Burnout é expressão do mal-estar na cultura contemporânea. A psicanálise revela suas raízes inconscientes e caminhos de cuidado.

O Burnout e Cultura Contemporânea: Raízes e Tensões Inconscientes

Publicado em Publicado em Psicanálise e Saúde

Neste artigo, analisamos como fenômeno o burnout sob a perspectiva da psicanálise, considerando as pressões da cultura contemporânea como fator central na constituição do sofrimento psíquico. Exploramos como as exigências externas e a desconexão com o desejo inconsciente contribuem para o esgotamento emocional e a alienação subjetiva.

Nota Editorial: Este artigo é fruto de uma monografia de conclusão do Curso de Formação em Psicanálise. Para facilitar a absorção do conteúdo pelo leitor, a introdução original foi resumida e o texto completo foi dividido em duas partes. Esta é a primeira parte, e a segunda — intitulada Burnout e Cultura Contemporânea: Como a Psicanálise Explica o Esgotamento Psíquico — será publicada na mesma data. Ambas abordam um tema atual e relevante, e mantêm integralmente o conteúdo elaborado pela autora.

Introdução

Discutimos aqui o burnout como uma manifestação do conflito entre o desejo inconsciente do sujeito e as exigências da cultura contemporânea. Consideramos que o esgotamento não se resume a uma síndrome ocupacional, mas reflete tensões psíquicas profundas geradas pela internalização de ideais de produtividade, desempenho e sucesso.

A abordagem psicanalítica permite compreender o burnout para além da exaustão emocional, lançando luz sobre mecanismos inconscientes, como o funcionamento do supereu, o ideal do eu, a pulsão de morte e o apagamento do desejo. Através dessa lente, buscamos também pensar em caminhos de cuidado mais subjetivos e humanizados.

O Burnout e Cultura Contemporânea

O burnout, enquanto fenômeno psicológico, é uma condição que ultrapassa as fronteiras do simples esgotamento físico e mental relacionado ao trabalho. Ele se insere de maneira complexa na dinâmica da sociedade contemporânea, marcada por uma série de fatores socioculturais que intensificam suas manifestações.

Nesse contexto, a psicanálise, ao lado de outras abordagens psicológicas, oferece um olhar profundo sobre os processos inconscientes que sustentam o burnout. Não se trata apenas de um desgaste devido à sobrecarga de exigências externas, mas de um sintoma de alienação do sujeito em relação ao seu próprio desejo e à sua identidade.

A etimologia da palavra burnout é reveladora. O termo é formado pela junção das palavras “burn” (queimar) e “out” (fora), que, juntos, evocam a ideia de um “queimamento completo” do indivíduo. Esse processo não é apenas físico, mas também psíquico. Refere-se ao esgotamento progressivo de um sujeito frente a demandas externas que não encontram ressonância no seu mundo interno.

Como fenômeno, o burnout é, portanto, um reflexo da incapacidade do indivíduo de lidar com a pressão contínua e insustentável que a sociedade moderna impõe, especialmente no contexto do ambiente de trabalho.

Em sua definição clássica, Maslach e Leiter (2016) descrevem o burnout como um desgaste emocional profundo, associado ao distanciamento das responsabilidades, e à sensação de ineficácia, de impotência diante das exigências do ambiente.

O burnout: Histórico e ampliação do conceito

O primeiro uso do termo foi atribuído a Herbert Freudenberger, na década de 1970, ao observar a exaustão de profissionais de saúde, mas desde então o conceito se expandiu para abarcar diversas áreas da vida profissional e pessoal.

Nos últimos anos, o aumento exponencial de casos de burnout, especialmente em países como Brasil e Japão, reflete as profundas transformações do trabalho na era neoliberal. O trabalho, que antes era considerado um meio de subsistência, tornou-se uma parte essencial da identidade do indivíduo, e suas falhas são interpretadas não apenas como um erro, mas como uma falha moral ou existencial.

