Havia no Senado Federal uma votação sobre a Sugestão nº 40, que prevê a “Regulamentação da Psicoterapia como prática privativa de Psicólogos com CRP ativo“.
Recentemente, surgiu a Sugestão 1/2024, que “propõe que a prática da psicoterapia seja de carácter exclusivo a psicólogos e médicos psiquiatras”.
Este tipo de sugestão é proposto por qualquer cidadão, não significa lei, nem projeto de lei. No caso da Sugestão 1/2024, um cidadão chamado “Igor” realizou este pedido. Há um anexo com sua argumentação.
Como entendemos essa sugestão
A Sugestão 1/2024 não impacta a atuação dos psicanalistas no Brasil, pois psicanalistas sérios já não se apresentam como psicoterapeutas. O Conselho Regional de Psicologia (CRP-SP) reconhece que a psicanálise segue um procedimento independente e não é exclusiva de psicólogos. Psicanalistas formados em institutos psicanalíticos, mesmo sem vínculo com o CRP, podem continuar atuando sem usar o termo “psicoterapeuta”.
Se aprovada, a sugestão pode restringir o uso do termo “psicoterapeuta” a psicólogos e psiquiatras, mas psicanalistas poderão continuar usando o título “psicanalista”. Qualquer restrição drástica também afetaria outras práticas, como coaching e terapias alternativas, que já são reconhecidas pelo SUS como atividades complementares de saúde.
Mudanças legislativas futuras tendem a aplicar restrições apenas a novos profissionais, sem afetar quem já atua na área. Portanto, os psicanalistas devem seguir suas formações, supervisionados por colegas experientes, enquanto monitoram possíveis mudanças legais.
Recomenda-se votar “não” à Sugestão 1/2024 para evitar futuras restrições burocráticas à psicanálise. Importante lembrar que essas sugestões ainda passam por longos processos até se tornarem leis, sem garantias de aprovação.
Clique aqui para dar sua opinião diretamente no site do Senado.
Resumindo:
- Psicoterapia é um termo amplo que inclui várias práticas terapêuticas.
- Psicólogos formados em faculdades específicas fazem parte de uma classe regulamentada pelo CRP.
- Psicanalistas, desde Freud, não precisam ser psicólogos ou médicos, e sua atuação segue livre em todo o mundo, usando o título “psicanalista” e não “psicoterapeuta”.
Votar contra a proposta ajuda a preservar a liberdade de atuação da psicanálise no Brasil.
Como funciona a formação de psicanalistas no Brasil e no mundo?
As Formações de Psicanalistas no Brasil, como regra, seguem uma exigência rigorosa de teoria (leituras), análise e supervisão. Além disso, seguem o ditame internacional de que psicanalistas devem formar novos psicanalistas em meio a organismos próprios, não institucionalizados pelo aparato estatal.
Portanto, a Psicanálise ainda é no Brasil um ofício leigo ou laico, isto é, trata-se de ofício aberto a profissionais de diversas formações, apesar das tentativas conservadoras ao contrário.
Há um forte lobby do ensino superior institucionalizado e do conservadorismo religioso em restringir a relevância e o método da Psicanálise. Porém, isso não é unânime nem mesmo dentro deste público: muitos psicanalistas são pastores evangélicos e outros líderes religiosos.
O que diz o Conselho de Psicologia?
Por não ser institucionalizada, a Psicanálise não tem (nem deve ter) um Conselho ou Ordem Federal.
Sobre outras propostas, o PLS 147/2018 e PLS 101/2018, aparentemente abandonados, vale mencionar a opinião do Conselho Federal de Psicologia, por seu diretor Paulo Maldos, que já apontava para a autonomia das escolas, institutos, sociedades e organizações dos psicanalistas:
“Consideramos totalmente inadequada essa intenção de regulamentação, devido ao fato da Psicanálise se constituir num campo de conhecimento próprio, com conceitos, parâmetros e métodos próprios, não passíveis de regulamentação. O fundamental nesta situação é que a palavra seja dada aos psicanalistas e a suas instituições”.
