Reflexão sobre a terapia através da música e da fala em espaços informais.

Terapia através da Música: reflexões fora do Setting

Publicado em Publicado em Psicanálise e Sociedade

Vamos compartilhar uma crônica reflexiva escrita por uma aluna sobre a terapia através da música, inspirada em experiências e observações do cotidiano à luz da psicanálise.

O texto não é um estudo clínico formal, mas uma leitura sensível e pessoal do impacto simbólico das conversas, da música e da escuta em espaços sociais — com destaque para a potência terapêutica da fala, mesmo fora do setting tradicional.

Terapia através da Música: Meu Disfarce – Autores:(Chico Roque/Carlos Colla)

Vamos analisar através da música, “Meu Disfarce” (Chico Roque e Carlos Colla), observamos que a “Terapia de boteco”, quando pesquisamos in loco, vamos liberando emoções, numa roda de conversa entre amigos ou não, em que todos falam a mesma linguagem. Quando observamos todo o movimento dos que estão a beber, a conversar, a discutir seus desejos, vontades, angústias, etc.

A Terapia de boteco existe e é fundamental para liberar as emoções que estão “presas” no Id. A conversa flui, as pessoas se soltam, dão gargalhadas, brincam, se divertem, mas também choram. Falam coisas que jamais falariam.

Nesse momento, se vê que a terapia acontece; o acalento das palavras ditas em conformidade com o teor do álcool, da sensibilidade do outro. Às vezes, até se pensa que tudo o que se passa ali, não sairá dali.

Que aquilo é como se fosse um vulcão em erupção, saindo as larvas quentes comparadas as frustrações, angústias, tristezas, o amor perdido, o luto.

As temáticas da Terapia de Boteco

São várias as temáticas da terapia de boteco: relatar como foi amado, ou ainda, como foi esquecido; as lágrimas que caíram na face, da perda do emprego, enfim, daquilo que nos perturbam ou que se está em luto.

Muitos chegam ao bar, e pronto, conversam com o barman, tudo o que vem a cabeça; palavras soltas ou não, mas que naquele momento fazem toda a diferença. E se fica a imaginar que por ser alguém desconhecido, se ficará mais à vontade, mais relaxado.

E também, caso se queira, não precisa mais voltar àquele lugar. Essa certeza faz com que o analisando se solte, extravase o que está no seu Id e incomodando. Portanto, na minha análise a Terapia de boteco é real.

Como acontece a Terapia de Boteco?

A terapia de boteco existe com toda certeza. E por ser funcional, livre, não requer regras, sem normas de conduta. Simplesmente, acontece e é acessível a todos que se permitem, em particular, pelos mais carentes, mais solitários, frustrados por traumas emocionais, retidos em condições adversas; considerando ainda, que tudo o que se quer pode ser falado.

Noto que a pessoa só quer ser ouvida.

A Terapia de boteco vai “trabalhar” o amor represado, o amor que se perdeu e ficou recalcado. O importante mesmo é se falar o que se sente, aquilo que está dentro de si, recolhido.

Como se o que tivesse guardado fosse um tesouro, que através da coragem, oriunda de uma música, tocada ao fundo, o liberta das emoções retidas, os versos declamados durante a música, o transporta para os seus sentimentos mais profundos, dando assim, a coragem de libertar seus recalques.

Uma libertação tanto emocional como físico, as coisas que lhe são impostas à revelia dos seus sentimentos e são empurradas para bem fundo do seu ser, quase querendo ignorar e ai, vem à tona, através da música.

Quem é o analista e quem é o analisando?

Também, de um amigo feito no bar, que talvez nunca se encontre ou através de você mesmo repousando o seu sentimento, a sua necessidade de estar próximo do que se perdeu, seja por morte, fim de relacionamento ou simplesmente, não ter falado as palavras certas na hora certa.

O tempo passou, a tristeza chegou. Isso tudo criou um recalque, uma melancolia; porém quando se consegue liberar essa tristeza, há a diversão e o relaxamento.

