Investigação clínica na psicanálise: reflexões sobre o filme "A Última Sessão de Freud" e o vínculo terapêutico além do divã.

Investigação Clínica na Psicanálise: Reflexões sobre o filme “A Última Sessão de Freud”

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Neste artigo, exploramos como a investigação clínica na psicanálise se manifesta dentro e fora do setting analítico, tomando como ponto de partida o filme A Última Sessão de Freud. A análise propõe reflexões sobre o vínculo terapêutico, a neutralidade analítica e as possibilidades de ressignificação em cenários não tradicionais.

A investigação clínica e o “Toque de Midas”

Teria a Psicanálise o “Toque de Midas”? Pois tudo o que “toca” no sentido de investigação, na maioria das vezes, é constatável e verdadeiro.

No sentido de que a desconfiança do observador se torna verdade. Talvez, pistas para essa resposta possam ser achadas nos resultados clínicos e pesquisas em que, terapeutas e pesquisadores não apenas dão “forma”, mas também, um sentido a esses achados.

Assim como Freud o fez em suas clínicas: ora porque desconfiou, ora por “acaso”. É vero que em um primeiro momento, no percurso da investigação clínica, muito há de se perguntar e analisar para depois, então, se constatar (se é que podemos dimensionar a mente humana).

É claro que é desejável se alcançar (por assim dizer) o “Toque de Midas” em todos os settings analíticos. Mas pelo fato da clínica psicanalítica ser um espaço de reflexão, descobertas e redescobertas, tudo feito com a maior neutralidade possível e sem julgamentos, dá-se margem à muitas linhas de investigação com o analisando. Não se encontra o “Verdadeiro” de imediato.

Investigação clínica e representações no cinema

Uma dessas linhas de investigação analítica pode ser observada no filme “A Última Sessão de Freud”, onde, apesar das duras críticas do filme não ter se posicionado de forma a mostrar uma sessão analítica nos moldes tradicionais à época de Sigmund Freud.

Podemos observar na discussão entre Lewis e Freud sobre a existência ou não de Deus, um vínculo terapêutico no sentido de “Eu e o Outro”: conversas árduas, sujeito a sujeito, humores acalorados, nenhuma das partes cede e não há nenhum tipo de consenso.

No entanto, o enredo do filme deixa muitas ilações para o público a respeito dessas posições assumidas num setting analítico entre analista e analisando.

De acordo com o que podemos ver nas cenas do filme (agora deixando a crítica cinematográfica de lado), Freud, vai aos poucos, introduzindo sua forma de escuta inicial dando espaço para Lewis fazer suas associações e assim, transcorrer a clínica.

Sim, é verdade que não houve um encerramento clínico para as questões internas de Lewis, porém, na dinâmica investigativa “Eu e o Outro” abordada na forma de Freud (e aqui, a fidedignidade é creditável simplesmente porque estamos falando da atuação de Anthony Hopkins no papel de Sigmund Freud).

Mesmo que à duras oposições conseguimos ver que Lewis vai revelando questões sobre sua infância, seu relacionamento, traumas da guerra e outros. E tudo vai sendo interpretado por Freud e devolvido para Lewis em suas ressignificações.

Técnica psicanalítica e desvios do setting tradicional

Voltando à pergunta do início, a Psicanálise não pode abarcar tudo, mas quase tudo daquilo que se desconfia é desvendado e alinhavado para que se torne um objeto de estudo. E essas linhas de investigação clínica são apenas meios para constatar algo que se já tinha.

É necessário um caminho elucidativo para o objeto de investigação em questão. Para tanto, lança-se mão de técnicas vinculativas no setting que servem de aproximação para com o analisando.

E essa dinâmica não ocorre apenas entre analista/analisando, mas também, observador/problema social, observador/comportamento das massas, observador/tendências mentais, entre outros. Do que se pôde perceber no filme, Lewis e Freud não se complementam na maior parte da obra. No entanto, há um momento em que os dois se encontram buscando abrigo numa igreja local após as sirenes da guerra tocarem.

Nesse instante, Lewis relembra seus horrores da Primeira Guerra Mundial, o que o faz ficar fora da realidade por alguns momentos. E é ali que Freud segue a linha de investigação “Eu Sou o Outro” intervindo no trauma de Lewis e trazendo-o de volta a realidade.

Vínculo terapêutico e ressignificações fora do consultório

Podemos inferir que Freud compartilhou o olhar de Lewis, temeu e sentiu assim como ele. Tanto que, mais à frente no filme, Freud diz: “você não me disse que participou da guerra, você me mostrou que esteve na guerra”.

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O curioso aqui é que nenhum dos dois se encontram num setting analítico tradicional. Eles estão correndo pelos corredores da igreja em meio à multidão para se abrigar. Mesmo assim a técnica psicanalítica é direcionada com êxito, no chão e fora do divã.

Mesmo apesar de tudo: setting analítico a “céu aberto”, embates acalorados e a falta de um Contrato Psicanalítico, podemos perceber também que Lewis sai da casa de Freud, um tanto pensativo e reflexivo. E é claro, como dito anteriormente, não temos a etapa de resolução e encerramento, pois, Lewis pega o trem e volta para sua casa e, algumas semanas depois Freud vem a falecer.

A clínica psicanalítica na atualidade

Um outro exemplo de um modo não tradicional de clínica psicanalítica, é o modo online, pois, nos dias atuais a distância e o tempo têm se tornado grandes obstáculos para aqueles pacientes que almejam o tratamento.

Afinal, a clínica psicanalítica está entre quatro paredes, em um diálogo franco, ou em cada um de nós? Uma coisa é certa: quando a psicanálise é bem elaborada sempre trará melhores insights, ajudando os indivíduos a compreenderem melhor suas emoções, instigando-os e capacitando-os a realizarem mudanças em suas vidas (talvez, até mesmo profundas), trazendo frutos positivos, mesmo que num breve momento clínico de reflexão.

Referências:

Psicanálise Clínica: Clínica Psicanalítica, Módulo 9.
NEVES, Daniel. Rei Midas. 2023. Disponível em: https://www.historiadomundo.com.br/grega/mito-do-rei-midas.htm Acesso: 26/10/24.
BROWN, Matthew. Filme: A Última Sessão de Freud. Com Anthony Hopkins e Matthew Goode. Duração: 108 min. Data: 02/10/24.

Texto escrito por Daniel Silva, Professor de Matemática e Biologia. Pós graduado em Docência e Prática de Ensino em Matemática pela Faculdade Digital Descomplica e Licenciado em Matemática pela UNIRIO. Email para contato: [email protected]

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