O Conselho Regional de Psicologia do Estado de São Paulo (CRP-SP) também apontou sobre a relação de independência entre psicanálise com a psicologia:
- “Profissionais psicólogos, psiquiatras e outros que recebem formação específica das Sociedades de Psicanálise ou cursos de especialização neste sentido exercem a Psicanálise, uma modalidade de atendimento terapêutico”;
- “Como atividade autônoma, nenhuma entidade regulamenta a psicanálise como profissão. O Conselho Regional de Psicologia tem competência para fiscalizar o exercício profissional do psicólogo, incluindo no caso a prática da psicanálise. Não temos competência para exercer a fiscalização se o profissional que se diz psicanalista não é psicólogo registrado no CRP-SP“.
Vamos repetir este trecho, emitido pelo próprio CRP-SP, para que fique bem claro:
“Se o profissional que se diz psicanalista não é psicólogo registrado no CRP-SP não temos competência para exercer a fiscalização.”
Portanto, a Sugestão 40 enviada ao Senado Federal se incomoda com o uso indiscriminado das expressões “psicoterapia” e “psicoterapeuta”, mas não poderia alcançar “psicanálise” e “psicanalista”.
O que diz o Conselho de Medicina?
O Conselho Federal de Medicina (CFM) não se posicionou especificamente contra a Sugestão n. 40 / 2019 ou Sugestão n. 1 / 2024 ou os Projetos de Lei aqui mencionados. Entretanto, há uma longa trajetória do CFM e Conselhos Regionais de Medicina em reconhecer a Psicanálise como saber e ofício autônomos.
Em Consulta 4.048/97, o CFM já havia emitido Parecer considerando a Psicanálise um ofício não restrito a médicos e como uma área que não é de especialização da medicina.
No mesmo sentido, a sucursal deste Conselho de Medicina do RJ, o CREMERJ, via parecer nº 84/2000, considerou a psicanálise uma atividade assistencial, não sendo privativa de uma profissão em específico. Quando exercida, deve seguir as orientações apontadas pelas instituições responsáveis pela formação.
Além disso, o CREMERJ recomendou no mesmo parecer que o poder público não deveria regulamentar a Psicanálise, deixando para as sociedades, escolas e associações a responsabilidade de definir seus critérios e códigos para formação e acompanhamento profissional.
O que dizem os Psicanalistas?
Os grupos de psicanalistas defendem a autonomia da atuação da Psicanálise em relação à medicina e à psicologia.
Vale reforçar: a nosso ver, a Sugestão 40 do Senado Federal não afeta em nada a atuação do psicanalistas, apenas impediria que o psicanalista se autodenomine “psicoterapeuta”, quando o psicanalista não for também psicólogo.
Na opinião da psicanalista Ana Sigal, que representa o Movimento de Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras, o estudo e a prática da Psicanálise demandam um saber estruturado com base em conhecimentos estipulados, ou seja, “existe toda uma teoria, com cerca de 100 anos de existência”.
O ofício de psicanalista no Brasil
A psicanálise no Brasil não interfere na atuação de médicos psiquiatras, que prescrevem medicamentos, nem de psicólogos, responsáveis por testes psicológicos e tratamentos analíticos. Ao contrário da psicologia, a psicanálise não faz diagnósticos formais nem aplica testes profissionais, focando no diálogo terapêutico, que também é usado por outras profissões, como professores ou terapeutas holísticos.
A psicanálise utiliza métodos próprios para abordar conflitos humanos, respeitando sua tradição iniciada por Freud. Mesmo sem ser formalmente incluída no SUS, como o Reiki ou a Constelação Familiar, a psicanálise já é reconhecida como uma prática complementar de saúde.
Impedir a prática psicanalítica é contrário à tradição do campo, que inclui grandes nomes como Melanie Klein e Anna Freud, que não eram médicos nem psicólogos. O Projeto de Lei PLS 101/2018 e outras propostas recentes não possuem força de lei e, mesmo que aprovadas, não alterariam o paradigma da psicanálise, que continua sendo uma prática livre e independente, com formações realizadas por cursos específicos e supervisionada por outros psicanalistas.
Em resumo, a psicanálise mantém seu espaço como prática de psicoterapia, sem regulamentações formais que a impeçam de continuar exercendo sua função de apoio psicológico por meio do diálogo e da análise.
