Processo de Autoconhecimento: da filosofia à psicanálise

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Nem todas as pessoas sabem o que é o processo de autoconhecimento. Por isso, neste artigo, falaremos sobre este assunto. Ainda, a partir das perspectivas da filosofia e da psicanálise. Então, confira!

Por que conhecer sobre o processo de autoconhecimento?

A necessidade do autoconhecimento, ou seja, o “conhece a ti mesmo”, visa favorecer a tomada de consciência. Assim, compreendemos melhor os sentimentos e as ações que pautam a vivência. Ademais, as nossas relações afetivas com os outros.

Nesse sentido, o processo de autoconhecimento coloca o indivíduo diante de si mesmo. Logo, há o estímulo de uma nova forma de ver a si e o mundo. Sendo assim, descobre-se que, além da percepção externa dos sentidos, existe também a percepção interna. Assim, esta vital para o despertar de conhecimento.

Dessa forma, acredita-se que uma pessoa pode torna-se melhor. Isto é, ser uma melhor versão de si mesmo. Logo, as relações mudam e as pessoas convivem melhor entre si.

Portanto, é necessário compreender melhor sobre o processo de autoconhecimento. Por isso, traremos dois campos, a filosofia e a psicanálise.

O que é processo de autoconhecimento sob a visão da filosofia?

Antes das psicoterapias, a filosofia se ocupava dos assuntos da mente humana. Desse modo, a Psicologia se baseia em teorias filosóficas. Isso porque, ao longo da História da humanidade percebe a importância do autoconhecimento para uma vida mais plena.

Então, o que seria esse processo para a filosofia? Assim, o autoconhecimento é uma busca de natureza ética. Ainda, visa a realização de algo que leve uma pessoa a ser “dona de si mesmo”.  Como resultado, se torna um ser humano melhor.

Alguns aspectos da filosofia oriental

Desse modo, a filosofia oriental sugere que, por meio do autoconhecimento, o indivíduo chega à compaixão para com os outros. Por isso, mostraremos alguns marcos importantes para o desenvolvimento sobre esse assunto.

Então, destacamos o Budismo, que é uma doutrina espiritual e filosófica. Esta foi criada pelo indiano Siddartha Gautama, o Buda (563 a.C.). Assim, acredita que as escolhas para se chegar à libertação do sofrimento estão no autoconhecimento. Ainda, Buda pregava a virtude em favor dos outros.

A monja Coen, é a representante do zen budismo no Brasil.  Logo, em uma entrevista ao portal Hoje em Dia, afirma que o “autoconhecimento é a libertação do ser. Já dizia Sócrates, na Grécia: conhece-te a ti mesmo. O budismo vai dizer a mesma coisa.”

Ademais, para Coen, a base do ensinamento zen é o autoconhecimento. Pois, “é o portal principal da mente conhecer a própria mente”.

Deepak Chopra, médico espiritualista indiano, defende o autoconhecimento como sendo fundamental para a resolução de todos os problemas que possam existir no nosso cotidiano. Então, segundo ele:

Se você for capaz de entrar em contato com seu verdadeiro eu, a consciência não tem limites (…) o propósito da vida nunca foi ser uma luta, mas expandir-se, a partir da sua fonte, em pura consciência”.

Sócrates e Aristóteles: o autoconhecimento para os filósofos gregos

A filosofia de Sócrates

Sócrates (400 a.C.) ficou conhecido pela sua dedicação em incentivar a busca por si mesmo. Sendo assim, lhe foi atribuída a máxima “conhece-te a ti mesmo”. Este era o caminho que o filósofo grego indicava como base para todos os outros conhecimentos.

Assim, para Sócrates o autoconhecimento era necessário para compreender a sua própria ignorância. Entretanto, segundo José Pessanha, “essa ignorância, que é um atributo de Sócrates, em geral, não é assumida pelas outras pessoas”. Pois, “a ironia socrática tem a função de propiciar uma catarse”.

A filosofia de Aristóteles

Já os trabalhos de Aristóteles enfatizam como alguém deve observar o seu interior para viver bem entre os outros. Considerando que o homem tem por fim a felicidade, o filósofo acha que o homem só é ele mesmo em grupo. Ou seja, no convívio em sociedade. Porque,

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    “Aquele que, por sua natureza e não por obra do acaso, existisse sem nenhuma pátria seria um indivíduo detestável (…) Assim, o homem é um animal cívico”.

