Explore as pulsões inconscientes e a dualidade do bem e do mal na adaptação cinematográfica de Wicked, à luz da psicanálise freudiana.

Wicked e a Dualidade do Bem e do Mal: Uma Análise Psicanalítica das Pulsões Inconscientes

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Neste artigo, analisamos a adaptação cinematográfica de Wicked sob a perspectiva da psicanálise freudiana, com foco nas pulsões inconscientes, na dualidade do bem e do mal e nos efeitos do meio social na formação da personalidade. A relação entre Elphaba e Glinda revela tensões psíquicas profundas, que ilustram os conflitos internos do ser humano e convidam à reflexão sobre identidade, desejo e transformação.

Introdução à Análise Psicanalítica de Wicked

A adaptação cinematográfica de Wicked (2024) é uma obra complexa que oferece uma nova camada de interpretação das personagens Elphaba e Glinda, permitindo a análise de suas relações e motivações à luz de conceitos psicanalíticos.

A história, originalmente escrita como um romance por Gregory Maguire e baseada na famosa peça musical, reinterpreta a tradicional narrativa de O Mágico de Oz e apresenta um cenário fascinante para se investigar as dinâmicas psíquicas dos personagens.

A proposta de compreender a interação entre as protagonistas, Elphaba e Glinda, sob a ótica da psicanálise freudiana, proporciona uma reflexão profunda sobre as pulsões inconscientes que moldam a construção de suas identidades e seus comportamentos ao longo da trama.

A análise se foca particularmente na relação entre o id e o superego, dois conceitos fundamentais da teoria psicanalítica de Freud, que podem ser observados claramente nas motivações e transformações das duas personagens.

Inconsciente, Marginalização e Identidade em Jogo

O estudo da adaptação cinematográfica de Wicked através da psicanálise é relevante por várias razões. Primeiramente, a psicanálise fornece um enfoque robusto para a análise das dinâmicas de poder, identidade e emoção que permeiam a narrativa da obra.

A representação de Elphaba como uma figura marginalizada e poderosa, com sua ligação ao id reprimido (LÓPEZ-BARALT, 1987), e de Glinda como uma mulher com um superego internalizado (TAVARES, 2009), sublinham a importância da compreensão das forças psíquicas inconscientes que influenciam as ações humanas.

Além disso, o tema da marginalização social e da busca por aceitação, bem como o dilema entre seguir a própria natureza versus as normas sociais, são questões universais e atemporais, altamente relevantes para a compreensão das relações interpessoais na sociedade contemporânea.

Justificativa e Questão Central da Pesquisa

A justificativa para este estudo se baseia, então, na escassez de análises psicanalíticas aprofundadas sobre as adaptações contemporâneas de obras populares, como Wicked.

Ao conectar a psicanálise de Freud com a análise cinematográfica, a pesquisa oferece novas perspectivas sobre personagens bem conhecidos, além de contribuir para o debate sobre a importância do inconsciente na construção das narrativas e das relações sociais.

O problema que este artigo visa investigar é a complexa relação entre Elphaba e Glinda, que se configura como um campo de tensão, onde os desejos inconscientes de ambas as personagens, tanto as pulsões de vida (Eros) quanto as pulsões de morte (Thanatos), estão em constante disputa.

A questão central está em entender como essas forças moldam suas ações e reações dentro da narrativa, refletindo, ao mesmo tempo, as dinâmicas de poder e as pressões sociais que envolvem cada uma delas.

Objetivos e Contribuições para a Psicanálise

A pesquisa busca entender como, dentro do universo de Wicked, a marginalização social e a busca por perfeição não são apenas aspectos da trama, mas também elementos que atuam diretamente na constituição das identidades de Elphaba e Glinda, levando-as a agir de formas aparentemente contraditórias.

O objetivo geral deste estudo é analisar a relação entre Elphaba e Glinda a partir de uma perspectiva psicanalítica, explorando as pulsões inconscientes que orientam suas ações e interações ao longo da história.

