A Psicanálise lança luz sobre a traição nas redes sociais e o desejo que escapa no cenário digital das relações amorosas.

Quando o desejo escapa pela tela: a traição nas redes sociais sob o olhar da Psicanálise

Publicado em Publicado em Psicanálise e Sociedade

Neste artigo, refletimos sobre como a traição nas redes sociais se estrutura simbolicamente a partir da escuta psicanalítica. Sem cair em julgamentos morais, a proposta é investigar o que o desejo revela quando escapa pela tela — e o que isso denuncia sobre os vínculos afetivos contemporâneos.

A traição como movimento do desejo

Vivemos numa era em que o desejo ganhou novos atalhos. O celular virou extensão do sujeito, e a intimidade, por sua vez, ganhou novos códigos — emojis, mensagens apagadas, stories visualizados.

No meio desse novo tecido social, uma pergunta emerge com força nas clínicas, nos relacionamentos e nos silêncios: o que significa trair nos tempos digitais?

A traição, embora antiga como o amor, assume hoje contornos mais sutis e, talvez por isso, mais difíceis de nomear. À luz da psicanálise, compreendê-la exige ir além da moralidade ou da lógica do certo e errado. Trair não é, necessariamente, um ato físico — é, antes, um movimento do desejo que escapa. E as redes sociais, com sua lógica do imediato, do excesso e da imagem, fornecem terreno fértil para esse deslizamento.

Entre a falta e o insuportável da presença

Neste artigo, proponho uma reflexão sobre como a traição se estrutura psíquica e simbolicamente nas relações contemporâneas, especialmente no contexto virtual. Não como um julgamento, mas como uma escuta: o que a traição revela sobre o sujeito? O que ela denuncia sobre o vínculo amoroso? E por que, apesar de tanta conexão, há tantos encontros vazios?

A Psicanálise, desde Freud, nos ensina que todo sujeito é habitado por uma falta. Não uma ausência qualquer, mas uma falta estrutural, que inaugura o desejo. Desejamos porque somos incompletos — e essa incompletude é o motor da vida psíquica.

Assim, quando falamos em traição, é necessário perguntar: a quem ela é endereçada? Seria mesmo ao outro? Ou ao insuportável da própria falta?

Muitas vezes, o sujeito trai justamente quando tudo parece ir bem. Quando o relacionamento estabiliza, quando há afeto, parceria, construção. A inquietação não é com o outro, mas com o que se revela dentro de si: a angústia de ter que sustentar um desejo que já não é movido pela conquista, mas pela presença.

A repetição como tentativa de simbolização

Sustentar um amor real, com imperfeições, é muito mais desafiador do que desejar o impossível.

Nesse ponto, a traição funciona como válvula de escape: uma tentativa de resgatar o gozo perdido, de reafirmar uma identidade sedutora, de não se confrontar com o cotidiano do amor maduro.

Não é raro que a traição surja como repetição de uma cena antiga — um abandono, uma ferida narcísica, uma tentativa inconsciente de se vingar de uma dor anterior.

A psicanálise não vê o traidor como um vilão, mas como alguém capturado pela repetição de algo que ainda não foi simbolizado.

Redes sociais como cenário da encenação narcisista

O que há de novo, no entanto, é o palco onde essa dinâmica se desenrola. As redes sociais oferecem uma cena pública, editável, onde o sujeito encena versões de si mesmo — mais bonitas, mais desejáveis, mais perfeitas.

Ali, o olhar do outro é constante: corações, reações, visualizações. A lógica do narcisismo digital intensifica a busca por validação, tornando o desejo cada vez mais volátil.

A traição virtual, nesse contexto, não precisa mais de corpos. Ela se dá em gestos sutis: uma conversa escondida, uma troca de fotos, uma cumplicidade velada. Muitos tentam justificar: “Não aconteceu nada.” Mas o que conta, na escuta psicanalítica, é a significação do ato.

Imaginário, fantasia e ilusão de presença

O desejo não precisa ser consumado para ser real. O inconsciente não distingue entre o físico e o simbólico — ele opera pelo sentido, pela fantasia, pela falta que se tenta tamponar.

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Além disso, as redes favorecem um tipo de relação que Lacan chamaria de relação imaginária: o sujeito se conecta com a imagem idealizada do outro, e não com sua alteridade.

Isso explica por que tantas “traições virtuais” são apaixonadas, intensas — e, ao mesmo tempo, frágeis. O que se ama, ali, não é o outro, mas a versão de si mesmo que aparece no reflexo da tela.

O impacto psíquico da traição no sujeito traído

Do lado de quem é traído, a dor muitas vezes ultrapassa o ato em si. O que fere não é apenas a troca de mensagens, mas a quebra do pacto simbólico: aquele acordo silencioso de exclusividade, cuidado, lealdade.

Quando esse laço é rompido — mesmo que sem toque — instala-se um luto simbólico, em que não se perde apenas o outro, mas a imagem idealizada da relação.

A traição toca diretamente o narcisismo do sujeito. Ele se vê desautorizado, trocado, muitas vezes humilhado. E, como resposta, pode tentar controlar, investigar, exigir transparência absoluta.

A escuta como possibilidade de elaboração

Mas controle não é presença. Fiscalizar não cura a dor. Só a escuta — interna e externa — pode iniciar esse processo de simbolização e resgate da dignidade psíquica.

A clínica nos mostra que, após uma traição, há quem se reconstrua, há quem repita — e há quem escolha se escutar. Nenhuma dessas opções é simples.

A traição fere, sim. Mas também revela. Revela o que já estava ausente, o que foi silenciado, o que se recusava a ser dito.

Considerações finais sobre o sintoma e a falta

A traição, quando vista sob a lente da Psicanálise, deixa de ser um problema do casal e passa a ser uma manifestação do sujeito.

Ela é um sintoma — e, como todo sintoma, tem algo a dizer. É preciso escutá-la, antes de julgá-la. Perguntar: o que faltou? O que se tentou calar? O que ainda insiste em repetir?

As redes sociais, por sua vez, não são causa, mas cenário. Elas amplificam o que já estava no sujeito: sua angústia, sua necessidade de reconhecimento, sua dificuldade em sustentar a falta.

Amar, hoje, exige mais escuta do que nunca. Porque, ao contrário do que parece, estar online o tempo todo não é sinônimo de presença.

Num tempo em que tudo é compartilhável, rápido e clicável, escolher amar com verdade — e não trair a si mesmo — pode ser o ato mais radical que existe.

Este texto sobre traição nas redes sociais foi escrito por Priscila Rezende, Psicanalista e Especialista em Relacionamentos, ajudo mulheres a se reconectarem consigo mesmas e a construírem relações mais saudáveis e equilibradas. Uma mulher que ama mudanças, dedico-me a transformar vidas por meio do autoconhecimento e do desenvolvimento emocional. Para acompanhar mais sobre seu trabalho e entrar em contato, visite o Instagram @soupriscilarezende ou www.priscilarezende.com.br.

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