Assunto central para entender o que é o narcisismo infantil e como é formada a auto estima infantil.

Autoestima Infantil: Uma visão da Psicanálise

Publicado em Publicado em Teoria Psicanalítica

Traremos neste texto uma Visão Psicanalítica sobre Autoestima e o narcisismo infantil.

Embora na comunidade de psicólogos, psiquiatras e outros especialistas da mente, não exista unanimidade sobre o que é exatamente a autoestima (Marcos, 2008), esta é amplamente definida como a imagem positiva ou negativa resultante da avaliação subjetiva que uma pessoa faz de si própria, que pode desencadear sentimentos de superioridade ou de inferioridade.

Outros, porém, definem a autoestima como o espelho que cada indivíduo tem pendurado nas paredes da própria mente.

Há ainda quem a defina como o valor pessoal que cada um atribui a si próprio. No entanto, se quisermos ser rigorosos, a autoestima não é mais do que uma escala de autossatisfação quanto ao próprio desempenho nas mais diversas áreas da identidade pessoal.

Pode igualmente ser entendida como uma mera interpretação dos dados fornecidos pelo autoconceito. Nesse sentido, a autoestima não é a forma como o sujeito avalia os seus pontos fortes e fracos e suas perspectivas futuras, mas sim a forma como se sente em relação à forma como se avalia.

Como se avalia é o autoconceito, sendo que a autoestima traduz a satisfação ou a insatisfação decorrente desta auto avaliação subjetiva.

Autoestima e autoconceito

Por outras palavras, autoconceito é a leitura que fazemos sobre a pessoa que somos, o que nos acontece e os resultados das nossas ações nos distintos papéis que desempenhamos na família e na sociedade, como homens e mulheres, pais, filhos, irmão, estudantes, profissionais, cidadãos, etc.

A autoestima, por conseguinte, é o resultado desta análise valorativa, que tende a desencadear sentimentos positivos ou negativos.

Por outro lado, a autoestima global indica a forma como o sujeito se sente na generalidade ou em relação à totalidade do seu ser. Ao passo que o autoconceito, quando não é global, continua a ser a avaliação parcial ou específica de uma determinada faceta da identidade global.

Neste sentido, uma pessoa pode ter um autoconceito profissional, bem como outros autoconceitos relativos às diversas áreas que compõem a sua identidade.

Autoimagem e autoestima infantil

O autoconceito global, por sua vez, é a avaliação geral de tudo o que a pessoa pensa que é, e a isto também podemos chamar de autoimagem global, pois reflete a totalidade das características que o indivíduo vê em si mesmo.

Neste sentido, a autoimagem não diz respeito apenas à forma como o indivíduo se vê fisicamente, mas também a forma como se interpreta e se define em qualquer área específica ou geral da sua própria identidade.

Por outras palavras, a autoimagem é a forma como nos vemos interna e externamente.

Esta abordagem também se baseia na essência dos termos. Em português, tal como em inglês, o termo ‘‘auto’’ ou self, tem a palavra ‘‘próprio’’ como sinónimo mais literal, e ‘‘estima’’ ou esteem, ‘‘consideração, apreciação, apreço, carinho, respeito e afeição’’, ao passo que ‘‘conceito’’ ou concept, significa ‘‘definição, noção, percepção, descrição e concepção’’.

Tendo em conta os sinónimos destas expressões, autoestima não deve de forma alguma ser entendida como autorretrato interior, ou como define a Weber State University: a opinião geral que um indivíduo tem sobre si mesmo e suas crenças sobre suas habilidades e limitações.

Narcisismo Infantil

O egocentrismo infantil não é uma manifestação precoce de autoestima, precisamente porque não se baseia em qualquer consciência de valor próprio. Qualquer noção de autoestima, baixa ou alta, é sempre precedida de uma elaborada consciência de si mesmo.

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No caso das crianças com menos de três anos, esta noção é praticamente inexistente, o que levanta a questão: com que idade é que a pessoa forma a sua autoestima?

Na minha pesquisa não encontrei um único académico que ousasse colocar esta questão, sob pena de responder com a precisão que ela suscita, exceto David Statt (1978), com base no pensamento de Jean Piaget.

No entanto, se não seguirmos à risca os critérios de precisão, será razoável afirmar que a autoestima se forma a partir dos três ou quatro anos, dependendo do desenvolvimento cognitivo de cada criança.

Nestas idades, fundamentalmente porque é onde se dá o desenvolvimento da linguagem, da memória e da autoconsciência.

E aqui podemos ir mais longe, afirmando que o ser humano não nasce racional, pois a pequena inteligência que demonstramos nos primeiros anos é incapaz de nos distinguir das outras espécies.

Instintos Primários e Racionalidade

Vários estudos já demonstraram que um bebé macaco de dois anos é muito mais inteligente do que um bebé humano da mesma idade.

O instinto primário, semelhante aos dos outros animais, acompanha-nos geralmente durante grande parte da primeira infância, e é precisamente este instinto o responsável pelo exagerado auto apego desta fase, que nos impede de ver o mundo para além de nós próprios, tornando-nos incapazes de amar genuinamente, o que explica bem o comportamento egocêntrico, tirano e chantagista, típico da infância.