A pesquisa visa desvelar as dinâmicas de conflito interno e transformação presentes nas personagens, à medida que suas ações refletem a luta constante entre as forças de Eros e Thanatos, bem como os efeitos do meio social sobre suas identidades e escolhas.

Ao final, espera-se oferecer uma nova leitura sobre a obra Wicked, enfocando especialmente as questões relacionadas à psique humana e as influências inconscientes que moldam a personalidade e as relações sociais.

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Fundamentação Teórica: Freud e Autores Contemporâneos

Este estudo contribui para a literatura ao proporcionar uma análise psicanalítica de uma obra cinematográfica popular, revelando as complexidades da psique humana representadas por meio das personagens de Elphaba e Glinda.

As contribuições podem ser divididas em três aspectos principais:

  • Primeiro, o aprofundamento na interpretação psicanalítica das dinâmicas de personalidade presentes no filme, especialmente por meio da análise do id (Elphaba) e do superego (Glinda);
  • Segundo, na ampliação do debate sobre a forma como as forças inconscientes influenciam a construção de identidade em uma obra que mistura elementos de fantasia e crítica social;
  • Terceiro, na contribuição para a compreensão das relações interpessoais em um contexto de marginalização e pressão social, propondo uma reflexão sobre o equilíbrio entre os impulsos destrutivos e construtivos presentes nas interações humanas.

Ademais, ao conectar a psicanálise freudiana com a análise das dinâmicas sociais de Wicked, este trabalho oferece uma visão única sobre como a magia e o poder podem ser entendidos como metáforas para processos psíquicos profundos, ampliando o entendimento sobre os aspectos inconscientes que governam nossas ações e escolhas.

A fundamentação teórica do estudo é baseada em conceitos clássicos e contemporâneos da psicanálise, com destaque para os escritos de Freud, especialmente em relação às pulsões de vida (Eros) e de morte (Thanatos).

O trabalho de López-Baralt (1987) sobre o id em Elphaba, assim como a visão de Tavares (2009) sobre o conflito entre as pulsões de vida e de morte, fornece uma base sólida para compreender a dinâmica interna de Elphaba.

Mishima (2008) e Zandoná e Bilhar (2021) oferecem uma reflexão sobre o superego de Glinda e a influência do meio social na formação da personalidade. Flores (2021) contribui para a análise da interação entre as pressões sociais e a construção da identidade, destacando como o ambiente pode tanto limitar quanto possibilitar a expressão da individualidade.

Finalmente, Silva (2000) amplia o entendimento das relações sociais, fornecendo um contexto para analisar como as diferenças individuais podem ser fontes de conflito ou crescimento, refletindo, assim, as complexas interações entre os personagens de Wicked.

Id, Ego e Superego: as bases do bem e do mal na psicanálise

De acordo com Zandoná e Bilhar (2021), Sigmund Freud propôs que a mente é composta e organizada por três partes principais: o id, o ego e o superego, e a interação entre essas instâncias pode ser vista como uma representação simbólica da dualidade do “bem” contra o “mal”.

Explicando melhor, o id é a parte mais primitiva e instintiva da psique, que busca a satisfação imediata de seus desejos e impulsos, sem considerar as consequências ou as normas sociais, esclarecem Zandoná e Bilhar (2021).

O superego representa a internalização das normas sociais, culturais e morais. Segundo Zandoná e Bilhar (2021), ele age como uma espécie de consciência moral, guiando o indivíduo de acordo com os valores éticos e o que é considerado “certo” ou “errado”.

O superego pode ser interpretado como o “bem”, no sentido de que ele busca conter os impulsos do id e direcionar o comportamento de acordo com os padrões éticos estabelecidos pela sociedade.

O ego entre as pulsões inconscientes e as normas sociais

Entre esses dois polos, o ego atua como mediador. O ego tenta equilibrar os impulsos do id, que buscam gratificação imediata, com as exigências do superego, que impõem normas e regras.

O ego também precisa considerar as realidades externas, ou seja, as condições do mundo exterior e as consequências dos próprios atos, agindo de maneira mais racional e realista, explicam Zandoná e Bilhar (2021).

