Desde os tempos mais antigos a literatura tem como objetivo trazer uma reflexão sobre o mundo em que vivemos. Através de analogias, metáforas e objetos transfigurados em outras formas, podemos captar valiosas lições. Esse é o caso do conto A triste história de Eredegalda, objeto de debate entre a classe mais conservadora.
História
Um poderoso e orgulhoso rei possuía três filhas muito belas, sendo que uma delas se destacava ainda mais do trio. Eredegalda, a mais bonita, foi surpreendida pelo seu pai quando este a pediu em casamento. Além de se tornar sua esposa, a jovem teria a própria mãe como criada pessoal dela. Como é de se esperar, a garota se recusou a oferta, alegando o absurdo da situação.
Como punição, o rei construiu três torres conectadas e a trancou lá dentro, afirmando que só comeria carne salgada. Além disso, estaria proibida de beber sequer um copo de água para matar a sede. Chorando sangue, pediu a ajuda das irmãs, mas estas lhe negaram. O mesmo aconteceu com a mãe, já que ambas temiam serem mortas pelo rei se desobedecessem.
Quando ela aceitou a proposta do pai, o mesmo enviou três cavaleiros, afirmando que o primeiro casaria com ela. Ao chegarem ao mesmo tempo, constataram que Eredegalda já estava morta de sede, rodeada por anjos e Jesus. Ambos acreditavam verem outro anjo vindo do céu, mas se tratava do espírito da moça, vestindo véu e grinalda.
Interpretação
Podemos associar A triste história de Eredegalda a um período de transição da fase infantil para a adulta. O desejo paterno pela filha denota a substituição do velho pelo novo, onde a filha ficaria no lugar da mãe. Historicamente falando, a postura das personagens femininas indica uma subversão à vontade masculina.
A recusa de Eredegalda em aceitar a proposta do pai e da própria família indica uma relutância com mudanças biológicas. Isso porque suas lágrimas de sangue remeteriam diretamente à menstruação da moça, indicando o início da fase adulta. As torres corresponderiam a passagem da infância à adolescência, adolescência à maturidade e maturidade até a morte.
Caso olhemos a história como um todo, poderemos sugerir que se trata de um “Complexo de Electra” ao contrário. Em momento algum Eredegalda anseia o amor do pai e a derrota da mãe a fim de tomar o seu lugar. A jovem recusa a autoridade imposta pelo pai e faz o que pode para não atendê-lo. Dada à sua pureza de corpo e espírito, teria credencial para ir ao céu, já que faleceu.
Representações
Ainda que a história de Eredegalda cause desconforto pelo o seu desfecho e elementos, a postura dos personagens indica muito sobre nós. Figurativamente falando, muitas pessoas e atitudes são representadas nesse conto, o que permite uma reflexão a quem possui mente aberta. Isso se assume em:
Autoritarismo
Na época em que o conto é retratado, a postura e palavras dos homens eram ditas como leis. As mulheres, independentes de quem fossem, deveriam servi-los sem questionar, atendendo a qualquer desejo. Caso o contrário, assim como na história, elas seriam punidas da pior forma. A barbárie e tortura não tinham limites, assim como o desejo do patriarcado.
Subserviência
A sua mãe e suas duas irmãs recusam ajudar a jovem pelo mesmo motivo: o medo da represália do rei.
Em pleno século 21, a história se repete com personagens parecidos, embora ambiente diferentes. A figura masculina ainda causa muito medo para as mulheres, dado o nosso próprio histórico social. De forma bruta até, os homens têm liberdade para agirem brutalmente com elas.
Defesa
A juventude de qualquer época não reage bem a qualquer tipo de autoritarismo das convenções. Aqui ela é representada por Eredegalda, que já de imediato recusa o absurdo proposto pelo pai. Com as ferramentas que possui, luta bravamente para não ceder à vontade direta dele. Infelizmente, assim como muitos, sucumbe diante de um adversário maior.
Alguns elementos a serem observados
Como dito linhas acima, há diversas minúcias a respeito de A história de Eredegalda que evocam à reflexão. E preciso deixar passar algum tempo para absorver melhor a intenção da história. Em geral, são esses pontos trabalhados na história:
Transição da juventude à fase adulta;
Autoritarismo do poder;
Resistência contra o patriarcado;
Submissão ao poder em vigência
Polêmicas
Por conta da temática abordada em A triste história de Eredegalda, O MEC decidiu recolher o livro que guarda o conto. Uma ordem proferida pelo ministro da Educação, Mendonça Filho, trabalhou para retirar o livro das escolas. A obra Enquanto o sono não vem, que inclui A triste história de Eredegalda, foi vista como inadequada por ele.
Assim, embora tivesse sido avaliado pela UFMG e obedecido os critérios do próprio MEC, teve sua distribuição barrada. O ministro avaliou as temáticas como incesto, tortura e morte forte demais às crianças. Nesse caminho, a decisão parcial do Ministério deveria abordar outras histórias, já que partem de temas semelhantes. Por exemplo, Chapeuzinho vermelho.
Podemos notar que a polêmica se deu exclusivamente por posturas ideológicas a respeito dos temas. Há um conservadorismo impregnado em nossos tempos que inibe uma abordagem a temas que cabem no desenvolvimento da criança. Isso porque, mesmo sendo temáticas sensíveis a alguns adultos, ajudam as crianças a se defenderem de alguns males.
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Comentários finais: A triste história de Eredegalda
A triste história de Eredegalda parte do princípio de que devemos resistir às imposições. A personagem possui princípios que, ao serem violados, evocam a vontade de resistir. Isso reflete diretamente a luta da juventude diante das vontades do poder. Nem sempre vencem, assim como a personagem, mas deixam valiosos ensinamentos.
Infelizmente, ao que parece, precisamos evoluir bastante no que trata da educação social. Privamos indivíduos de aprenderem temas complicados, acreditando que os estamos protegendo. Se tiramos a informação, sua maior arma em qualquer idade, como iremos municiá-los?
Além do mais, algumas questões ganham furor pela forma como se apresentam. Ainda que trate de temas delicados, a forma de conversar sobre influencia bastante. A mensagem deve ser enviada de forma que o indivíduo entenda de acordo com suas capacidades mentais. Devemos ter em mente que a educação aborda bem mais do que a decoração da sala de aula.
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