uma estrutura clínica específica na psicanálise, com mecanismos de defesa, sintomas e uma relação com o desejo que são distintos da histeria (Laplanche & Pontalis, 2001). É fundamental compreender que a neurose obsessiva não se define apenas pela presença de obsessões e compulsões, mas por uma organização psíquica subjacente que influencia a forma como o sujeito lida com a angústia, o desejo e o Outro.
Assim como na histeria, a clínica lacaniana da neurose obsessiva é compreendida como uma posição subjetiva em relação à castração e ao desejo, e não meramente como um conjunto de sintomas. A estrutura obsessiva é marcada por uma tentativa de dominar a incerteza e o imprevisível através do controle e da racionalização (Chemama, 1985).
Diferentemente da histeria, onde o desejo é mantido insatisfeito, na neurose obsessiva há uma entrega à dependência e submissão ao Outro. O obsessivo não se dirige ao Outro da mesma forma que na histeria, mas sendo mais “cinza” e anônimo, escondendo sua singularidade. A aproximação do outro pode ser sentida como uma violência, uma penetração indevida em sua totalidade.
Dúvida, repetição e paralisia do desejo
A característica central da neurose obsessiva é a dúvida, a qual se manifesta em ruminações mentais, de escrúpulos e indecisão. O obsessivo é frequentemente paralisado pela dúvida, adiando ações e decisões (Dor, 1991).
Em função disso, o obsessivo tenta controlar seus pensamentos e ações através de rituais, repetições e ordens. Estes mecanismos servem para tentar neutralizar a angústia e o chamado “excesso de gozo”. Entretanto, há uma dicotomia entre o pensar e o agir, com o pensar substituindo a ação, muitas vezes levando à inação e à impotência diante do mundo externo (Pena & Guerra, 2024).
O obsessivo tende a pensar muito mais do que agir, utilizando o pensamento como forma de controle e defesa. Consequentemente, vive frequentemente em uma paralisia temporal, adiando o futuro e evitando o encontro com o desejo. Há uma dificuldade em lidar com a temporalidade e a morte, com uma tendência a retardar ou adiar (Fink, 2018).
Moralidade, saber e estratégias defensivas
Além disso, o obsessivo busca ser o melhor e o mais moral possível, mas é paradoxalmente atormentado por pensamentos obscenos. Essa busca por uma moralidade extrema é uma forma de tentar controlar os impulsos considerados inaceitáveis (Minerbo, 2009).
Complementarmente, o obsessivo tem uma ânsia por saber tudo e ter sempre a resposta certa, utilizando o saber como forma de se proteger e controlar a angústia (Castro, 2007). Há uma tendência à interpretação detalhada do discurso e à busca por uma compreensão totalizante, buscando preencher o vazio com sentido.
Assim, a neurose obsessiva é uma forma de defesa contra a castração, buscando preencher o vazio do Outro. A função fálica não é recalcada como na histeria, mas há um excesso de escrúpulo que domina a cena (Dor, 1991).
O desejo gerenciado e a clínica do controle
Os principais mecanismos de defesa na neurose obsessiva são o isolamento, a anulação e a formação reativa. O isolamento se dá como uma separação do afeto de uma representação, tornando-a intelectualizada e sem carga emocional. A anulação é uma forma de tentar desfazer um pensamento ou ação inaceitável pelo bloqueio total de um ato ou pensamento inaceitável.
Finalmente, a formação reativa visa transformar um impulso inaceitável em seu oposto, como a obsessão por limpeza para encobrir desejos de sujar (Dor, 1991).
O desejo, na neurose obsessiva, é “gerenciado”. Assim, o obsessivo paga o preço de manter seu desejo impossível, evitando correr riscos e se eximindo de seu desejo. Ele busca preencher o vazio do Outro, colocando-se a serviço do outro (Almeida, 2010).
Na relação amorosa, o obsessivo tenta controlar o desejo do outro, objetificando-o para que não haja demanda, uma vez que a demanda do outro o confronta com sua própria falta. Além disso, na neurose obsessiva há uma busca por transformar o desejo em necessidade, controlando o imprevisível e evitando o sofrimento da falta (Fink, 2018).