O id retrata nossa primeira-infância, que se desenvolve em nosso nascimento. É uma bagagem vitalícia de necessidades e impulsos que estará presente no inconsciente e não possui razão nem valores morais, é basicamente primitiva, almejando sempre o prazer.

O ego é a evolução do id. Há elementos do inconsciente, porém consta como maioria em nosso consciente. Ele possui formas de proteção contra os estímulos, como uma ação mediadora entre o id e o mundo exterior.

O superego e os conflitos com as pulsões inconscientes

O superego existe como uma junção entre o ego e o id.

É uma entidade que incorpora contribuições, principalmente do meio familiar e social. Esse que, com o tempo, torna-se uma instância reguladora, uma autocensura do indivíduo, praticamente uma consciência crítica criada a partir do reflexo daqueles em sua volta (Zandoná; Bilhar, 2021, p. 2–3).

Essa luta interna entre os desejos do id e as exigências do superego cria o que Freud chamou de conflitos psíquicos, que é uma parte fundamental do ser humano.

O pai da psicanálise acreditava que muitos desses conflitos não eram resolvidos conscientemente e eram reprimidos, ou seja, afastados da consciência através do mecanismo de repressão, conforme Caropreso e Simanke (2013).

Esses conteúdos reprimidos, que muitas vezes incluem desejos e impulsos considerados socialmente inaceitáveis ou moralmente errados, permanecem no inconsciente e continuam a influenciar o comportamento da pessoa de forma indireta, muitas vezes se manifestando em sintomas neuróticos, sonhos ou lapsos de linguagem (Caropreso; Simanke, 2013).

Repressão e o papel das pulsões inconscientes na psique

Esse processo de repressão pode ser visto como uma tentativa de conter os impulsos “malévolos” do id, mas ao mesmo tempo, pode gerar sofrimento psíquico, uma vez que o material reprimido retorna de forma distorcida, criando distúrbios emocionais, explicam Caropreso e Simanke (2013).

Freud também propôs que a psique humana está dividida entre duas forças chamadas de Eros e Thanatos.

De acordo com Oliveira (2010), Eros, ou a pulsão de vida, é associada ao desejo de preservação, união e prazer, enquanto Thanatos, a pulsão de morte, está relacionada ao impulso de destruição, agressividade e retorno ao estado inorgânico.

A luta entre essas duas pulsões pode ser vista como uma representação simbólica da dualidade do bem e do mal, onde Eros está relacionado ao “bem”, no sentido da construção e preservação da vida, e Thanatos ao “mal”, representando a destruição e a morte.

Serpa (2019) esclarece melhor essa diferença entre pulsão de vida, ou Eros, e pulsão de morte, Thanatos, com base na mitologia grega, apropriada por Freud.

Eros e Thanatos: pulsões em tensão na formação psíquica

Da mitologia grega, Freud se apropria dos nomes de Eros e Thanatos para exemplificar as teorias das pulsões, teoria esta que explica a formação psíquica de todos os indivíduos. Assim, Eros e Thanatos correspondem consequentemente ao desejo erótico e à atração pela morte. Ambas coexistem de modo que a força da vida e a força da morte equivalem à dualidade formadora dos indivíduos.

As pulsões foram organizadas por Freud (1915b, 1920) em dois campos, que correspondem à pulsão de vida e à pulsão de morte. Inicialmente, ele descreveu uma unidade conhecida como pulsão de vida e acreditava que esta unidade era responsável por explicar grande parte do comportamento humano. Posteriormente, ele chegou à conclusão de que só estes instintos de vida não eram capazes de explicar todo o comportamento humano.

Dualidade pulsional: instintos de vida e morte

Freud então observou que todos os instintos se dividem em duas unidades principais: os instintos de vida e os instintos de morte. Os instintos de vida são representados pelo deus grego Eros, o deus do amor. Já os instintos de morte são representados pelo deus da morte, Thanatos.

A pulsão de vida equivale a toda demanda interna que nos leva a buscar o prazer, a criar e a realizar projetos. São aqueles que lidam com a sobrevivência básica e a reprodução. Esses instintos são importantes para sustentar a vida do indivíduo, bem como a continuação da espécie.