    Portanto, para viver em sociedade é preciso entender a subjetividade do outro. Contudo, este conhecimento se dá por meio da consciência da sua própria natureza. Desse modo, a necessidade do autoconhecimento em prol do coletivo é conhecida de tempos antigos.

    Sendo assim, os antigos vinculavam as questões centrais da mente ao coração. E de acordo com Jung, o coração é considerado “como a fonte de todos os maus pensamentos”. Dessa forma, a linguagem usada pelos filósofos da antiguidade era diferente. Entretanto, a necessidade de falar sobre autoconhecimento continua nos dias atuais.

    Como funciona o processo de autoconhecimento na Psicanálise?

    Para falarmos sobre o autoconhecimento nesse campo, precisamos tratar do inconsciente. Pois, este é conhecido como o pilar da psicanálise freudiana. Isso porque pouco nos foi ensinado sobre como controlar nossas emoções.

    O inconsciente e suas adversidades

    Já que elas nos levam a agir de uma determinada forma. Entretanto, não nos damos conta do porquê de nossos comportamentos. Assim, fazemos coisas que prejudicam a nós mesmos. Mas atribuímos esses comportamentos aos outros. 

    Dessa maneira, existe uma parte no indivíduo que é desconhecida. Mas que se expressa por meio de palavras, atitudes e comportamentos. Logo, esta é a razão pela qual muitas pessoas são agressivas, medrosas ou deprimidas. Pois, elas projetam nos outros o que não aceitam em si mesmas.

    Isso pode ser explicado pela existência do inconsciente. Assim, essa única instância psíquica desorganiza nossas intenções e vontades. Acerca disso, Jung escreveu:

    “Mas quem se questiona sobre si mesmo depara invariavelmente com as barreiras do inconsciente, que contém justamente aquilo que mais importa conhecer.”

    As ideias de Sigmund Freud

    Contudo, foi Freud quem fez esta descoberta. Então, deu a melhor definição para o inconsciente, traçando um caminho sobre a dinâmica e funcionamento da mente. Portanto, no seu mais famoso livro “A interpretação dos sonhos”, Freud apresenta um modelo do aparelho psíquico:

    O último dos sistemas situados na extremidade motora é o pré-consciente, para indicar que os processos excitatórios nele ocorridos podem penetrar na consciência sem maiores empecilhos. Mas, desde que certas condições sejam satisfeitas (…) O sistema que está atrás dele é o inconsciente, pois este não tem acesso a consciência senão através do pré-consciente. (FREUD, 1900, p.135).

    Sendo assim, este é composto por três instâncias: consciente, pré-consciente e inconsciente. Mas, de acordo com Jung, “o inconsciente em Freud, apesar de aparecer – pelo menos metaforicamente – como sujeito atuante, nada mais é do que o espaço de concentração desses conteúdos esquecidos e recalcados”.

    Nesse sentido, a metáfora do iceberg foi descrita por Stefan Zweg. Desse modo, ele mostra as diferenças entre os níveis de consciência propostos por Freud.  Assim, a parte que fica visível é referente ao consciente. Logo abaixo na zona intermediária, o pré-consciente. E, no fundo fica a maior parte, a que equivale ao inconsciente.

    Outras interpretações sobre o inconsciente

    Ao longos dos anos, surgiram outras interpretações sobre o inconsciente. Dessa forma, em “Freud e o Inconsciente”, para Garcia-Roza,“Freud afirma que o caminho para o inconsciente deve ser procurado através de lacunas das manifestações conscientes”.

    Já Juan Nasio concorda, uma vez “que o inconsciente revela-se num ato que surpreende e ultrapassa a intenção do analisando que fala. Então, o sujeito diz mais do que pretende e, ao dizer, revela sua verdade”.

    Considerações de Carl Jung

    Em relação aos processos inconscientes, Jung escreveu que, “às vezes manifestam-se, de forma parcial, através de sintomas, ações, opiniões, afetos, fantasias e sonhos”(…) O inconsciente nunca está em repouso. Assim, sua atividade parece ser contínua, pois mesmo quando dormimos sonhamos”.

    Então, o inconsciente são todos aqueles processos mentais que ocorrem sem que demos conta. Nesse sentido, o autor descreve ainda o autoconhecimento como necessário apesar de ser doloroso, “pois o encontro consigo mesmo pertence às coisas desagradáveis que evitamos enquanto pudermos projetar o negativo à nossa volta”.

