Escuta psicanalítica e relações de confiança transformando histórias marcadas por trauma e silêncio.

Trauma e Psicanálise: quando o trauma molda os vínculos

Publicado em Publicado em Transtornos e Doenças

Vamos entender as relações entre trauma e psicanálise. Usaremos três estudos de caso para refletir sobre como a escuta psicanalítica e as relações revelam aspectos profundos do universo interno. A partir da escuta atenta e acolhedora, é possível perceber como o autoconhecimento se manifesta tanto em adultos quanto em crianças, favorecendo processos de reconexão consigo mesmo e com o outro.

Estudo de Caso I : Equilíbrio Através da Meditação

Vivências internas e escuta do corpo

Ao conversar com nossa própria consciência, acerca dos nossos problemas pessoais e aqueles problemas que ignoramos — os vícios, as necessidades, de um modo geral, a vida dentro do contexto global — estamos o tempo todo sendo influenciados por todas as coisas que não explicamos, nem sabemos ao certo se irão acontecer ou não; aquela necessidade de ser e ter a compreensão do outro em várias vertentes que nos transportam a uma realidade mais íntima.

Sendo assim, encontramos certa feita um amigo que transpôs essa magnitude do ser, dentro de si próprio, e através da meditação conseguia transpor os problemas dele próprio e ensinou uma prática que, hoje, com os estudos que tivemos acesso no curso de psicanálise.

Isto nada mais é que uma análise feita através da meditação que, segundo ele, era o meio pelo qual conseguia se livrar de vícios, traumas, fobias. Para isso, ao fechar os olhos e a mente, procurava focar em volta do problema, sempre voltando ao trauma, até que ele aceitasse aquilo que o incomodava.

A escuta voltada para o interior

É como se a psique “falasse”: o hábito de fechar os olhos é totalmente sem propósito terapêutico, mas o fato de conseguir focar naquele problema, naquela situação, no que está o afligindo, isto era importante.

Era como saber lidar com as emoções que estão dentro de si, sem extrapolar para o mundo. Havia a consciência de que era viciado em drogas, sexo, na gula, em roer unhas, em ter posições adversas.

Inclusive, aceitar ser humilhado, e também humilhar, ser manipulado de modo prazeroso — isto fazia se diminuir a si próprio, dando assim os passos que reduziam a pessoa como ser humano.

Do vício ao início da auto cura

E quando começava a ter essa consciência de que o vício nada mais era que a insistência de permanecer nesse ciclo e se autodestruir, começou a auto cura com a ajuda de um profissional — um psicanalista — mas principalmente com a ajuda de si mesmo, no ato de aceitar como se é e o que se pode fazer pra modificar aquilo que tanto o incomodava.

Nesse sentido, Freud nos deu à luz da sapiência de nós mesmos termos a condição de pensarmos, amarmos nossas “misérias” e acalentarmos o que passou por nossa vida sem retirar nada.

Como também, sem empurrar pro fundo do nosso Id aquilo tudo que não nos agrada e, com isso, com o tempo, saturando o nosso próprio “eu”, resultando, mais tarde, em patologias oriundas daquilo que nos fere.

Limites, humanidade e autocompreensão

Portanto, ao final, quando se consegue processar e aceitar como somos, as limitações uma a uma, sem pressa — como foi o caso do nosso amigo tibetano — que percebeu a capacidade de lidar com suas limitações e vícios, contando para isso com a contribuição da terapia e também da meditação.

Evidentemente que isso não é uma cura, mas sim a aceitação da nossa limitação no que diz respeito ao reconhecimento, enquanto ser humano, de que tudo o que nos incomoda tem uma ajuda profissional para diminuir os danos causados por nossos próprios vícios, aceitando o porquê.

Ressignificar dores com apoio e escuta

Deve-se, portanto, buscar além de uma até onde podemos suportar, sem fugas, sem subterfúgios, enfrentando de frente o que somos de verdade.

Essa condição de nos aceitarmos como somos — com fraquezas, acertos, erros, perdas, ganhos, enfim, a vida como se apresenta — tendo com isso a capacidade de suportar quem realmente somos diante da vida.

E essa aceitação, quase nunca conseguimos sozinhos. Apesar da meditação, do autoconhecimento e da consciência dos nossos traumas, precisamos contar com alguém que, simplesmente, nos escute.