Consequências psíquicas da pulsão de morte

Já a pulsão de morte obedece à demanda que nos conduz à busca pelo isolamento, pela estagnação e pelos atos de destruição e morte. Freud (1920) propôs que o objetivo de toda a vida é a morte.

Ele observou que, após um evento traumático, as pessoas experimentam um desejo inconsciente pela morte, porém, à medida que o tempo vai passando, esse desejo é amplamente atenuado pelos instintos de vida (SERPA, 2019, p. 143–144).

De acordo com Silva (2000), dentro da sociedade, Freud via a cultura e a moralidade como forças que regulam o comportamento humano, controlando os impulsos naturais do indivíduo. A civilização exige que os instintos primitivos sejam reprimidos, o que pode ser visto como uma tentativa de minimizar o “mal” em nome da ordem social e moral.

A repressão cultural e os impulsos destrutivos

“A cultura (ou civilização) é um processo violento, ao mesmo tempo em que sua formação se relaciona com a violência” (SILVA, 2000, p. 43). Silva (2000) diz que a cultura é violenta justamente por ela exigir que os instintos primitivos, como a agressividade, sejam reprimidos ou neutralizados para preservar as relações comunitárias, com sua ordem e moral.

Assim, “tanatos é a origem dos impulsos agressivos, que, não podendo voltar-se para fora, transformam-se em tendências autodestrutivas” (SILVA, 2000, p. 49).

Enquanto “Eros beneficia a constituição de uma cultura, por outro, a renúncia à satisfação completa” (SILVA, 2000, p. 49). Com base em Brumano (2022), notamos que, caso o indivíduo se entregue exclusivamente ao impulso de vida, pode acabar focando demais na busca por prazer, amor e satisfação pessoal.

Desejo de prazer, evasão da realidade e impactos sociais

Isso faz com que ele cultive uma vida marcada pela superficialidade nas relações e pela não realização de responsabilidades sociais. Fora que o desejo constante de prazer imediato pode levar a construções de relações instáveis e à dificuldade de lidar com as frustrações, pois almeja sempre as gratificações sem considerar as limitações impostas pela civilização.

Com isso, é comum a fuga das adversidades e a negligência com as obrigações sociais, como a participação política, o trabalho para o sustento e a contribuição em questões coletivas. Indivíduos que dão vozes aos seus instintos primitivos, orientados à maior gratificação, “causam destruição, aniquilação, morte, genocídios, sofrimento para o próprio indivíduo e para demais membros da sociedade” (BRUMANO, 2022, p. 117).

Thanatos e o risco de desintegração social

Por outro lado, a dominância exclusiva de Thanatos, o impulso de morte, tende a gerar uma série de comportamentos destrutivos tanto para o indivíduo quanto para as relações sociais, esclarece Maldonado (2005). A busca pelo fim, seja no plano simbólico ou literal, pode resultar em isolamento social, alienação e autoaniquilação emocional.

Pois, de acordo com Maldonado (2005), o sujeito que se entrega a essa força pode: se afastar das interações sociais, rejeitar normas e responsabilidades, e adotar uma postura de indiferença ou até de violência para com os outros e consigo mesmo.

As consequências sociais desse tipo de comportamento, apontadas por Maldonado (2005), incluem o aumento de conflitos, agressões e o enfraquecimento da solidariedade social.

Equilíbrio entre as pulsões e a busca por felicidade

Sendo assim, uma sociedade dominada por Thanatos poderia se caracterizar por uma crescente desintegração social, onde os indivíduos se afastam de valores comuns e se entregam a comportamentos individualistas, autodestrutivos ou violentos, o que comprometeria ainda mais a coesão e a estabilidade coletiva (MALDONADO, 2005).

Oliveira (2010) esclarece que a repressão ou a entrega absoluta a qualquer um desses impulsos, sem o devido equilíbrio, pode, portanto, resultar em um impacto negativo tanto para o indivíduo quanto para a sociedade.

A busca incessante por prazer sem consideração pelas limitações da realidade, como no caso de uma dominância de Eros, ou o abandono da vida e da cooperação social, como ocorre com Thanatos, pode gerar um ambiente de extrema fragilidade psíquica e social.