Movimento de Articulação das Entidades Psicanalíticas
O Movimento de Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras existe desde o ano 2000. Foi quando dezenas de instituições psicanalíticas de todo o Brasil se mobilizaram contra um dos projetos do senado de regulamentação, lançados à época.
Desde então, esse Movimento se reúne periodicamente para garantir que o Estado não regule a psicanálise. O movimento defende que a psicanálise é um ofício, e não uma profissão.
Ainda assim, devemos nos manter atentos contra regramentos restritivos demais que venham a restringir ou limitar a troca de saberes e o ofício psicanalítico.
Nas palavras do Movimento de Psicanalistas, “Regulamentar o desejo do analista é mais um afã ordeiro estatal que teria a nefasta consequência de não mais arvorar ao analista, a seus pares, ao analisando, enfim, a autorização de se ocupar esse lugar“.
Regulamentação para psicoterapia hoje no Brasil
Atualmente, a psicanálise é exercida livremente no Brasil, assim como no mundo, e reconhecida como ofício, embora não seja regulamentada por conselhos federais ou estaduais. Os psicanalistas têm sua ocupação listada na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO nº 2515.50) pela Portaria nº 397/TEM de 2002.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, garante o livre exercício da atividade psicanalítica. Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) e o Decreto 2.494/98 defendem a liberdade de ensinar e aprender, permitindo que associações e escolas psicanalíticas continuem sendo os principais canais de transmissão desse saber.
Outras leis, como a Lei Complementar 147/2014, que enquadra os psicanalistas no Simples Nacional, e a Lei 12.933/2008, que institui o Dia do Psicanalista, reforçam o reconhecimento social e legal da profissão.
Pareceres do Conselho Federal de Medicina e outras entidades, como o CREMERJ e o Ministério da Saúde, reconhecem a psicanálise como um ofício legítimo, independente de regulamentações formais, sendo regulada por organismos informais como institutos e associações de psicanálise.
Esse reconhecimento, aliado à tradição e ao rigor na formação de novos psicanalistas, deveria ser suficiente para legitimar a prática da psicoterapia no Brasil sem a necessidade de regulamentação estatal.
Sobre o PLS 101/2018 e 174/2017, do Senador Telmário Motta
Para este projeto, acreditamos que não altera a prática dos psicanalistas formados ou em formação. O texto do PLS pode, inclusive, reforçar o caráter leigo da psicanálise, além de prever alternativas para quem não possui graduação em psicoterapia.
Desde 2000, vários projetos tentaram impor restrições ou regulamentar a psicanálise, todos sem sucesso, sendo a maioria proposta por parlamentares evangélicos. Esses projetos geralmente passaram por comissões, audiências públicas, mas acabaram arquivados ou nunca votados.
O PLS 101/2018, do senador Telmário Mota, pode enfrentar o mesmo destino, levantando a questão: seria realmente uma ameaça à psicanálise e à sua fundamentação teórica?
Clique aqui para ver como a votação pública rechaçou esta proposta, no site do Senado.
O projeto é desnecessário, pois altera muito pouco na prática da psicoterapia no Brasil. Ele introduz uma inovação ao propor a criação de uma graduação específica em psicanálise, algo inexistente no mundo. No entanto, o projeto não torna essa graduação obrigatória. Segundo o artigo 1º, item I, ela seria apenas uma possibilidade.
O projeto ainda permite que se torne psicanalista com graduação em qualquer área, desde que se faça um curso complementar de psicanálise (art. 1º, item II). Além disso, psicanalistas que já estão em atuação poderiam continuar trabalhando mesmo sem essa complementação (art. 1º, item III).
Portanto, os cursos livres de formação em psicanálise, como os que já existem no Brasil, continuariam válidos. A proposta anterior do mesmo senador (PL 174/2017), que incluía a psicanálise como “terapia naturista”, foi criticada por psicanalistas e psicólogos, levando à criação do novo projeto (PLS 101/2018), que reforça o caráter leigo da psicanálise.
Embora seja um passo burocrático, o projeto não modifica substancialmente a prática da psicoterapia privativa no Brasil ou no mundo.