A hipnose clínica ainda é cercada por mitos e desconfianças, mas tem se revelado uma via potente de acesso à mente inconsciente. Neste texto, exploramos como a imaginação simbólica, aliada a uma escuta sensível e profunda, pode transformar a relação com os sintomas e abrir espaço para processos reais de cura.
A partir do encontro entre um psicanalista e um hipnoterapeuta, acompanhamos reflexões e experiências que desafiam fronteiras teóricas e convidam a um novo olhar sobre o inconsciente.
O encontro inicial com a hipnose
Neste artigo, investigamos as possibilidades terapêuticas da hipnose quando integrada à escuta psicanalítica. A questão central que orienta esta reflexão é: seria possível estabelecer um diálogo clínico entre duas linguagens do inconsciente, a fala e o transe?
Quando o Dr. Bonatti, Psicanalista Clínico, entrou pela primeira vez no consultório do Professor Luciano Furtado Sampaio, notável Hipnoterapeuta de fama internacional, estava desconfiado, porque não acreditava que algo tão “misterioso” quanto a hipnose pudesse ajudá-lo a entender melhor os casos dos seus pacientes onde tantos outros métodos falharam.
Sentou-se na poltrona com os braços cruzados, o olhar inquieto percorrendo o ambiente para cima e para baixo. Observava cada detalhe, os livros na estante, um som suave de água no fundo da sala, a iluminação sutil, como se procurasse pistas de uma possível armadilha.
— “Vamos ver se isso funciona mesmo…” — murmurou, mais para si do que para seu interlocutor.
Num cantinho da sala, posicionada sobre uma pequena estante de madeira escura, havia a escultura de uma águia imperial. O Dr. Bonatti a observou por um instante, intrigado, mas antes que pudesse perguntar, o Professor Luciano adiantou-se:
— “Ela é o símbolo da visão que vai além” — exclamou com seriedade. “A águia consegue enxergar de longe, enquanto os outros ficam na cegueira do imediato, do raso, dos sintomas…”
A metáfora da visão ampliada
O Dr. Bonatti inclinou a cabeça, agora mais curioso do que desconfiado.
— “Interessante metáfora — mas o que exatamente ela representa aqui, no seu consultório?”
O professor Luciano sorriu de leve e disse: “Ela me lembra que o que parece demasiado confuso ou muito simples quando observado de perto, às vezes se revela quando olhamos de longe, desde às alturas.
Assim como na hipnose: não é fuga, é elevação da percepção. É a percepção das alturas que penetra no fundo da existência. Uma chance de ver por outros ângulos, fora da neblina das defesas conscientes, além da cortina das mistificações e da resistência das couraças corporais.”
No entanto, a águia imperial parecia vigiar cada movimento e, do alto de sua liberdade, enxergava o peso dos preconceitos moldados pela rigidez da formação tradicional, pelo receio de abrir mão do conhecido ou por simples medo de descobrir algo que mexesse com suas próprias convicções e crenças.
Na verdade, muitas terapias carregam anos de frustrações, tentativas interrompidas, diagnósticos que pouco diziam sobre a dor real dos pacientes, sobre a causa primária, apenas tentavam tapar o sol com a peneira e aliviar os sintomas com água e açúcar.
A hipnose como mergulho na verdade interna
Havia um turbilhão de emoções: por dentro, uma parte dele desejava que funcionasse, mas outra, talvez a mais barulhenta, estava pronta para provar o contrário.
— “E se meus olhos fossem hipnotizados por aquela águia… como eu poderia enxergar a verdade?” — perguntou ele com a voz mais baixa, quase como se falasse consigo mesmo.
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O Professor Luciano não respondeu de imediato. Levantou-se, caminhou até a pequena escultura da águia imperial, passou os dedos suavemente pela base de madeira e para as asas e então voltou o olhar para o colega diante dele e disse:
— “Talvez a verdade não esteja nos olhos, mas por trás deles — no lugar silencioso de onde o olhar nasce” — disse com calma. “A hipnose, meu querido, não é um pisca-pisca, um fechar e abrir de olhos, nem a oscilação de um pêndulo na mão de um feiticeiro. É aprender a ver por dentro, é mergulhar no fundo do inconsciente.”
Foi naquele exato momento quando o Professor Luciano lhe falou com calma e sabedoria, sem prometer curas mágicas, apenas escuta, presença e investigação profunda, que algo dentro dele começou, ainda que lentamente, a baixar a guarda.
O Dr. Bonatti respirou fundo. Pela primeira vez desde que entrou no consultório, descruzou os braços.
— “Vamos tentar, então. Ver o que ainda não vi. Ver o que tem por trás dos olhos!”
— “Que assim seja!” — declarou o professor Luciano, com firmeza. “Mas lembre-se: ninguém o conduzirá pela mão — você será apenas convidado a enxergar o caminho, a via maestra que sempre esteve aí, à sua espera.”
Ainda com o coração apertado e a mente carregada de dúvidas. “Será que isso funciona mesmo ou é uma perda de tempo?” repetiu mais uma vez para si mesmo.
Abertura à escuta e ao novo
De fato, não bastaram algumas horas de sessões para perder a desconfiança, mas foram necessários doze longos meses de encontros semanais para perceber que algo extraordinário estava prestes a acontecer, algo que não negava a Psicanálise Clínica, mas que, talvez, viesse completá-la de forma inesperada.