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Essa é a Terapia de boteco, que através da palavra, da letra de uma música, conversa entre amigos ou até desconhecidos; sendo assim, nos damos a oportunidade de demonstrar e exemplificar os nossos sentimentos sem ressalvas, jogando conversa fora.

Às vezes, nem falando sério, em tom de brincadeira, gestos exacerbados, gritos frenéticos, danças exageradas; dando assim, ênfase a liberação física e mental, não se importando com as críticas, julgamentos, observações.

Terapia de Boteco = Terapia em Grupo?

Um momento único e incomparável: a sua liberdade no covil, pois lá todos têm seus próprios venenos, sendo liberados em doses homeopáticas uns sobre os outros.

Uma terapia em grupo que nunca poderemos replicar mas podemos nos aproximarmos dessa realidade, através da confiança e da imparcialidade nos fatos narrados por nosso analisando de tudo que o incomoda e que dói no coração.

Tendo em vista, como estamos dispostos a estar disponíveis sem ressalvas, aguardando pacientemente, que o analisando através da sua confiança, libere fatos ocorridos que o incomodam a tal ponto de provocar situações constrangedoras e impróprias.

Terapia através da Música: Amor pra Recomeçar – Autor: Frejat

A influência terapêutica da música no ambiente social

Fomos pesquisar em um bar, onde uma geração mais moderna, porém com um toque de nostalgia e luto.

A terapia que a música nos apresenta, que acalma, que libera nossos sentimentos, mostra nosso caminhar, como também, demonstra que a musicoterapia é uma realidade.

Versos que despertam emoções e memórias

Falamos, anteriormente, da Terapia de boteco e sua relação com a música apresentada. Também no caso da música, as palavras certas que são ditas durante os versos, estrofes dessas músicas, provocam, sim, uma terapia.

Quem não já ouviu dizer sobre alguém, que em dado momento, colocou em sua vitrola, aqueles chamados “bolachões” pra tocar em virtude de estar triste, sem ânimo de viver?

O impacto emocional da escuta musical

A música traz de volta esse ânimo, a alegria de viver e muito mais. E esta música “Amor pra Recomeçar” (Frejat) nos dá os princípios da terapia; basta prestar atenção nos versos que nos transportam para o estudo de casos, das pessoas que sofrem uma perda, seja afetiva, de emprego, de um ente querido, enfim, de não ser feliz em suas escolhas; até, mesmo rir da própria condição em um momento insano.

A música como facilitadora da fala e da escuta

Tudo isso e muito mais, encontramos nessa música.

Essa letra nos remete ao que necessitamos, inclusive, facilita a compreensão, o entendimento em relação a terapia em si com nosso analisando.

Percebemos, também, a dificuldade que o indivíduo, muitas vezes, ao se comunicar, utiliza a música, um ombro amigo, uma pessoa que conheceu na rua, mero ouvinte, para contar inclusive, suas intimidades.

A falsa alegria como expressão do sofrimento

Tem pensamentos exacerbados com alegrias falsas, chistes, atos falhos e age como se tudo fosse maravilhoso, como se conhecesse todo mundo.

Conhecemos um senhor, hoje falecido, que, na orla, era conhecido como “tiozinho”. Ele falava com todos que por ali passavam, era uma pessoa alegre, extrovertido, e altamente, depressivo: ele se escondia por trás da “falsa” alegria.

A busca de sentido por meio do outro

A depressão, muitas das vezes, se camufla na alegria, nos falsos pensamentos de conquistas, da necessidade de ter algo e lutar para esse fim; porém, quando se alcança, a tristeza se instala, pois não é aquilo que ele busca. Não é exatamente o que se quer.

Ele queria ser feliz com ele mesmo, mas como não consegue, vai se extrapolando de diversas maneiras, seja no comportamento, no falar, no sorrir, no comunicar.