Estudo de Caso II : A criança e o lúdico

A criança e suas estórias mirabolantes

Relataremos mais um caso que se trata de uma criança que não se continha ao contar estórias. Ela contava estórias mirabolantes, cada vez mais elaboradas. Primeiramente, pensaram que ela seria uma escritora, mas não.

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Quando perceberam que o contar de estórias não estava ligado ao ato intelectual: não havia conotação acerca do literário. Isso nos fez ver que a lacuna psicológica era bem acentuada.

Quando começaram a perceber que a criança estava vivendo num mundo que não era real, costumeiro, do contexto social, do modo que a vida se apresenta, dentro das “normalidades”.

Educação, hábito e projeções adultas

O adulto tende a passar às crianças a educação que recebeu, e nem sempre sai tudo perfeito, ideal; passa-se a ter um comportamento egoísta e até mesmo possessivo com essas crianças.

Nesse sentido, quando foi procurado um profissional para que o mesmo desse o direcionamento a essa criança, o terapeuta fez com que se percebesse o toque mágico referente a ela.

Lúdico como ferramenta terapêutica

Dando vazão a sua fantasia, ouvindo, criando mecanismos para que ela pudesse extravasar os seus sentimentos e no ato de brincadeira, do lúdico, o terapeuta assim o fez: pegou um vaso de água, colocou anilina, deixando a água na cor azul.

Assim, pediu à criança para que colocasse a mão dentro do vaso de água. A criança, por sua vez, relutou, dizendo que sua mão ficaria suja, e que ficaria toda manchada.

Nesse momento, o terapeuta, incentivando com um certo tom de brincadeira, fez com que a criança colocasse a mão dentro da água. Como foi percebido, obviamente, a mão dela ficou “azul”.

A metáfora da mentira revelada

Daí, ela constatou a mudança no aspecto visual; quando o terapeuta disse para ela, indagando a mudança na cor da mão dela.

Além disso, disse para a criança que se sabe quando está a mentir, assim como a mão “azul”, fazendo por certo a analogia: todos veem quando você conta estórias fantasiosas.

Nesse instante, o terapeuta pede que ela coloque uma luva na mão. E assim, o fez, não vendo mais o azul.

Consciência da mentira e impacto emocional

Conclui-se que isto é a confiança que temos em você, que faz com que você conte as estórias e não percebamos que está a mentir. É isto que você faz: mente, fazendo que acreditemos em suas estórias.

Uma coisa é certa: essa mentira é conhecida. A pessoa que mais necessita de saber dessa verdade é você!

Você tem consciência que por baixo dessa luva, há uma estória, uma mentira. Você tem consciência do que faz, de que mente. Então, por que mentir?

Reflexão da criança e implicações educativas

Nesse instante, a criança indagou se todos tinham conhecimento de que ela mentia. O terapeuta afirmou que sim, porém, nem todos sabiam; pois muitos que a ouviam confiavam nela, acreditavam em suas estórias; contudo, quem mais sabe dessa verdade é você mesma.

Os seus atos são julgados por você própria mais que pelo outro.

A criança saiu da terapia mais leve, porém pensativa; mas não que tivesse parado de fantasiar, porém, indagou à mãe se ela acreditava nela.

Fantasia cotidiana e risco de patologização

Chegamos à conclusão de que não se tratava de uma patologia, em tudo o que foi visto, mas, sim, tratava-se de uma questão de educação, força do hábito.

No caso dessa criança, não havia uma doença. E sim, o saber quem nós somos verdadeiramente.

Às vezes, nas sessões de análise, não são procurados traumas grandes, atos libidinosos, nada disso. Apenas, muitas das vezes, coisas cotidianas que praticamos rotineiramente, no dia a dia, fazendo com que nos percamos nas próprias fantasias; aí, sim, isto pode se tornar patológico.

Estudo de Caso III: A fobia na prática

Primeiros sinais de desconforto e fobia de sujeira

Citaremos, agora, um caso referente à fobia. A insistência em se lavar as mãos.

O paciente chega ao consultório, irrequieto, esfregando as mãos nas pernas, passando a nítida impressão de que estava encontrando um ambiente, não muito limpo; então, estava se sentindo desconfortável no local onde se encontrava.

A primeira atitude que se observa é uma tendência ao medo, é a fobia da sujeira.

Nesse caso, damos ao analisando a oportunidade de fazer a assepsia do lugar onde está.