    Ademais, “o encontro consigo mesmo significa, antes de mais nada o encontro com a própria sombra … Mas para sabermos quem somos, temos que conhecer-nos a nós mesmos.” (JUNG, 2002, p.31). Pois, para Jung,

    quanto mais consciente nos tornamos de nós mesmos através do autoconhecimento, tanto mais se reduzirá a camada do inconsciente pessoal que recobre o inconsciente coletivo. Desta forma, vai emergindo uma consciência livre do mundo mesquinho. Essa consciência ampliada não é mais aquele novelo egoísta de desejos, temores, esperanças e ambições de caráter pessoal, que sempre deve ser compensado ou corrigido por contra tendências inconscientes (…) É então que podemos constatar que o inconsciente produz conteúdos válidos não só para o indivíduo. Mas para outros: para muitos e talvez para todos.

    Os tipos psicológicos, segundo Jung

    Dessa forma, Jung traçou um quadro teórico sobre os tipos de personalidade. Assim, em seu livro “Tipos Psicológicos”, ele mostra que pessoas pensam e experimentam o mundo de maneiras diferentes. Então, após um trabalho de quase vinte anos, Carl Jung trouxe importantes elementos para a compreensão de si mesmo e do outro.

    Sendo assim, o tipo psicológico de uma pessoa é determinado pela extroversão ou pela introversão. Logo, todo mundo possui ambos os mecanismos. Contudo, somente o predomínio de um deles constitui o tipo. Ainda, o conceito de persona também contribuiu no processo de autoconhecimento.

    A palavra persona vem do grego e significa a máscara usada nos teatros, para diferenciar os personagens e seus papéis. Então, segundo Jung, “o espelho não lisonjeia mostrando fielmente o que quer que nele se olhe, ou seja aquela face que nunca mostramos ao mundo, porque a encobrimos com a persona, a máscara do ator”.

    Desse modo, aprendemos a criar um outro e acreditamos nele. E assim, nos defendemos das verdades do que poderia nos fazer sofrer. Ou seja, essa é uma função psíquica que ajuda na adaptação social necessária no dia a dia.

    Portanto, é uma máscara que usamos para corresponder a demanda do outro. Sendo esta importante para nos adaptarmos a certos contextos sociais. Assim, segundo Jung

    a persona é um complexo funcional que surgiu por razões de adaptação ou de necessária comodidade, mas que não é idêntico a individualidade. O complexo funcional da persona diz respeito exclusivamente à relação com os objetos.

    Processo de autoconhecimento na fábula do cavaleiro preso na armadura

    Nesse sentido, para compreender como praticar o autoconhecimento, a fábula do cavaleiro preso na armadura  mostra o processo de conscientização de si mesmo.

    Portanto, trata-se de um cavaleiro muito orgulhoso da sua profissão que, quando não está na batalha, está lustrando a sua armadura. Pois, esta tinha que ser a mais brilhante de todas. Desse modo, o cavaleiro matava dragões e resgatava donzelas, mesmo quando elas não queriam ser resgatadas.

    Sendo assim, o seu ego inflado, suas crenças limitantes e sua soberba o fizeram acreditar que ele fosse bondoso. Além de ser gentil e amoroso. Desse modo, todo indivíduo é inclinado a pensar que é bom. Contudo, segundo a psicóloga Thaiana Brotto, “todos nós em algum momento da vida fomos uma pessoa ruim com outras”.

    Nesse sentido, segundo Jung, “é importante para o processo de individuação, isto é, a realização do si mesmo que o indivíduo aprenda a distinguir entre o que parece ser para si mesmo e o que é para outros”. 

    Saiba mais sobre o cavaleiro preso na armadura

    Por muitos anos, o cavaleiro da fábula esforçou-se para ser o número um de todo o reino. Então, como queria estar sempre à disposição, não tirava a armadura nem para dormir. Desse modo, ficou preso a ela e suas relações com as outras pessoas foram rompidas.

    O fato é que muitas vezes para sobreviver, o sujeito social precisa construir formas de convivência. E assim, se inserir no contexto social para conseguir estabelecer relações. Ou ainda, comunicar-se em busca de reconhecimento com o simples fim de ser aceito, deixando de lado as próprias vontades e desejos.