O alívio pela expressão espontânea

Tudo isso de modo a demonstrar se é alegre demais, ou se, simplesmente, usa da autoflagelação; às vezes, fala muito. Essas são as temáticas que o mundo nos apresenta.

Essa música diz muito disso que foi relatado: basta ouvir atentamente o teor da letra, que sem dúvida, nos remeterá a muito do que estudamos ao longo do curso. Muito terapêutica ao que se pode observar aos detalhes dessa música.

A observação clínica no cotidiano

Essa análise foi feita num bar, em que fizemos essas observações de comportamentos variados.
Houve também, uma observação pontual a um senhor que, ao se exercitar na orla, tinha por hábito a conversa harmoniosa com todos ou quase todos que por ali, também passavam.

A interdependência emocional nas relações

Demonstrava assim, um conjunto de patologias que nos transportam ao nosso estudo da interdependência das pessoas a procurarem a felicidade não em si, mas através do outro, pedindo a anuência às pessoas que nos rodeiam, como se nossa felicidade pudesse ser intuída, recebida através das relações interpessoais.

O sujeito e sua responsabilidade pela própria felicidade

Em síntese, nós devemos procurar a felicidade dentro de nós mesmos; dentro da capacidade de coexistir em meios adversos, pois só podemos controlar o que somos.
Quando, damos ao outro o poder da nossa felicidade, da nossa aceitação de nós mesmos, transferindo nessa função que não cabe a ninguém, a não ser nós mesmos.

O sofrimento subjetivo no cotidiano

Nessa pesquisa, me deparei com pessoas tristes demais, num banzo contínuo, evidenciando que nada que o mundo se lhe apresenta é agradável ou satisfaz plenamente, para lhe trazer a felicidade.

Sempre há um defeito, nas narrativas contidas nos medos, pavores, nas tristezas profundas, nos receios, medos, levando a acreditar que, na verdade, na simbiose de seus traumas, coexiste a interdependência da não aceitação do seu eu próprio.

A escuta terapêutica e o início da transformação

Quando, nessa narrativa, nosso amigo procurou ajuda de um terapeuta, ele passou a ver um mundo com outros olhos: os seus olhos, evidenciando assim, o início de uma relação consigo mesmo, dando assim, uma chance na auto aceitação das suas falhas emocionais como também suas limitações. No caso da tristeza, equivale também ao excesso da alegria, com o mesmo caminhar psicológico.

Conclusões sobre Terapia através da música, com base fenomenológica e social

A escuta e a música como suporte à vida

Sigmund Freud sempre achou que era necessário o profundo silêncio para acontecer a terapia.
Discordo em parte com o nosso estudioso no que diz respeito, em particular, com a música, pois a mesma acalma, traz paz. A exemplo disso, temos o CVV (Centro de Valorização da Vida), cuja finalidade é de salvar vidas, dando suporte a muitas pessoas que tentam tirar a própria vida, cometer o suicídio.

A função simbólica da música no CVV

O contato com o CVV, normalmente é feito por telefone, na maioria das vezes. Muitas vezes, quem está na condição de terapeuta, em algum momento, orienta o ouvinte a escutar uma música de que gosta muito.
Assim, naquele instante, a pessoa vai se acalmando, dando o tempo necessário para que a mesma se perceba mais tranquila, serena para não cometer o desatino de tirar a própria vida.

Terapia através da Música como estratégia de acolhimento

Por isso, pensamos ser a música de grande valia em muitos casos em que vamos trabalhar a psique humana.

Pela experiência que tivemos no CVV, através de voluntários dessa ONG, cremos ser a música uma forte aliada para alguns casos em que a música em conjunto com outros meios terapêuticos, fez toda a diferença.

Na verdade, se está do outro lado da linha a escutar e fazer repensar o ato suicida.

