Neste artigo, exploramos os motivos inconscientes que levam tantas pessoas a permanecerem em relacionamentos tóxicos, mesmo diante do sofrimento evidente. Com base na psicanálise, abordamos conceitos como compulsão à repetição, mecanismos de defesa e identificação projetiva, analisando como esses fatores estruturam vínculos prejudiciais e dificultam o rompimento.
O que está por trás dos relacionamentos tóxicos
A experiência de ser rotulado como “tóxico” em um relacionamento interpessoal é, sem dúvida, dolorosa e carregada de implicações. Seja no âmbito familiar, amoroso ou profissional, essa denominação aponta para padrões de comportamento que causam sofrimento e desequilíbrio na dinâmica da relação.
No entanto, o que acontece quando, apesar dessa percepção de toxicidade, não há um afastamento entre as partes envolvidas? Por que, em algumas situações, indivíduos permanecem presos a laços que reconhecem como prejudiciais?
A Psicanálise, com sua profundidade na compreensão da mente humana e das relações objetais, oferece perspectivas valiosas para desvendar essa complexa questão.
Para a Psicanálise, a dinâmica de um relacionamento não se resume à interação consciente e racional entre dois indivíduos.
Ela mergulha nas camadas mais profundas do inconsciente, onde residem desejos, medos, repetições de padrões passados e mecanismos de defesa que moldam a forma como nos conectamos com o outro.
Quando o rótulo de “tóxico” emerge, é crucial analisar não apenas os comportamentos manifestos, mas também a intrincada teia de fatores psíquicos que sustentam a continuidade dessa relação, mesmo diante do sofrimento.
Compulsão à repetição e padrões familiares em relacionamentos tóxicos
Um dos pilares da teoria psicanalítica é o conceito de compulsão à repetição. Freud observou que, muitas vezes, tendemos a reviver em nossos relacionamentos atuais dinâmicas e padrões estabelecidos em nossas primeiras relações, principalmente com nossos cuidadores primários.
Mesmo que essas experiências iniciais tenham sido marcadas por dor, negligência ou abuso, o familiar, ainda que doloroso, pode exercer uma força de atração inconsciente.
Nesse sentido, uma pessoa que internalizou um modelo de relacionamento onde a crítica, a manipulação ou a instabilidade emocional eram constantes pode, inconscientemente, buscar ou manter relações que reproduzam essa atmosfera.
O “tóxico” se torna, paradoxalmente, familiar e, de certa forma, “confortável” em sua previsibilidade disfuncional. A ruptura com esse padrão, embora desejada conscientemente, pode gerar angústia e a sensação de perda de algo conhecido, mesmo que prejudicial.
Da mesma forma, a pessoa rotulada como tóxica pode estar repetindo padrões internalizados em sua própria história.
Comportamentos como o controle excessivo, a agressividade passiva ou a vitimização constante podem ser manifestações de feridas psíquicas não elaboradas, transferidas para a relação atual.
Transferência, contratransferência e dependência emocional
No cerne de qualquer relacionamento interpessoal, a Psicanálise destaca os fenômenos da transferência e da contratransferência.
A transferência ocorre quando um indivíduo desloca para o outro sentimentos, desejos e expectativas originários de relações passadas significativas.
Em um relacionamento “tóxico”, a pessoa que sofre com os comportamentos do outro pode estar transferindo para ele figuras parentais críticas, negligentes ou abusivas, revivendo antigas dinâmicas de dependência ou submissão.
QUERO INFORMAÇÕES PARA ME INSCREVER NA FORMAÇÃO EM PSICANÁLISEErro: Formulário de contato não encontrado.
Por outro lado, a pessoa considerada tóxica também opera sob a égide da transferência, projetando no outro suas próprias necessidades não atendidas, medos e conflitos internos.
Essa projeção pode levar a comportamentos de controle, ciúme excessivo ou desvalorização, como uma tentativa inconsciente de lidar com suas próprias inseguranças e ansiedades.
A contratransferência, por sua vez, refere-se às reações emocionais inconscientes que a pessoa que recebe a transferência experimenta.
Em um relacionamento tóxico, a contratransferência pode se manifestar como sentimentos de raiva, frustração, culpa ou até mesmo um desejo de “salvar” o outro.
Essas reações, se não forem reconhecidas e elaboradas, podem aprisionar ainda mais as partes na dinâmica destrutiva.
Mecanismos de defesa que impedem o rompimento de relacionamentos tóxicos
O psiquismo humano dispõe de diversos mecanismos de defesa para lidar com a dor e a angústia psíquica. Em relacionamentos tóxicos onde não há afastamento, esses mecanismos podem atuar como barreiras inconscientes à mudança:
-
Negação: A pessoa pode negar a gravidade da situação, minimizando os comportamentos tóxicos ou racionalizando-os como “apenas um jeito de ser”. Essa negação impede o reconhecimento da necessidade de mudança ou afastamento.
-
Idealização: A idealização do outro, mesmo diante de comportamentos prejudiciais, pode manter a esperança de que a pessoa “vai mudar” ou que “no fundo, ela é boa”. Essa idealização impede a percepção realista da toxicidade da relação.