A direção do tratamento psicanalítico
Na clínica, o obsessivo apresenta uma dificuldade em se envolver na relação analítica de forma genuína, muitas vezes buscando controlar o processo (Calligaris, 1989). O analista deve estar atento à tendência do obsessivo a se apresentar como um outro, um mero espectador de si mesmo, para evitar o engajamento emocional na análise.
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A transferência, na neurose obsessiva, é marcada pela repetição e pela busca de uma resposta à injunção do Outro. Em função dessas características, o tratamento visa desconstruir as defesas obsessivas, permitindo que o sujeito entre em contato com seu desejo e com a falta no Outro.
O final da análise, para o obsessivo, envolve um acordo com seu sintoma, reconhecendo o gozo que ele produz e o papel que desempenha em sua vida (Backes, 2008).
Técnica e intervenções na clínica lacaniana
O tratamento clínico da neurose obsessiva sob uma abordagem psicanalítica lacaniana é um processo que visa a desconstruir as estratégias de defesa do sujeito e a confrontá-lo com o seu desejo (Gazzola, 2002). O foco não é a eliminação dos sintomas, mas sim a transformação da relação do sujeito com o saber, o gozo e a angústia.
Entre os principais objetivos do tratamento da neurose obsessiva, se podem propor os seguintes (Gazzola, 2002):
- Descontinuar a lógica obsessiva: O tratamento busca desmantelar as defesas obsessivas, como rituais, dúvidas e repetições, que servem para evitar a angústia e o confronto com o desejo;
- Questionar a busca por controle: A análise visa a questionar a necessidade obsessiva de controle sobre o tempo, a realidade e o desejo, mostrando que essa tentativa é vã;
- Desvelar a relação com o saber: O tratamento busca desvelar a relação do obsessivo com o saber, mostrando como ele usa o saber para evitar o confronto com a falta e a castração (Castro, 2007);
- Confrontar com a castração: O objetivo é levar o obsessivo a reconhecer a castração, a falta no Outro, e a sua própria divisão subjetiva;
- Atravessar a angústia: O tratamento visa conduzir o obsessivo a um encontro com a angústia;
- Modificar a relação com o gozo: O obsessivo tenta controlar o gozo, o que o impede de se conectar com seu desejo;
- Subverter a estratégia obsessiva: Mostrar que ele não é obrigado a se esvaziar para portar o semblante fálico;
- Despertar do sono de morte: Tirar o obsessivo de sua prisão temporal, para que viva no tempo presente.
Para que esses objetivos sejam atingidos, o papel do analista é fundamental. Sua postura e a forma de interação com o analisando devem procurar focar nos seguintes princípios (Fink, 2017):
- Escuta atenta ao discurso
- Posição de não saber
- Intervenções pontuais
- Atenção à transferência
- Interpretação focada na estrutura
- Manejo da contratransferência
- Sustentar a falta
- Atentar para as repetições
A interpretação e a pontuação do analista devem considerar tanto a relação do obsessivo com o tempo quanto com a realidade (Nasio, 1999). A função do objeto a na economia psíquica do obsessivo também deve ser motivo de atenção, assim como a ambivalência entre desejo e culpa.
Por serem ambas formas de neurose, a abordagem sistemática do neurótico obsessivo compartilha pontos fundamentais com a histeria (Nasio, 1999). As entrevistas preliminares são essenciais para o diagnóstico estrutural e o estabelecimento da transferência (Cumiotto, 2008). O manejo do tempo e a sessão curta são recursos que auxiliam na desestabilização da lógica obsessiva.
O final da análise marca a mudança da relação com o gozo, com o saber e com a castração. O obsessivo reconhece que pode se pacificar com sua falta. O encerramento não representa cura, mas transformação da posição subjetiva.
Assim sendo, o tratamento da neurose obsessiva, na perspectiva psicanalítica lacaniana, é um processo que envolve a desconstrução das estratégias de defesa do sujeito, o confronto com seu desejo e a mudança de sua relação com o saber, o gozo e a angústia (Santiago, 2024). O analista desempenha um papel fundamental nesse processo, escutando o sujeito e intervindo de forma a desestabilizar suas certezas e a promover a sua subjetivação.
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Este artigo foi escrito por Gabriel Vianna Schlatter, exclusivamente para o blog Psicanálise Clínica.