A construção de vínculo pela sensibilidade musical

Alguns voluntários, também, contribuíram com ideias que faziam uso, tipo: eles pediam para que os atendidos, no momento do desespero, depois de certo tempo de diálogo, dissessem do que mais gostavam de fazer; ou seja, o hobby, algo que o atraíssem, e também, por fim, a música de que gostavam de ouvir.

Nesse órgão CVV, normalmente, não se tem psicólogos, psicanalistas ou psiquiatras. São pessoas com a vontade de ajudar o próximo.

Terapia a através da música: escutar (música) é um ato terapêutico

Foram muitas experiências partilhadas em órgãos de atendimentos voluntários que corroboraram a chegar a conclusão do quão valioso é escutar o próximo com o fim de ajudá-lo.

Devemos salientar que dentro do setting analítico, a música não seja aplicável, porém, em certas situações, fará toda a diferença.

A música como apoio complementar à análise

Não defendemos, evidentemente, somente a música como ferramenta para que uma terapia seja bem sucedida; contudo, como afirmamos, anteriormente.

Na prática, ela contribui e muito para o analisando voltar ao equilíbrio; e no caso do CVV, desviar a atenção e repensar as questões que, por ora, o fizeram pensar em suicídio.

O gosto musical como expressão subjetiva

E uma outra questão que merece destaque é que, ao informar a música de que mais gosta, o voluntário conhecerá um pouco mais do perfil de quem está do outro lado da linha do telefone em conflito: a música diz muito da pessoa.

E no final daquele diálogo bem sucedido, a harmonia, a paz, e a compreensão já dominarão aquele discurso antes, desorientado.

Não à toa, defendemos a música como uma alternativa fortemente a ser considerada em meios terapêuticos.

Terapia através da Música como fator de prevenção

Enfatizamos que muitos que utilizaram a música no CVV, evitaram o suicídio daqueles assistidos.

Ressaltamos, ainda, que o uso da música no CVV, ainda é pouco utilizado por alguns voluntários; contudo, em alguns centros espíritas ainda se faz uso; a exemplo disso, constatamos, na prática, alguns palestrantes ministrando suas palestras através da música.

Música, espiritualidade e suporte emocional

Tornando assim, o ambiente calmo, aliviando as tensões provocadas pelos traumas emocionais de perda, luto, desencantos, confortando pessoas em crise, doenças terminais, desgosto pela vida; encontrando, assim, através da música, um alento para seus traumas emocionais de um modo geral.

O recurso lúdico como facilitador terapêutico

Sendo assim, a música é uma ferramenta para se encontrar caminhos durante uma terapia em grupo, dando margens a uma aproximação psicológica entre o terapeuta (o palestrante) e o assistido (a plateia).

No caso em questão que se trata de uma plateia de um centro espírita, no qual, colhemos dados de pesquisa para analisar diante da visão terapêutica, a ação sofrida pelos assistidos, onde, observamos a melhora no semblante das pessoas.

A leveza como instrumento de acolhimento

Notamos também, a atitude lúdica que o palestrante demonstrava através dos gestos e palavras, em tom de brincadeira, coisas sérias e pertinentes a pessoas que se encontravam em profundo sofrimento psicológico e físico.

Defendemos, plenamente esta abordagem, onde aliviamos traumas através de atitudes jocosas e lúdicas e sempre através da música.

Conclusão: Terapia através da música é também terapia fora do consultório

Esta é uma abordagem consciente e terapêutica. Não em consultório mas na convivência do mundo externo, onde temos pessoas que contribuem através do conhecimento teológico e religioso.

Além de serem voluntários no exercício de ajudar o próximo, tendem a demonstrar qualidades que, nós, profissionais da área, teremos de absorver, pois receberemos em nosso consultório, pessoas de diversas religiões e teremos de ser imparciais, sem demonstrar qual a nossa conduta religiosa.

Este texto sobre a terapia através da música ou músicas que falam sobre terapia foi escrito por DEBORAH ROCHA COSTA, para o blog da formação em Psicanálise Clínica.

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