Assim, a racionalidade decorre também da capacidade de conter os impulsos e de sentir empatia. Statt (1978) afirma que por volta dos três anos, a criança começa a tomar consciência de si própria. Ela é capaz de pensar em si mesma como um objeto distinto, embora esta noção de si como pessoa seja rudimentar, tendo dificuldade de discriminar os seus próprios processos internos do resto do ambiente.

O Uso dos Pronomes e o Auto Reconhecimento

Quando começa a falar, a criança também sente dificuldade em usar os pronomes pessoais. Assim, somente por volta dos dois ou três anos a criança é capaz de começar as frases com o pronome ‘‘eu’’, mas não de maneira consistente.

Ouve as pessoas a falarem de objetos como mesa, brinquedo e bola; aprende a usar estes termos de maneira correta.

Ouve por exemplo as pessoas a se referirem a si próprias como ‘‘você’’ e ‘‘George’’, podendo então referir-se a si própria de ambas as maneiras.

E ao mesmo tempo aprende a externalizar os seus desejos e intenções usando o pronome ‘‘eu’’ como vê os outros a fazerem (Statt, 1978).

O Desenvolvimento da Autoestima Infantil 

Se pensarmos no comportamento de duas crianças de quatro anos num jardim de infância, em que:

  • uma é frequentemente elogiada pela sua aparência ou inteligência, e a outra é duramente ridicularizada em comparação, verificaremos que a primeira tenderá a orgulhar-se de si própria e estará sempre ávida em exibir os seus pontos fortes;
  • outra, por outro lado, consciente da agressão verbal de que é vítima, tenderá a retrair-se, desenvolvendo um enorme complexo de inferioridade, que a impedirá de se destacar perante outras pessoas, sejam elas adultas ou crianças.

Contudo, se expormos duas crianças de um ou dois anos à mesma situação, verificaremos que tanto os elogios como os insultos não terão o impacto devido no seu comportamento, por conta da incapacidade de interpretar a linguagem.

Carl Rogers, um dos fundadores da abordagem terapêutica positiva, defendeu que a autoestima começa a desenvolver-se durante a infância, no seio da família, pelo que acreditava que os pais que oferecem amor e consideração incondicionais têm maior probabilidade de promover uma autoestima saudável.

Contudo, a evidência empírica mostra que qualquer consideração incondicional de afeto, desprovida de limites, pode dar origem ao transtorno de  personalidade narcisista, que compromete a autoridade parental e tende a perdurar por toda a vida adulta.

Amor-próprio e autoestima infantil

Embora o amor-próprio seja consistente e a autoestima algo instável, existe uma forte interdependência entre ambos os sentimentos, pois a partir de uma certa idade, a bondade com que uma pessoa se trata é fortemente influenciada pelo seu orgulho em ser quem é.

Assim, vale reforçar que nesta correlação o autoconceito é a maneira como o indivíduo se vê; a autoestima é a forma como o indivíduo se sente em relação à forma como se vê, e o amor-próprio é a forma como se trata dependendo de como se sente.

Autoestima infantil e família

Enquanto um bom número de teóricos da psicologia entende a autoestima como consequência de alguma disfunção familiar, da pobreza ou de algum problema na interação social, Virgina Satir (1916-1988), conhecida como a mãe da terapia familiar, via a autoestima não como um resultado, mas como uma das principais causas das disfunções familiares.

Do seu ponto de vista, a baixa autoestima pode fazer com que os membros de uma família substituam as suas verdadeiras identidades por outros papéis.

  • Acusador: o que vê erros constantemente e se dedica a criticar);
  • Calculista: o intelectual pouco afetuoso;
  • O que distrai: aquele que confunde as coisas para desviar a atenção das questões emocionais;
  • Conciliador: o complacente que fica bem com todo;
  • Nivelador: comunicador honrado, aberto e direto.

No entanto, a baixa autoestima tem consequências nefastas para qualquer tipo de relação. E em rigor, a nível familiar, a baixa autoestima é mais um efeito do que uma causa, pois na maioria dos casos é o resultado da qualidade do ambiente doméstico.

Referências:

  • Weber State University. Self-Esteem. Disponível em https://www.weber.edu/counselingcenter/self-esteem.html
  • American Psychological Association (2020). APA Dictionary of Psychology. Disponível em https://dictionary.apa.org/social-comparison-theory
  • Cambridge University Press (2020). Self-knowledge. Disponível em https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/self-knowledge
  • Krauss, S. Orth, U. Robins, R. (2021). Family Environment and Self-Esteem Development: A Longitudinal Study from Age 10 to 16. National Library of Medicine.
  • Disponível em https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC7080605/ Dorling Kindersley Limited. (2012). O livro de psicologia. Lisboa
  • Statt, D. (1978). Introdução à psicologia. S. Paulo. Harbra
  • Marcos, R. ( 2008). Autoestima: a nossa força interior. Lisboa. Plátano

Manuel Marques Carlos é um escritor e ensaísta angolano, tem quatro livros publicados, e escreve artigos de opinião na imprensa angolana, brasileira e portuguesa. Atualmente vive em Cape Town, África do Sul.

1 thoughts on “Autoestima Infantil: Uma visão da Psicanálise

  1. Augusto Thurler disse:

    Excelente matéria, e altamente esclarecedora para quem levou da cidade m crianças em escolas e igrejas…
    Adorei o conteúdo!!!

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