Conduta ética e limites da atuação

Foi-nos orientado, em nossos estudos e não experiências contínuas referentes a fobias, que não devemos contrariar a vontade do paciente, principalmente sendo a primeira sessão

Logo, deixamos o paciente à vontade, apenas o observando, uma vez que ainda não somos psicanalistas, nem psicólogos, nem psiquiatras; somos aspirantes a psicanalistas. Portanto, esse tratamento tinha de ser indicado por um profissional.

Nossa conduta foi encaminhar o paciente a um profissional, que nos disse acertadamente que o que fizemos estava correto; claro que, para tal conduta, além das observações do analisando, sua postura, comportamento.

Também buscamos recursos através de leituras, artigos, sobretudo de Freud, que nos passou que, em casos similares, houve progresso nesse tipo de comportamento.

O impacto da pandemia e o comportamento compulsivo de limpeza

Buscamos, principalmente, deixar o analisando à vontade para que demonstrasse sua tendência à fobia.

Assim, começamos encaminhando o analisando ao psicanalista, que começou com as abordagens necessárias, percebendo que a necessidade incessante de limpeza era constante e, ao mesmo tempo, estranha.

Normalmente, a pessoa precisa da limpeza, mas não chega a ficar incomodada a ponto de as pessoas perceberem a repulsa em relação às pessoas e coisas; ao toque, às vezes, o uso de luvas, máscaras, quando foi constatado que esse problema foi oriundo do período de confinamento da covid-19.

O paciente ficou muito tempo confinado em seu apartamento com todos os cuidados que, naquele momento, eram precisos, tipo: tudo o que adentrava a casa era limpado com álcool 70%; sapatos deixados fora ao adentrar em casa, etc.

E, com isso, o analisando trouxe para si, de modo tão intenso, que não conseguiu mais sair dessa tendência de ficar o tempo todo preocupado em se contaminar.

Daí, tivemos de fazer um trabalho tanto psicológico como afetivo, aproximando, aos poucos, o analisando às pessoas do convívio social dele: a liberação da máscara, da luva, já que, no presente momento, temos recursos para se evitar um mal maior, como vacinas, também, a higienização devida e necessária.

Quando a proteção se torna patológica

Com isso, as pessoas, de um modo geral, começaram a ter um comportamento mais relaxado; porém, algumas pessoas, como esse analisando, continuam “presas” às normas médicas, ficando, ainda, com extrema preocupação com a contaminação do vírus, acreditando que ainda está em “alta” a pandemia.

Não que a mesma já tenha acabado; porém, há um controle bem mais assertivo acerca dessa doença, dentre outras.

Esse analisando, ao sair, usa máscara em ambientes fechados, com receio de se contaminar quando em contato com outras pessoas.

Não deixa de ser uma proteção, essa barreira; mas, quando essa proteção se torna patológica, vamos buscar ajuda de um terapeuta.

Confiança como ferramenta terapêutica

Aos poucos, em várias sessões, vamos buscando desvendar o que está lá no Id, recalcado, escondido, e que ainda não se consegue colocar pra fora.

Aos poucos, através da terapia, foi-se trabalhando essas questões com o analisando, observando que, quanto mais ele ficava à vontade, mais liberava esses itens de proteção, havendo, para isso, a confiança mútua entre o terapeuta e o analisando.

E, principalmente, nele próprio.

Do simbólico ao concreto: barreiras artificiais e traumas familiares

Enfim, o progresso dentro do setting analítico está ocorrendo a olhos vistos.

Assim, identificando a verdadeira causa de sua patologia, através das narrativas dele, nos colocamos em fase de autodescobrimento, pois o analisando começou a abrir mão de suas proteções materiais, simbolizando as suas frustrações íntimas e recalques pelos quais ele substituía as proteções psicológicas pelas barreiras artificiais dos EPI’s utilizados durante a pandemia.

A partir daí, o nosso analisando, liberando os seus verdadeiros traumas, libertando-se, pouco a pouco, durante as narrativas de fatos contundentes sobre sua vida pregressa, deu ênfase na má formação familiar imposta pela mãe, com excesso de limpeza e higiene pessoal, o deixando traumatizado com essas atitudes.

Fato esse, narrado pelo analisando.

A falta de consciência do analisando referente a esse trauma e a negatividade imposta por ele, o fizeram cometer atitudes de afastamentos interpessoais.

Segue em tratamento.

Este texto sobre trauma e psicanálise foi escrito por DEBORAH ROCHA COSTA, exclusivamente para o blog Psicanálise Clínica.

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