Se você ficou interessado, continue a leitura e descubra o que há por trás da dor, das feridas e dos traumas que a maioria dos pacientes carrega esculpidos no peito, marcas que os acompanham, sem que saibam a causa, como uma sombra, como uma cicatriz invisível que atravessa a existência inteira.
E, se por acaso, você estiver entre os cegos que não enxergam nenhuma verdade, ou entre os ortodoxos que enxergam apenas ‘A Verdade’, talvez hoje seja o dia de abrir a mente, o coração e, sobretudo, as asas, antes de alçar voo rumo às alturas livres e desprendidas da águia e do conhecimento.
O que é hipnose?
Segundo o Professor Luciano: “A hipnose clínica é uma ciência hermenêutica, voltada à interpretação da mente, com o objetivo de libertar o indivíduo dos traumas inconscientes.
Sua importância reside na possibilidade de acesso direto ao inconsciente, por meio da regressão, alcançando as causas profundas dos sintomas vivenciados.
Ao identificar essas causas, promove-se a resignificação, eliminam-se os sintomas e abre-se caminho para a cura e a reprogramação mental.”
O primeiro segredo da hipnose clínica
O Dr. Bonatti ficou pensativo tentando imaginar qual era o segredo que se escondia por trás de tudo aquilo.
— “Qual é o segredo da hipnose clínica, capaz de transformar o sofrimento humano?” — perguntou.
O professor Luciano ficou em silêncio por alguns segundos e, com um olhar que parecia atravessar o tempo, respondeu:
— “O inconsciente não faz distinção entre a realidade e a imaginação. A imaginação é real no inconsciente e, sendo real, é capaz de possibilitar mudanças na mente — Isto quer dizer que o poder da imaginação simbólica é superior à própria vontade”, sussurrou o Professor Luciano com a calma de quem guarda um segredo antigo, como quem protege o lugar onde o tesouro está enterrado.”
Portanto, “o inconsciente tem mais poder sobre nós que o consciente. Ora, se a mente inconsciente tem tanto poder, pode ressignificar ou reprogramar traumas e viabilizar a cura.”
A mente inconsciente opera essencialmente por meio de imagens, sugestões, símbolos e sonhos. Por isso, ‘metaforizar é essencial’: trata-se de um modo de comunicação e de empatia com a linguagem do inconsciente.
Segundo Jacques Lacan, renomado psicanalista francês contemporâneo:
— “O inconsciente é estruturado como uma linguagem.”
A imaginação simbólica e a cura emocional
O Professor Luciano balançou a cabeça, e acrescentou: — “A imaginação é real no inconsciente e tem o poder de transformar a realidade. De reverter realidades doentias na pessoa em saúde. E quando há mudança na mente, há mudança na vida real.”
Os olhos do Professor Luciano começaram a brilhar ao recordar o caso de uma paciente, que deixou marcas em sua memória afetiva:
— “Certa vez, hipnotizei uma jovem com depressão profunda. Sua mãe havia falecido no parto, e ela jamais havia mamado — nem na mãe, nem em outra mulher. Sugeri então uma regressão ao útero materno, para que pudesse reviver o nascimento, sendo acolhida com amor por sua mãe e amamentada por ela.
Sob hipnose, ela não acessou a dor da perda, mas, ao contrário, viveu intensamente a carência do ato de mamar e do afeto materno como algo real.
Algum tempo depois, descreveu com detalhes o prazer de ser amamentada — o gosto do leite, o calor, o vínculo — e disse que isso preencheu o vazio afetivo e oral deixado no primeiro ano de vida. O resultado? A depressão desapareceu por completo. Foi o que ela mesma me relatou posteriormente.”
A potência do inconsciente redescoberta
Foi naquele momento que algo disparou em meu coração, um som antigo, há muito esquecido, como o eco de uma porta se abrindo entre as ruínas de algo tido como morto: assim é a hipnose para muitos, uma relíquia enterrada no tempo.
Mas, como no Vale dos Templos de Karnak, no Baixo Egito, ou na silenciosa Acrópole de Machu Picchu, no Alto Peru, o que parecia esquecido revela uma força viva, intacta, à espera de alguém para ser redescoberta e desenterrada da história.
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Marco Bonatti é escritor e Doutor (PhD) em Psicologia Social – Universidad Kennedy (UK), de Buenos Aires. Pós graduação em Relações Internacionais na Universidad Autónoma de Valencia, España. É Analista Reichiano do Corpo e do Caráter (IBRACS), Psicanalista Clínico (IBPC), Hipnoterapeuta (NAVE) e colunista do IBPC (Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica), em São Paulo. WhatsApp: +55 (85) 99426-3190 / E-mail: [email protected] / Telegram: @DrMarcoBonatti
Luciano Furtado Sampaio é Psicanalista Clínico e Hipnoterapeuta. Licenciado em Teologia e Mestre em Filosofia (UFMG). Professor de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (UECE), professor da Sociedade Contemporânea de Psicanálise (SCOPSI) e membro do Comitê de Ética. Presidente do Núcleo de Apoio à Vida em Expansão (NAVE) e da Sociedade de Hipnose do Estado do Ceará (SHC). WhatsApp: +55 (85) 9972-6153 / E-mail: [email protected] / Instagram: @lucianosampaiohipnologo / Site: www.lucianosampaio.com.br