De acordo com os estudos da Química, sublimação é a passagem da matéria do estado sólido para o estado gasoso. Ou seja, a passagem de um estado “grosseiro” para um estado sublime, volátil.
Alguns estudiosos afirmam ainda sobre a ressublimação, ou o inverso desse fenômeno.
Nesse caso, a matéria retornaria do estado gasoso para o estado sólido. Isso ocorreria para que a matéria em seu estado sólido, após retornar a ele, estaria devidamente purificado.
Entendendo sobre a sublimação
Em Psicanálise o termo sublimação é utilizado para indicar a conversão da pulsão sexual ou pulsão de morte (pulsão suicida/pulsão violenta) em algo sublime, gasoso. Como Freud era afeito a metáforas, conseguiu através dessa relação entre a Química e a Arte, levar o termo sublimação para a psicanálise.
Entretanto, Freud atentou, segundo Laplanche e Pontalis (1984), apenas para canalização das pulsões sexuais para as obras de arte e afins, pouco se reportando às pulsões de agressividade, ponto retomado com mais ênfase após ele.
Podemos ainda afirmar que a sublimação não tem como resultado apenas obras de arte, como a música Menino do rio, do cantor baiano Caetano Veloso, já citada em outro artigo, mas também pesquisas científicas e inventos, como no caso de Da Vinci e Santos Dumont, ou mesmo em intenso trabalho de caridade, como encontrados em Chico Xavier e Madre Tereza de Calcutá, ou ainda sublime dedicação profissional, iguais ao desenvolvido por Aírton Sena.
A sublimação e o sofrimento
Em 1974, Johann Wolfgang Von Goethe publicou na Alemanha o romance epistolar O Sofrimento do Jovem Werther. Narrativa em primeira pessoa na qual é narrado o sofrimento de um jovem obcecado por uma paixão em vão. Werther apaixona-se por Carlota, moça noiva e sem nenhuma pretensão de trocar de namorado.
O que antes era apenas um amor platônico torna-se obsessão a ponto de quanto mais macerado pela amada, quanto mais desprezado, esbofeteado mais aumenta esse amor. Diante de tanto sofrimento, a Werther só resta uma saída: o suicídio.
O sucesso do livro foi tão estrondoso, sobremaneira entre os jovens, que muitos passaram a se vestir iguais a essa personagem, e não foram poucos os que cometeram suicídio. Muitos destes eram encontrados com exemplares do livro de Goethe.
O romantismo
Estava então iniciado o Romantismo, estava liberada a fantasia, voltando-se contra o racionalismo neoclassicista. Podemos afirmar categoricamente que este romance extraordinário, uma obra prima da literatura universal, é um caso maravilhoso de sublimação.
O autor, apaixonado pela noiva de um grande amigo seu, vendo aquele sentimento transformar-se em obsessão, quase levando-o ao ato extremo de pôr fim à própria existência, sublimou essa pulsão de morte criando essa obra cujos períodos ecoam até hoje, seja em reedições seja em peças de teatro e até filmes.
Nas palavras do próprio Johann Wolfgang von Goethe se ele não matasse a personagem, ter-se-ia matado a si mesmo. É Fernando pessoa, um dos principais poetas da Língua Portuguesa, ao lado de Luiz Vás de Camões, que nos dá a pista de como a sublimação ocorre na inspiração artística, sobremaneira na Literatura.
A sublimação e a arte
Seus versos “O poeta é um fingidor/ finge tão completamente/ que chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente” nos dão a medida certa do que leva à criação artística. É preciso amar para se falar de amor, é preciso sofrer de amor para se falar do sofrimento, da coita amorosa, como diriam os poetas medievais.
Vinícius de Morais, poeta pertencente à segunda geração moderna, no poema “A um passarinho” afirma não ser mais poeta uma vez que “ando tão feliz”. Justificando assim que é necessário sublimar o sofrimento, transformando-o em uma obra de arte, em um poema.
Uma vez que o sofrimento acabou, de uma forma ou de outra, não há mais motivo para se fazer uma prosa ou um verso. Em ambos os casos temos a metalinguagem, nesse caso denominada metapoesia, a poesia que fala da poesia, o poeta falando de si, de seus motivos para sua produção sublimada.
Arquétipos e inspirações
Voltamos aqui a nos reportar ao músico baiano Caetano Veloso. É muito comum ouvirmos discussões a respeito da inspiração para a música Tigresa, lançada em 1977. Alguns afirmam ser Sônia Braga devido ao fato de ela ter tido um “afair” com o cantor e compositor no início da década de 70.
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Outros afirmam peremptoriamente ser Zezé Mota o motivo da composição, em função de sua atividade política nesse período. Eu estou cada vez mais certo que a inspiração dessa música seja o próprio autor, quer dizer, trata-se mais uma vez de uma caso de sublimação da pulsão sexual de Caetano Veloso.
Por exemplo, a tigresa seria o lado feminino do leão. Caetano Veloso é nascido sob o signo de Leão, inclusive, é tratado pelos astrólogos como um autêntico arquétipo deste signo.
Conclusão sobre a sublimação
Alguns trechos da música são emblemáticos, como a vontade do eu-lírico (voz que emerge de um poema) que a tigresa que habita em si “possa mais do que o leão”. Mas o compositor, como ocorreria cinco anos depois, quando ele compôs Menino do Rio, devido a uma súbita paixão por Petit, o menino do Rio, sublima esse desejo e arremete nos últimos versos: “como é bom poder tocar um instrumento”.
Concluímos aqui afirmando que na esmagadora maioria das produções artísticas está presente a sublimação dos desejos perversos guardados no ID e que ameaçam vir à tona para destruir a reputação moral do EGO. Isso ocorre não apenas com a sublimação da pulsão sexual, mas também com a pulsão de morte, de agressividade.
Basta-nos lembrar a frase do poeta francês Jean Genet, segundo o qual, “não há lugar melhor para se recuperar o tempo perdido do que as grades de uma prisão”.
Artigo escrito por Alves Andrade. Mora em Fortaleza, é poeta, escritor e professor de Língua Portuguesa, com ênfase em Literatura. Autor dos romances Uma tragédia em Gil Vicente; Soneto para Larissa, e De vida, de sonhos e de encontros, além do livro de crônicas O Homem que semeava amigos. Incentivado por uma amiga psicanalítica, resolveu fazer esse curso aqui nessa universidade virtual, onde encontrou ambiente tanto para estudar como para escrever. [email protected]
One thought on “Sublimação: a mãe de todas as artes”
Bom dia.
Amei esse artigo, trouxe entendimento a uma situação vivida e porque aconteceu da forma que aconteceu. Obrigada.