O equilíbrio entre essas forças, como postulado por Freud, é essencial para o funcionamento saudável do indivíduo e para a preservação da coesão social, reforça Oliveira (2010). E é na tensão entre ambas as pulsões que se constitui a espécie humana, cujo principal objetivo é encontrar a felicidade.

Na busca da satisfação desse objetivo, Freud assinala que podemos ter esperança de nos libertar de pelo menos uma parte de nossos sofrimentos, agindo sobre nossas pulsões. Nesse processo estão os deslocamentos de libido, reorientando os objetivos pulsionais de tal forma que evitem a frustração do mundo externo, com a participação aqui do processo de sublimação.

Obtém-se o máximo quando se consegue intensificar a produção de prazer com base nas fontes do trabalho psíquico e intelectual, diz ele.

Neste sentido, a satisfação decorrente da alegria do artista em criar e dar corpo às suas fantasias possui uma qualidade especial (TAVARES, 2019, p. 35–36).

Conflito entre pulsões inconscientes e vínculos sociais

A incapacidade de integrar de maneira harmônica Eros e Thanatos pode levar à alienação do sujeito em relação aos outros, ao abandono das responsabilidades sociais e a um distanciamento dos valores de coletividade, o que comprometeria a solidariedade e o bem-estar comum, afirmam tanto Brumano (2022) quanto Maldonado (2005).

Assim, o manejo adequado dessas pulsões é crucial para a manutenção de uma sociedade coesa, justa e equilibrada, capaz de lidar com as tensões e os desafios impostos pela vida e pela morte, como diz Oliveira (2010).

Além do verde e do rosa: a psicanálise da amizade (im)possível em Wicked

A adaptação cinematográfica de Wicked (2024) nos proporciona um rico terreno para a aplicação de conceitos psicanalíticos de Freud, em particular quando examinamos a complexa dinâmica entre Elphaba e Glinda.

Através das lentes da teoria psicanalítica, com foco no pai da psicanálise, podemos desvelar as forças inconscientes que moldam essa relação, oferecendo uma compreensão mais profunda dos personagens e de suas motivações.

Elphaba, com sua aparência distinta e seus poderes mágicos, representa o id reprimido (LÓPEZ-BARALT, 1987). Seus impulsos são intensos e frequentemente em conflito com as normas sociais. A pulsão de morte se manifesta em sua raiva e desejo de vingança, impulsionados pela marginalização e injustiça que experimenta.

No entanto, coexiste em Elphaba uma profunda pulsão de vida, expressa em seu amor pela irmã, Nessa, e em seu desejo por justiça e igualdade.

Há uma natureza ambivalente na psique humana, onde impulsos destrutivos e construtivos coexistem em constante tensão, e a personagem, assim como Tavares (2019), nos ajudam a refletir sobre essa questão.

Inconsciente e pulsões opostas na psique

De acordo com a perspectiva de Tavares (2019), os seres humanos experimentam simultaneamente as pulsões de vida e de morte. Tavares (2019) sugere que a vida psíquica é um campo de batalha constante entre essas duas forças opostas.

A pulsão de vida busca a preservação, o prazer e a criação, enquanto a pulsão de morte impulsiona o organismo em direção à destruição e ao retorno ao estado inorgânico.

Essa tensão, para Tavares (2019), é o motor da vida, gerando um dinamismo que se manifesta em diversos aspectos da experiência humana, desde os desejos mais básicos até as realizações mais sublimes.

Glinda, por sua vez, encarna o superego internalizado (MISHIMA, 2008). Sua busca pela perfeição e sua necessidade de aprovação social a levam a reprimir seus próprios desejos e a conformar-se às expectativas dos outros.

A pulsão de vida em Glinda se manifesta em seu desejo de amizade e conexão, mas é constantemente subjugada pela necessidade de manter sua imagem impecável.

Imagem social e repressão das pulsões inconscientes

Para Mishima (2008, p. 26), sujeitos com o superego internalizado, normalmente, são “dependentes de controles externos que limitam seus comportamentos e sua ação no mundo”.

