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Cuidado de si e psicanálise: reflexões a partir de Michel Foucault

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Vamos falar sobre o cuidado de si. A grande preocupação da filosofia de Michel Foucault, mesmo que assinalemos a sua multiplicidade temática e de perspectivas, é com o poder, ou melhor, com a institucionalização e com a subjetivação de normas e de condutas derivadas dele.

Cuidado de si: O poder e as suas formas de instituição

Interessante dizer que Foucault concebe o poder de forma móvel e capilar, isto é, cada momento histórico elabora as suas relações de poder específicas e, além do mais, elas estão dispostas na sociedade no modo da horizontalidade, em que se percebe tensões e tramas subjacentes, algo distante do seu entendimento como instância anterior às relações humanas, como natural ou como uma imposição vertical.

Alcances do biopoder e o cuidado de si

Existe, de acordo com Foucault, o biopoder, ou seja, a maneira como o poder se instala no corpo das pessoas. Para o filósofo, duas seriam as maneiras pelas quais esse poder emerge: pelo plano disciplinar e pela biopolítica.

Em um primeiro movimento, temos a docilização dos corpos. Em complemento há a chamada regulação do corpo-espécie da população. Em todo caso, o que se tem é o domínio das normas em uma direção que transcende o campo legal.

A norma aparece, nesse sentido, como um dispositivo catalisador de poderes, pois o seu objetivo último é a padronização, o nivelamento, a homogeneização da vida humana visando o controle. É o que Foucault chama de sociedade normatizadora.

Sobre o cuidado de si

Embora não sejam tão evidentes as leituras que o filósofo francês Michel Foucault realiza sobre a psicanálise de marca freudiana é inegável, contudo, a sua preocupação com a subjetividade, manifesta, sobretudo, em um período mais tardio da sua obra, onde se ocupa com aquilo que denominou como hermenêutica do sujeito.

No âmbito dessa discussão temos a temática do cuidado de si, que faremos dialogar com a psicanálise. A psicanálise, pensando em sua dinâmica teórica e clínica, pode ser inserida na tradição do cuidado de si, que pode ser compreendido como uma maneira de viver, de estar no mundo, em que existe o movimento voltado para si, para as posturas individuais.

O cuidado de si é, de uma maneira ou de outra, um gesto crítico sobre si, buscando entender comportamentos e atitudes, sendo, então, um movimento também verificado através do trabalho psicanalítico. Porque não se deseja apenas o entendimento das maneiras de agir e das formas de relacionamento social realizadas por um determinado sujeito, mas se almeja, correlatamente, modificar essas ações, isto é, construir novas formas de habitar o mundo.

Origens

As origens do cuidado de si, da forma como pensado por Michel Foucault, encontram-se no pensamento grego. Era sugerido, ali, a ação sobre si, o movimento autorreflexivo sobre o sujeito, em que se desejava a transformação de si mesmo.

Foucault argumenta que o “ocupar-se consigo mesmo” oferecia um princípio geral de racionalidade moral, sendo uma maneira de imprimir sentido à vida ativa. O filósofo francês afirma que a conduta de “ocupar-se consigo mesmo” tornou-se até mesmo um fenômeno cultural de conjunto – um gesto representativo de todo um momento histórico.

Sujeitos “não normatizados”

O interesse da psicanálise nas teorias de Foucault incide sobre, antes de tudo, na possibilidade de pensarmos sujeitos “não normalizados”, ou indivíduos que tenham consciência sobre os efeitos do biopoder sobre si mesmos.

Esse voltar-se para si, esse ocupar-se consigo mesmo, que tem a sua raiz grega, pensando, por exemplo, em Alcebíades, invoca uma atitude de mudança comportamental, pois é marcado pelo olhar cuidadoso sobre o sujeito.

É o cultivo de si, o que fará com que aquele que se dispõe a tal prática saiba e reconheça o seu entorno, que é formado por discursividades reveladoras dos poderes disponíveis e que se projetam ante àquele que se examina e que não quer perder-se ou ter a sua subjetividade ameaçada pelas forças coercitivas que formam as sociedades. O cuidado de si é, então, um modo de vida, uma filosofia de vida, que possui corpo teórico e prático, na medida que se mostra como um exercício.

A psicanálise e o cuidado de si

Na parte final da sua obra, mais especificamente em A hermenêutica do sujeito, vemos Foucault tecendo reflexões que dialogam com a psicanálise, ou que nos faz percebê-la através das tradições do cuidado de si. Foucault assinala que áskesis e eros, que fazem parte dos repertórios do cuidado de si, são caminhos possíveis e abertamente vinculados com a transformação individual na busca pela verdade.

Áskesis e Eros aparecem, nesse sentido, como forças mobilizadoras da transformação subjetiva e, correlatamente, da elaboração de novos modos de vida, deixando à disposição as verdades singulares a cada pessoa.

Na tradição do cuidado de si, e aqui mencionamos a psicanálise, percebemos que as experiências ascéticas e eróticas se apresentam como gestos transformadores dos sujeitos. Isso nos faz encarar a psicanálise através dessas noções, onde áskesis aparece como trabalho e eros como disposição pulsional.

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    Conclusão

    A psicanálise nos horizontes do cuidado de si foucaultiano seria, então, uma ascese erótica, quer dizer, um exercício cuja finalidade terapêutica seria o trabalho sobre e para si, bem como um movimento de manejamento pulsional em busca de novos horizontes de existencialidade.

    Referências

    VENTURA, Rodrigo. A psicanálise e o cuidado de si: entre a sujeição e a liberdade. Revista Epos, vol. 3, n. 2, RJ, dez. 2012.

    Este artigo sobre cuidado de si e psicanálise a partir da ótica de Michel Foucault foi escrito por Piero Detoni([email protected]), professor de História. Graduado e Mestre em História pela UFOP. Doutor em História Social pela USP. PD Júnior na Unicamp.

    One thought on “Cuidado de si e psicanálise: reflexões a partir de Michel Foucault

    1. Maria Auxiliadora Carvalho Roma disse:

      Excelente!! Maravilhoso!! Muito interessante

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