    Diante da pressão de sua esposa, o cavaleiro decide procurar ajuda para se livrar daquela armadura. E quando alguém recomenda que ele vá ao encontro do Mago. Sendo esta uma pessoa dotada de grandes conhecimentos, que pode ajudá-lo. Assim, o cavaleiro não hesita e inicia uma jornada para retirar sua armadura.

    Portanto, ainda segundo Brotto, quando o sujeito se dispõe a fazer uma viajem em busca de si mesmo. Ainda, para Juan Nasio, esse é o

    grande sinal de que ele está reconhecendo sua natureza e que busca a direção da integridade e do conhecimento de sua individualidade. Pois, para que o consciente exista, é preciso ainda que seja escutado e para que o ato da existência do inconsciente se efetive é necessário que um outro sujeito escute e reconheça a importância do inconsciente.

    A viagem é, portanto, desafiadora e o conduz para um encontro com ele mesmo. Isso porque a busca é inerente ao ser humano. Pois, descobre que o seu verdadeiro self ficou lá atrás.

    Processo de autoconhecimento e o self para Donald Winnicott

    Para Winnicott, o self verdadeiro pode ficar oculto na vida do sujeito desde a infância. Ele escreveu em “O ambiente e os processos de maturação” que “a função defensiva do falso self é a de ocultar e proteger o self verdadeiro”.

    Ou seja, o indivíduo se esconde atrás de uma falsa identidade (armadura) para se proteger, como defesa contra o que seria inimaginável. Ademais, de acordo com o autor, este processo começa no início da relação mãe-criança. Assim, desde cedo se acumulam experiências que deixam marcas em cada ser humano. 

    Já a professora Manuela Bittar, destaca que que muitas vezes temos em nos mostrar exatamente como somos. E assim, baixar nossas armas e revelar nosso rosto.

    Por isso, o cavaleiro da fabula acaba, sem querer, se distanciando das pessoas que ama e perdendo sua verdadeira identidade. Portanto, ele ocultou o self verdadeiro e como resultado passou a ficar só.

    Outras lições que podemos aprender

    Assim, ao se colocar na posição do cavaleiro pode dar uma falsa impressão de segurança e estabilidade.  Assim, o que leva a maioria das pessoas a evitar assuntos relacionados a persona e ao autoconhecimento. Pois, acreditam na crença limitante que é mais fácil não enfrentar tais temas.

    Logo, como cavaleiros engessados, seguem suas vidas baseadas em fórmulas prontas. Ainda, acreditam que todos os defeitos estão no outro. Contudo, ao tirar a armadura e fazer uma introspecção acerca de quem se é e quais as causas de suas ações, o homem passa a desenvolver um olhar mais generoso consigo mesmo.

    Ademais, adota uma postura mais reflexiva. Isso influencia também na sua postura com o outro e, consequentemente, gera resultados em seus relacionamentos e no mundo ao seu redor. 

    Considerações finais sobre processo de autoconhecimento

    Levando em consideração que o outro é muitas vezes mal interpretado, não tendo a sua subjetividade e autonomia de ser humano respeitada, mostramos através das teorias de Freud e Jung que o caminho de descoberta do que é legítimo se dá por meio da exploração do inconsciente.

    Então, ao olhar para si e procurar perceber toda a matéria acumulada nessa parte do nosso ser, aprendemos a lidar com mais sabedoria com quem somos. E assim, a melhor conceber nossos relacionamentos e nossa percepção para com o outro.

    Contudo, vale ressaltar que todo o indivíduo visa a felicidade em seus atos. Logo, seus erros e vícios, são apenas consequência da ignorância sobre o verdadeiro eu. Dessa forma, fica claro porque o processo de autoconhecimento se faz condição para a qualidade de vida e de relacionamentos de todos.

     

     

    Este conteúdo sobre processo de autoconhecimento foi escrito por Marinete Marques de Moura Nobre para o Curso de Formação em Psicanálise Clínica.

     

    One thought on “Processo de Autoconhecimento: da filosofia à psicanálise

    1. Maria Eunice Fagundes da Silva disse:

      Muito Obrigado. Seu artigo me ajudou a perceber que cheguei ao Curso de Psicanálise e ainda não havia tirado a mochila das costas. Quando se adentra um espaço da qual não era o seu habitual precisamos estar despidos do que acreditamos, pois somos apenas folha em branco.

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