Sendo assim, de fato, a personagem nos permite explorar o papel do superego na formação da personalidade, bem como os desafios de conciliar as demandas internas e externas, como clarificado por Zandoná e Bilhar (2021):

O superego existe como uma junção entre o ego e o id, é uma entidade que incorpora contribuições, principalmente do meio familiar e social, esse que com o tempo torna-se uma instância reguladora, uma autocensura do indivíduo, praticamente uma consciência crítica criada a partir do reflexo daqueles em sua volta (Zandoná e Bilhar, 2021, p. 3).

A relação entre Elphaba e Glinda é marcada por uma complexa dinâmica de atração e repulsão, semelhante à vida psíquica e as disputas entre as pulsões de vida e as pulsões de morte explicadas anteriormente por Tavares (2019). A diferença entre ambas as personagens cria um campo de tensão que as une e as separa ao mesmo tempo.

Transformação subjetiva pelas pulsões inconscientes

Elphaba, com sua intensidade e autenticidade, desafia a superficialidade de Glinda, enquanto esta, com sua bondade e empatia, ajuda Elphaba a encontrar um propósito em sua vida.

Essa dinâmica relacional, inclusive, nos permite explorar a noção de complementaridade na psicanálise, onde as diferenças entre os indivíduos podem servir como fonte de atração e crescimento.

Silva (2000) nos apresenta uma visão complexa e densa sobre a dinâmica das relações humanas, onde a cultura emerge como um campo de tensão entre as pulsões de vida e de morte. Ao exigir a repressão dos instintos mais primitivos, a cultura molda a convivência social, mas também gera conflitos internos.

A coexistência dessas forças opostas, Eros e Thanatos, nos impulsiona a buscar tanto a conexão e o prazer quanto a destruição e o retorno ao estado inorgânico. Nesse contexto apresentado por Silva (2000), as diferenças individuais, longe de serem obstáculos, tornam-se o motor do crescimento pessoal e social, desafiando-nos a construir pontes e a superar nossas próprias limitações.

A influência do ambiente social na formação da personalidade

A análise psicanalítica da relação entre Elphaba e Glinda em Wicked (2024) revela uma jornada complexa de autodescoberta e transformação, marcada pela constante luta entre as pulsões de vida e de morte. Ao acompanhar a evolução de ambas as personagens, somos convidados a refletir sobre a natureza humana e as dinâmicas relacionais que moldam nossas vidas.

A partir da lente psicanalítica, desvendamos as forças inconscientes que impulsionam as ações das personagens, revelando a fragilidade da identidade e a complexidade das emoções humanas. A obra nos convida a questionar os valores estabelecidos e a buscar um significado mais profundo para nossas próprias vidas.

A formação da personalidade de Elphaba e Glinda é profundamente marcada pelo ambiente social em que crescem. Ambas são moldadas pelas expectativas, valores e preconceitos da sociedade. Desde a infância, Elphaba é marginalizada por sua aparência e por seus poderes mágicos.

O papel da cultura e da mídia

Essa exclusão social a leva a desenvolver um senso de justiça e uma forte vontade de defender os oprimidos. No entanto, também a torna desconfiada e amargurada, intensificando sua pulsão de morte.

Como princesa, Glinda é criada para ser perfeita e popular. A pressão social para corresponder a esse ideal a leva a reprimir seus próprios desejos e a conformar-se às expectativas dos outros.

Essa necessidade de aprovação social a torna vulnerável à manipulação e à influência dos outros. É um processo dinâmico e complexo a formação da personalidade, resultado da interação entre fatores biológicos e socioculturais, esclarece Flores (2021).

O meio social, desde a primeira infância, exerce uma influência profunda na construção da identidade, moldando valores, crenças e comportamentos. De acordo com Flores (2021), as relações familiares, as interações com pares, as instituições sociais e a cultura em geral contribuem para a internalização de normas, papéis sociais e expectativas, que, por sua vez, orientam as ações e as escolhas individuais.