Na sociedade neoliberal, as exigências externas relacionadas ao trabalho são extremamente intensas. Existe uma cobrança incessante por produtividade, eficiência e resultados, muitas vezes ignorando as limitações físicas e emocionais dos indivíduos. No entanto, essa sobrecarga de exigências externas não pode ser compreendida sem a consideração dos aspectos psíquicos internos que, em boa parte, são inconscientes.

O supereu e o sofrimento psíquico silencioso

Aqui, a psicanálise oferece uma contribuição essencial, ao mostrar como o supereu, enquanto instância psíquica que internaliza as normas e exigências sociais, opera como um fator crucial no desenvolvimento do burnout.

O supereu é o sistema psíquico responsável pela internalização dos valores, normas e expectativas sociais, funcionando como uma espécie de “censor” moral. De acordo com Freud (1923), o supereu se forma a partir das experiências e interações sociais, especialmente durante a infância, e funciona para regular os impulsos e comportamentos do indivíduo.

No contexto do burnout, o supereu torna-se um fator de pressão interna constante. As exigências do trabalho, a necessidade de ser produtivo, de agradar ao outro e de alcançar um ideal de sucesso, são internalizadas pelo sujeito e transformam-se em expectativas esmagadoras, que o indivíduo se sente incapaz de atender de maneira satisfatória.

Essas pressões internas, alimentadas por uma sociedade que valoriza a eficiência a qualquer custo, fazem com que o indivíduo se sinta constantemente insatisfeito com sua produção e, muitas vezes, com sua própria identidade.

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O supereu, nesse caso, não apenas reforça a necessidade de atender às expectativas externas, mas também faz com que o indivíduo se sinta culpado ou insuficiente quando não consegue atingir esses padrões.

Neoliberalismo e o esvaziamento do desejo

Esse é o cerne do fenômeno do burnout: uma desconexão entre as exigências externas e os limites internos do sujeito, que, por não conseguir atender a essas exigências, começa a sentir um esgotamento profundo, tanto físico quanto emocional.

Esse esgotamento não é apenas resultado da exaustão física, mas do impacto psicossocial de tentar ser alguém que o sujeito não é, ou não pode ser, para atender às demandas de um sistema que não considera suas necessidades e limites.

Ao considerar o burnout no contexto psicanalítico, é necessário entender a dinâmica do desamparo (Freud, 1917). O burnout pode ser visto como uma manifestação dessa sensação de impotência frente a demandas externas inatingíveis.

Nesse caso, o sujeito se vê preso em um ciclo vicioso: a pressão do supereu e das expectativas sociais leva à superação constante de seus limites, enquanto o corpo e a psique não conseguem acompanhar esse ritmo.

Alienação e identidade em crise

De acordo com Laing (1967), a alienação do sujeito em relação a si mesmo é um processo psicológico que ocorre quando o indivíduo é forçado a se adaptar a normas externas, em detrimento de suas necessidades e desejos genuínos.

No caso do burnout, esse processo de alienação se reflete na desconexão do indivíduo com sua própria subjetividade, pois ele se vê impelido a se adequar a um modelo de sucesso que não corresponde à sua essência.

Além disso, o burnout não se limita à esfera profissional. Ele se estende para o campo pessoal, refletindo um esgotamento que pode afetar diversas áreas da vida do indivíduo, como os relacionamentos, a saúde física e emocional, e a percepção de si mesmo. A sociedade contemporânea, com seu culto à produtividade e ao sucesso, gera uma pressão constante que leva o sujeito a se identificar apenas pelo que faz, e não pelo que é.

Nesse sentido, o burnout pode ser interpretado como um grito de alerta da psique, que não suporta mais a pressão de atender a um ideal que o indivíduo não consegue alcançar. A psicanálise, ao considerar o papel do supereu e das dinâmicas inconscientes que regem o sujeito, oferece uma chave interpretativa essencial para compreender as origens desse sofrimento.

Este artigo foi escrito por Michelle Mariana Gomes do Nascimento, exclusivamente para o blog Psicanálise Clínica.

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