-
Identificação com o Agressor: Em situações de abuso ou manipulação, a vítima pode, inconscientemente, identificar-se com o agressor, internalizando seus valores e comportamentos. Esse mecanismo de defesa, embora disfuncional, pode gerar uma sensação de poder ou controle dentro da dinâmica abusiva.
-
Masoquismo: Em alguns casos, a busca inconsciente por sofrimento e punição pode levar um indivíduo a permanecer em relações que lhe causam dor, como uma forma de expiação de culpas inconscientes.
-
Dependência Emocional: A dependência emocional, muitas vezes enraizada em experiências de insegurança e baixa autoestima, pode aprisionar a pessoa em um relacionamento tóxico por medo da solidão ou da incapacidade de viver sem o outro, mesmo que esse outro seja a fonte de seu sofrimento.
Identificação projetiva: um ciclo vicioso inconsciente
Um conceito psicanalítico particularmente relevante para entender a persistência em relacionamentos tóxicos é a identificação projetiva.
Nesse processo inconsciente, um indivíduo projeta no outro aspectos seus não desejados ou não reconhecidos. A pessoa que recebe essa projeção pode começar a se sentir, pensar e agir de acordo com o que foi projetado, mesmo que isso não corresponda à sua realidade interna.
Em um relacionamento tóxico, a pessoa que se comporta de maneira prejudicial pode projetar no outro sentimentos de inadequação, raiva ou culpa.
A vítima, por sua vez, pode internalizar essas projeções, começando a duvidar de si mesma, a se sentir culpada ou a reagir com raiva, perpetuando a dinâmica tóxica.
A identificação projetiva cria um ciclo vicioso onde as partes se sentem presas em papéis disfuncionais, dificultando a percepção clara da dinâmica e a possibilidade de rompimento.
Atrações inconscientes e a busca por complementaridade
Outra perspectiva psicanalítica sugere que, em alguns relacionamentos, há uma busca inconsciente por complementaridade.
Indivíduos com feridas psíquicas ou necessidades não atendidas podem se atrair por parceiros que, de alguma forma, “encaixam” nessas lacunas, mesmo que de maneira disfuncional.
Por exemplo, uma pessoa com forte necessidade de controle pode se ligar a alguém com tendência à submissão, criando uma dinâmica de poder desequilibrada, mas que, inconscientemente, satisfaz a ambos.
Caminhos para romper o vínculo prejudicial
Em suma, a permanência em relacionamentos rotulados como tóxicos, sob a ótica da Psicanálise, é um fenômeno complexo e multifacetado.
Não se trata apenas de uma falta de “força de vontade” ou de uma escolha consciente de permanecer no sofrimento.
Em vez disso, essa persistência é frequentemente sustentada por uma intrincada teia de repetições inconscientes, dinâmicas de transferência e contratransferência, mecanismos de defesa enraizados e processos como a identificação projetiva e a busca por complementaridade.
Romper um relacionamento tóxico exige, antes de tudo, um processo de autoconhecimento e elaboração das dinâmicas psíquicas inconscientes que aprisionam as partes.
A Psicanálise, através da análise do inconsciente e da exploração das relações objetais internalizadas, pode oferecer um caminho para a compreensão dessas dinâmicas e, consequentemente, para a possibilidade de um afastamento saudável e a construção de relações mais nutritivas e equilibradas.
Autoconhecimento e apoio emocional como saída
A jornada para se libertar de um padrão tóxico muitas vezes requer coragem e o apoio de um profissional que possa auxiliar na desconstrução desses laços invisíveis que, paradoxalmente, mantêm as pessoas unidas em meio ao sofrimento, abrindo caminho para que cada um busque satisfazer essas necessidades de maneiras mais saudáveis e fora dessa relação destrutiva.
A psicanálise encoraja um profundo mergulho no autoconhecimento, ajudando cada pessoa a entender seus próprios padrões de comportamento, suas vulnerabilidades e suas contribuições para a dinâmica tóxica.
Ao invés de focar em culpar o outro, a análise busca promover a responsabilidade individual sobre os próprios sentimentos, ações e escolhas dentro da relação.
Em resumo, a psicanálise não oferece soluções mágicas para “consertar” um relacionamento tóxico. Seu objetivo principal é promover um entendimento profundo das dinâmicas inconscientes que sustentam essa relação.
Ao trazer à luz esses padrões ocultos, a psicanálise pode capacitar cada indivíduo a tomar decisões mais conscientes sobre seu futuro, seja buscando uma mudança genuína na dinâmica da relação (o que é raro em casos de toxicidade severa), seja encontrando a força para se afastar e construir relacionamentos mais saudáveis no futuro.
O processo é individual e nem sempre leva à reconciliação, mas busca a saúde psíquica e o bem-estar de cada um dos envolvidos.
—
Artigo escrito por: Viviane Stenzowski – (41) 98864-6235
Psicanalista e Psicoterap. do Puerpério Emocional – [email protected]