Descubra como as entrevistas preliminares estruturam o processo analítico e influenciam o início da transferência na psicanálise.

Entrevistas Preliminares na Psicanálise: Bastidores do Processo Analítico

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Neste artigo, exploramos o papel das entrevistas preliminares no processo analítico, destacando sua importância para o estabelecimento da transferência analítica e da livre associação. A partir da perspectiva freudiana e lacaniana, revelamos como essa etapa inicial pode definir os rumos da análise e a decisão do analista quanto à continuidade do tratamento.

Visão comum sobre o processo analítico

O processo terapêutico pelo senso comum das pessoas é bem mais simplificado do que realmente é. Para elas, o processo não tem muitas divisões e conceitos, pois partem da necessidade que têm, procuram uma clínica ou profissional, iniciam um processo de análise que dura até o dia em que recebem alta ou param por conta própria.

As pessoas acreditam que desde o primeiro dia que entraram no consultório do analista ou da primeira consulta online elas já estão em análise. No atendimento presencial, tem o fato curioso do consultório ter uma poltrona/cadeira e ter um divã/sofá, mas isso passa despercebido no início na visão do paciente. Ele nem sonha que há alguma diferença entre estar sentado em um ou outro.

A complexidade do processo analítico freudiano

A verdade é que os bastidores do processo de análise com base nas teorias freudianas são mais complexos do que o paciente imagina.

Ele é subdividido em tratamento de ensaio ou entrevistas preliminares — termo usado mais tarde por Lacan, o qual escolhemos utilizar neste trabalho —, meio do tratamento, que é o tratamento propriamente dito, e fim do tratamento com a sua ideia de alta e cura. Neste trabalho, iremos nos ater apenas ao tratamento de ensaio ou entrevistas preliminares, como preferimos chamar.

Como dito no início do texto, para o paciente ele já está em análise desde o primeiro dia de contato com o analista. Porém, na verdade, essa primeira etapa, que pode durar apenas uma sessão ou algumas sessões ou até meses, é considerada dentro do processo analítico como entrevistas preliminares. Para o analista, o início do tratamento somente se dá após o final das entrevistas preliminares.

O papel decisivo das entrevistas preliminares

As entrevistas preliminares são decisivas para o analista decidir se aceitará o objeto de análise ou não. Isso mesmo, o caso do paciente está previamente sendo entendido e estudado pelo analista para saber se irá aceitá-lo ou não.

É neste período que o analista formulará uma hipótese terapêutica, ao tempo em que o analisando se identificará (ou não) com o profissional que está lhe acompanhando e se sentirá seguro para realizar a livre associação no seu discurso.

Nesta etapa, o analista busca mais escutar o analisando, deixando-o falar livremente. Não há interpretação da fala do paciente, pois o objetivo é identificar a questão diagnóstica e criar uma hipótese sobre a estrutura psíquica do sujeito, se tem a ver com neurose, psicose ou perversão.

Em outras palavras, o paciente chegará com sua questão, sintoma, e não com uma questão de análise já pronta. Este sintoma representa uma demanda de cura e será o ponto de partida da entrevista.

A transferência como condição para o processo

Cabe salientar que o êxito da entrevista preliminar se converter em tratamento propriamente dito é uma via de mão dupla, muito baseada nos primeiros contatos entre analista e analisando. O analista usará como significante a demanda/sintoma do paciente, enquanto que o analisando usará o significante de que o analista é uma autoridade e resolverá seu problema, sua dor, pois acredita que ele tem um notório saber — conceito este definido por Lacan como “sujeito suposto-saber” — e isso é fundamental para a criação do par analítico e estabelecimento da transferência analítica entre eles.

Mas esse significante pode ser na direção oposta, e o analisando internalizar que o analista não o ajudará em nada e, assim, não haverá o estabelecimento da relação transferencial.

O analisando como centro do processo

A demanda de cura de um sintoma leva o analisando ao papel de sintoma analítico, o que Freud chamava de retificação subjetiva. É a partir dele que se constitui o objeto da análise e há o estabelecimento de vínculo entre analista e analisando, que é o que conhecemos como transferência. O trabalho do analista, a partir de então, será conduzir o analisando a desvendar seu próprio enigma.

O analisando será o que traz os insumos para a análise através da sua livre associação, buscando correlacionar os sentimentos, acontecimentos, traumas, etc., ao mesmo tempo em que ele próprio será o objeto (enigma) a ser interpretado e desvendado. Isso é conhecido como “histericização do discurso”, que representa uma divisão simbólica do indivíduo em duas partes, conforme já descrito acima.

Limites do analista e o poder de decisão

No decorrer das entrevistas preliminares, o analista identificará, como já foi dito, o sintoma analítico, criará a hipótese de estrutura psíquica do analisando e se auto avaliará, decidindo se está apto ou não para aceitá-lo ou se há risco de surto — quando for uma estrutura psicótica, por exemplo — que possa estar além do que ele consegue lidar, evitando assim uma responsabilização futura.

Dito isto, o analista pode sim recusar uma análise após perceber risco iminente de surto ou sua inaptidão para lidar com o caso que lhe foi apresentado. Geralmente, o analista só consegue lidar com casos que ele mesmo já tenha trabalhado, estudado em si próprio na sua análise pessoal, sendo que casos mais avançados que seus próprios estudos geram a sua inaptidão.

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Por isso é de grande importância o analista, durante o exercício da profissão, continuar em análise pessoal, continuar estudando, buscar grupos de psicanalistas para troca de conhecimento — através de associações, instituições, etc. — e ter a supervisão para os casos que acompanha. Tudo isso lhe trará mais experiência e assertividade na condução dos seus casos clínicos.

O divã como marco simbólico

Esta é a cereja do bolo! Lembra que no início do texto falamos que existe no consultório uma poltrona/cadeira e um divã/sofá? Pois bem, um sinal para os leigos de que a entrevista preliminar foi vencida e o tratamento começou propriamente dito é o upgrade do paciente poder usar o divã.

Geralmente, isso ocorre em algum dia aparentemente “aleatório”, no qual o analista convida, oferece o divã ao paciente. Daí para frente, é opção dele deitar no divã ou não.

É bastante interessante conhecer os bastidores do processo analítico, a sua estrutura e divisão, mas cabe ressaltar que não há relevância ao paciente saber desta parte técnica estrutural e conceitual, tampouco de que nas entrevistas preliminares ele pode ter sua demanda recusada e ter de ir procurar outro analista ou até psiquiatra, a depender do caso.

Conclusão sobre as entrevistas preliminares

Em suma, o potencial sucesso do tratamento analítico será decorrente de uma entrevista preliminar bem-sucedida e do estabelecimento de vínculo, de transferência do par analítico, da implicação do analisando em seu sintoma e ele passar a ser seu principal questionador, investigador com a condução responsável do analista.

Valeska Frota, terapeuta Floral, especialista em pessoas e psicologia positiva. Atua em Salvador e em todo Brasil de forma online. Estudante de Psicanálise Clínica. Contatos: bio.site/valeskafrotaterapeuta; [email protected]

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