Magia e os desejos ligados às pulsões inconscientes

A mídia, as tecnologias digitais e os eventos históricos também desempenham um papel crucial nesse processo, oferecendo modelos de comportamento, difundindo ideias e valores e moldando a visão de mundo das pessoas (FLORES, 2021).

É importante ressaltar que a influência do meio social não é determinística, mas sim probabilística, ou seja, o ambiente oferece um conjunto de possibilidades e restrições que influenciam, mas não determinam, o desenvolvimento individual, explica Flores (2021).

A capacidade humana de agência, a busca por autonomia e a capacidade de transformação do meio social também são fatores importantes a serem considerados na compreensão da complexa relação entre indivíduo e sociedade (FLORES, 2021).

A magia em Wicked serve como um poderoso símbolo da psique e dos desejos inconscientes. Ela permite que os personagens expressem seus sentimentos e desejos mais profundos de forma simbólica e amplificada. Para Elphaba, a magia é uma forma de libertação e de afirmação de sua identidade.

Magia, identidade e contribuição social

Através de seus poderes, ela pode expressar sua raiva, sua tristeza e seu desejo de vingança. A magia também lhe permite conectar-se com outros seres mágicos e encontrar um senso de pertencimento. A magia representa, para Glinda, um poder que ela não compreende totalmente.

Inicialmente, ela utiliza seus poderes para fins egoístas, buscando a popularidade e a admiração. No entanto, ao longo da história, ela começa a utilizar seus poderes para ajudar os outros, revelando um lado mais altruísta de sua personalidade.

Para Plastino (2006), o conceito de Eros, na psicanálise, transcende o mero desejo individual, conectando-se à dimensão social e cultural. Ao pertencer a um grupo, o sujeito se constitui em sua singularidade, oferecendo algo único ao coletivo.

Essa contribuição singular não se limita a aspectos materiais ou práticos, mas também envolve dimensões mais subjetivas, como a afetividade, a criatividade e a capacidade de simbolizar.

Assim, podemos pensar, conforme Plastino (2006), na oferta de “magia” como uma metáfora para essa contribuição singular, que enriquece o tecido social e fortalece os laços comunitários.

Singularidade, magia e transformação coletiva

Ao produzir algo único, tanto Elphaba quanto Glinda, não apenas se diferenciam dos outros, e uma das outras, mas também contribuem para a construção de um mundo encantado mais rico e complexo.

A relação entre o ambiente social e a magia é complexa e interativa. Por um lado, o ambiente social molda a forma como os personagens utilizam seus poderes mágicos. Por outro lado, a magia influencia a forma como os personagens se relacionam com o mundo social.

No caso de Elphaba, a marginalização social intensifica seus poderes mágicos, tornando-a uma figura temida e odiada. No entanto, seus poderes também lhe dão a força para desafiar a ordem estabelecida e lutar por justiça.

A pressão social para ser perfeita leva Glinda a utilizar seus poderes de forma superficial e egoísta. No entanto, ao descobrir o verdadeiro significado da amizade e da compaixão, ela começa a utilizar seus poderes também para o bem.

Dessa forma, vemos, com base em Plastino (2006), que a singularidade — das duas personagens e de todos nós — não é uma característica isolada, mas sim o resultado de uma complexa interação entre o sujeito e o meio social.

Dinâmicas psicanalíticas entre Elphaba e Glinda

A adaptação cinematográfica de Wicked (2024) oferece uma perspectiva rica para a compreensão psicanalítica das relações humanas, particularmente quando exploramos as complexas interações entre Elphaba e Glinda.

Ao aplicar os conceitos de Freud, é possível desvelar as forças inconscientes que moldam essas personagens e suas dinâmicas, levando-nos a uma reflexão profunda sobre os dilemas existenciais e as pulsões que orientam os comportamentos humanos.

As trajetórias de Elphaba e Glinda, com suas características conflitantes, revelam não apenas a complexidade psíquica de cada uma, mas também a natureza das relações humanas, onde as diferenças são tanto uma fonte de atração quanto de separação.

