Neste artigo, vamos explorar o sonho como linguagem, investigando como ele expressa conteúdos do inconsciente, atravessa dimensões neuropsíquicas e ocupa um papel central na vida psíquica. A partir das contribuições de Freud e de outras abordagens psicanalíticas, o texto também dialoga com descobertas da neurociência sobre o sono e os mecanismos do sonho.
O Sonho como Linguagem do Inconsciente e Expressão Neuropsíquica
Desde a publicação de A Interpretação dos Sonhos, em 1900, Sigmund Freud inaugurou uma nova compreensão sobre o sonho, colocando-o no centro da vida psíquica e definindo-o como via privilegiada de acesso ao inconsciente.
Ao invés de serem vistos como fenômenos místicos ou puramente fisiológicos, os sonhos passaram a ser compreendidos como expressões simbólicas de desejos reprimidos e conteúdos recalcados.
Na psicanálise, isso transforma o sonho em uma ferramenta central para acessar os conflitos inconscientes do sujeito. O sono e o sonho interessam tanto à Psicanálise quanto à Psicologia, pois envolvem processos mentais e neurofisiológicos complexos.
Sonho como linguagem e funcionamento cerebral
Com os avanços do século XX, especialmente a introdução do eletroencefalograma (EEG), tornou-se possível mapear as oscilações cerebrais durante o sono e relacioná-las à atividade psíquica. O sono é dividido em duas fases principais: NREM, que promove relaxamento e redução da atividade cerebral, e REM, caracterizado por intensa atividade cortical, sonhos vívidos, movimentos oculares rápidos e paralisia muscular.
No REM, há variações fisiológicas que se aproximam do estado de vigília, como aumento da frequência cardíaca e respiratória. Esse estado também envolve reações fisiológicas sexuais — ereção peniana e lubrificação vaginal —, mesmo sem conteúdo erótico explícito nos sonhos, o que demonstra a ativação de centros cerebrais ligados à excitação sexual.
Tais achados indicam que o sonho envolve não apenas manifestações mentais, mas também respostas do corpo. Nathaniel Kleitman e Eugene Aserinsky foram pioneiros na associação entre o sono REM e os sonhos. Suas descobertas mostraram que o sono se organiza em ciclos entre NREM e REM, sendo o REM mais associado a relatos oníricos intensos.
Aspectos neuropsíquicos do sono REM
Estudos posteriores, como os de Leon L. Altman, aprofundaram essa relação, mostrando que o REM envolve ativação do sistema límbico, associado à emoção, memória e impulsos primitivos. Essa ativação sugere uma regressão funcional do cérebro, alinhando-se à teoria freudiana de que o sonho é um retorno a formas arcaicas do funcionamento psíquico, conectadas à infância.
Para Freud, o sonho é uma realização disfarçada de um desejo inconsciente. No processo onírico, esse desejo é transformado por mecanismos como condensação, deslocamento e simbolização, resultando no sonho manifesto (o que se lembra ao acordar). O conteúdo latente, mais profundo, só pode ser revelado pela interpretação psicanalítica, por meio da associação livre.
Desejo inconsciente e linguagem onírica
Assim, os sonhos tornam-se importantes instrumentos terapêuticos, revelando os conflitos psíquicos do sujeito. Entretanto, a teoria freudiana não ficou isenta de críticas. Erich Fromm, por exemplo, valorizava os sonhos, mas questionava a ideia de que todos fossem realizações de desejos reprimidos.
Para ele, os sonhos também expressam conflitos existenciais, angústias sociais e necessidades simbólicas mais amplas, indo além do desejo sexual inconsciente. Fromm propôs que os sonhos funcionam como uma linguagem cifrada da alma humana, podendo revelar aspectos do sujeito e da sociedade.
Críticas e reformulações contemporâneas
Outra crítica recorrente refere-se aos pesadelos, que parecem contradizer a noção de realização de desejos. Freud respondeu a isso afirmando que os desejos inconscientes são ambivalentes, podendo incluir aspectos masoquistas ou sádicos, o que justificaria a existência de sonhos angustiantes como forma de satisfação inconsciente.
Autores contemporâneos como Thomas S. Szasz questionaram a validade da interpretação dos sonhos, apontando sua subjetividade e dificuldade de comprovação empírica. Além disso, argumenta-se que os símbolos oníricos são altamente influenciados por fatores culturais, sociais e históricos, o que limita uma interpretação universal.
Outras abordagens psicanalíticas sobre o sonho
Outras escolas psicanalíticas, como a junguiana, a existencial, a relacional e a intersubjetiva, expandiram o campo de interpretação dos sonhos. Nessas abordagens, os sonhos são vistos como manifestações da criatividade psíquica, formas de integração da personalidade e instrumentos de elaboração emocional.
Mesmo divergindo da ortodoxia freudiana, essas correntes mantêm o sonho como elemento central da experiência psíquica. Portanto, embora a teoria freudiana tenha inaugurado uma revolução na forma de entender os sonhos, ela também abriu espaço para questionamentos e reformulações que enriqueceram a compreensão da mente humana.
Entre neurociência, subjetividade e clínica
Atualmente, os sonhos são compreendidos como fenômenos que cruzam as fronteiras entre corpo e mente, biologia e cultura, inconsciente e realidade. Graças aos avanços das neurociências, é possível compreender com mais precisão os processos fisiológicos do sono, sem negar os significados subjetivos e simbólicos dos sonhos.
QUERO INFORMAÇÕES PARA ME INSCREVER NA FORMAÇÃO EM PSICANÁLISEErro: Formulário de contato não encontrado.
Assim, o sonho permanece sendo uma das expressões mais ricas do psiquismo humano, ocupando um papel fundamental na clínica, no autoconhecimento e na investigação interdisciplinar da subjetividade. Interpretar sonhos, portanto, continua sendo uma chave valiosa para acessar os mistérios da mente e da alma humana, mesmo diante das mudanças teóricas, críticas e avanços científicos.
A Psicanálise, ao manter vivo esse interesse, reafirma o valor do sonho como expressão fundamental da vida psíquica.
—
Este texto sobre o sonho como linguagem foi criado por Amanda Pereira Gomes, exclusivamente para o blog Psicanálise Clínica.