Id, superego e a construção do eu

Elphaba, marcada pela exclusão social devido à sua aparência e aos seus poderes, reflete o conflito entre os desejos primitivos e a necessidade de adaptação à realidade externa. Sua figura remete ao conceito freudiano de id, pois seus impulsos, muitas vezes destrutivos, resultam da repressão de suas necessidades e da marginalização que sofre.

No entanto, como observado por Tavares (2009), a coexistência das pulsões de vida e morte se manifesta em sua busca incessante por justiça, o que confere a ela uma dimensão de resistência, mas também de tragédia.

Ao lutar por igualdade, ela encarna a tensão entre o desejo de destruir aquilo que a oprime e o anseio de construir um mundo mais justo e equilibrado. Sua personagem, marcada pela ambiguidade, ilustra o contínuo dilema psíquico entre destruir e criar, entre a negação e a afirmação de sua própria identidade.

Pulsões, superego e imagem social

Por outro lado, Glinda representa um reflexo da internalização das normas sociais, como sugerido pela teoria do superego. A constante busca pela aceitação e pela perfeição, observada em sua preocupação com a imagem social, reflete as forças externas que moldam sua psique e a tornam vulnerável à conformidade.

Como observa Mishima (2008), indivíduos dominados pelo superego são frequentemente motivados por um desejo de aprovação externa, em detrimento de suas necessidades internas. Glinda se vê dividida entre a busca pela perfeição e o desejo de experimentar relações genuínas.

Sua jornada, ao longo do filme, é marcada por uma transição significativa, na qual ela passa a questionar as normas que a definem e a buscar um sentido mais profundo em suas ações, o que a leva a adotar uma postura mais altruísta e empática em certo momento.

Pulsões de vida e morte em conflito

A interação entre essas duas figuras, aparentemente opostas, exemplifica a luta psíquica entre as pulsões de vida e morte. A relação delas, marcada por atritos e aproximações, reflete a dinâmica da psique humana, onde impulsos destrutivos e construtivos se confrontam e coexistem.

Como enfatizado por Tavares (2019), o constante embate entre Eros e Thanatos é o que impulsiona o movimento da vida psíquica, e é essa tensão que torna a relação entre Elphaba e Glinda tão fascinante.

Suas diferenças não as afastam de forma definitiva, mas criam uma linha tênue que, ao longo da narrativa, permite a construção de uma amizade complexa e transformadora. A tensão que surge da oposição entre suas personalidades, ao invés de ser um obstáculo, torna-se uma força criativa, que possibilita o crescimento de ambas.

Magia, repressão e identidade

Além disso, a formação das identidades dessas personagens está intrinsecamente ligada ao contexto social em que estão inseridas. A marginalização de Elphaba e as expectativas sobre Glinda são moldadas por uma cultura que exige conformidade e repressão dos impulsos mais autênticos.

Flores (2021) argumenta que o meio social, longe de ser uma força determinante, oferece um campo de possibilidades que influencia, mas não limita o desenvolvimento pessoal. Nesse sentido, a magia em Wicked não é apenas um recurso narrativo, mas uma metáfora para a maneira como as forças sociais e os impulsos inconscientes se entrelaçam na construção da identidade.

Para Elphaba, a magia representa tanto uma forma de resistência quanto de expressão de sua identidade reprimida, enquanto para Glinda, ela serve inicialmente para reforçar uma imagem superficial, até ser reconfigurada como uma ferramenta de autoconhecimento e generosidade.

Conclusões sobre a psique e os vínculos humanos

Portanto, ao concluir a análise psicanalítica de Wicked (2024), percebemos que a obra oferece uma rica oportunidade para refletirmos sobre as forças inconscientes que moldam as relações humanas, assim como a tensão entre as pulsões de vida e morte que permeiam nossas ações e decisões.

A trajetória de Elphaba e Glinda nos convida a pensar sobre a construção da identidade, a luta entre os impulsos sociais e pessoais, e a capacidade de transformação diante das pressões externas.

Ao final, Wicked nos oferece uma poderosa metáfora para a complexidade da psique humana, mostrando que, apesar das diferenças que nos separam, é possível construir pontes que nos permitem crescer e redefinir nossa identidade de forma mais autêntica e significativa.

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