aparelho psíquico

O Aparelho Psíquico segundo a Psicanálise

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Hoje falaremos sobre o aparelho psíquico. Dentre as correntes de pensamento influenciados pelo período romântico, mas bebendo das fontes do cientificismo iluminista, talvez a psicanálise tenha sido a mais turbulenta.

Assim como o sistema Galileu e a teoria da evolução de Darwin, o sujeito foi tirado de sua centralidade frente às condições do mundo e da própria vida, afligindo, na humanidade, uma profunda ferida narcísica.

Entendendo sobre o aparelho psíquico

A teoria de Sigmund Freud, não apenas revolucionou o trato com os pacientes dentro da clínica — passando do comportamento autoritário e detentor de todo o saber, do analista, encaixotando os pacientes dentro de teorias preestabelecidas, para a relação analista-analisando como foco da análise.

Dentro da abordagem freudiana, há a centralidade da fala do analisando, que comporta todo o desenvolvimento analítico — a compreensão de quem somos.

E atrás de uma nova compreensão do homem, surge uma nova teoria do aparelho psíquico. Segundo as teorias que o antecederam, a mente seria unívoca, composta de uma camada consciente responsável pela totalidade da mente. Já a teoria freudiana situa o consciente como apenas uma das camadas que compõem toda a estrutura psíquica.

Primeira Tópica do Aparelho Psíquico

Ao investigar os primeiros esboços daquilo que se tornaria o aparelho psíquico propriamente dito, Freud a descreve estando dividida em três camadas: consciente, pré-consciente e inconsciente. Nesta primeira tópica, o pai da psicanálise deseja descrever o funcionamento da mente em sua ordem topográfica, ou seja, as camadas pelas quais a psique opera, explicando a função de cada uma e como elas se relacionam.

Essa explicação se deu a partir da descoberta de que, além dos traumas originarem os sintomas neuróticos, haveria desejos que, em razão de sua recusa no desejar, também se manifestariam sintomas de natureza neurótica. Isto é, o comportamento histérico não se dá apenas em razão do conflito entre ID e Ego ou ID e Superego — gênese do trauma —, e sim na renegação do desejo que, em consequência desta recusa, se revela através de um enigmático simbolismo.

De forma resumida, podemos descrever o consciente seria a primeira instância, responsável por receber estímulos do mundo externo e pelas primeiras sensações deste. Essas sensações, por conseguinte, se encaminhariam para as camadas inconscientes e, dessa forma, nasceria as percepções do indivíduo sobre as coisas pelas quais sentira, e, portanto, dá origem as ações do corpo e do pensamento.

O aparelho psíquico e as instâncias da mente

O pré-consciente, localizado entre o consciente e o inconsciente, é responsável por trazer alguns elementos do inconsciente para o consciente a partir das regras de sua censura, situado nesta instância. Essa censura se encarrega de selecionar o que deve e o que não deve se dirigir à primeira camada, partindo da nocividade dos elementos inconscientes e prevenindo danos de maior intensidade no consciente, o qual não seria capaz de suportar diante do contato.

O pré-consciente também organiza e dá lógica às coisas inconscientes no seu espaço e tempo para a compreensão do consciente, além de guardar memórias acessíveis ao esforço mínimo, como:

  • nome de coisas e pessoas; lembranças do passado;
  • conhecimentos adquiridos e
  • tudo o mais que tem permissão de vir à tona, a partir de um acordo com o inconsciente — este acordo entre o pré-consciente e inconsciente sobre o que pode chegar ao consciente.

Esse funcionamento geralmente faz com que o consciente tome conhecimento dos elementos inconscientes de forma simbólica, uma vez que o simbolismo, ou seja, a deformação do significado latente, é a maneira pela qual o inconsciente acata o acordo supracitado.

Uma instância primordial

Por fim, o inconsciente é, além da instância primordial pela qual ascendeu a teoria psicanalítica, o lugar onde todas as questões latentes, como desejos e traumas do indivíduo estão armazenadas. No inconsciente, diferentemente das primeiras camadas incumbidas pelo mundo externo, é desprovida da lógica espaço-temporal dos conteúdos do presente, passado e futuro.

Estes conteúdos flutuam de forma conjunta e desarmônica no inconsciente e, no momento em que chegam ao consciente através dos recursos disponíveis, a saber, ato falho, chiste, sonhos e sintomas físicos, pode haver certa confusão na compreensão quando se está desprovido dos conhecimentos da prática psicanalítica necessários.

Isso porque esses elementos não estão em conformidade com o presente ou dispostos em uma estrutura lógica, e sim ligados a desejos que estão reprimidos, que emergem de maneira alusiva.

Segunda Tópica do Aparelho Psíquico

Mais adiante na formulação da teoria psicanalítica, Freud entende, a partir da ideia de que o desejo age, movimenta e se manifesta em nossa psique de diversas formas, a necessidade de estruturar a mente partindo não mais do pressuposto topográfico, e sim de sua dinâmica.  Ou seja, como as pulsões desejantes circulam pelas instâncias psíquicas e como elas se relacionam para satisfazer essa pulsão.

Portanto, criou-se uma nova teoria do psiquismo, partindo do pressuposto dinâmico da pulsão, cuja divisão é: ID, EGO e SUPEREGO, sendo EGO e SUPEREGO complementados por elementos conscientes e inconscientes, ao passo que o ID é totalmente inconsciente.

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    O EGO é caracterizado pela camada responsável por agir no mundo externo, cujo objetivo é, a partir do princípio da realidade — isto é, na ação conforme as coisas funcionam dentro da sociedade — e do SUPEREGO, satisfazer as exigências do ID.

    O ego

    Esta ação com o mundo externo representa a parte consciente do EGO, o qual também incumbe o indivíduo de uma identidade, uma vez que a identidade é o produto de nossas ações no mundo. A parte inconsciente do EGO, por outro lado, é representado por duas questões:

    • sua própria estrutura, o qual é formado a partir do inconsciente, pois o inconsciente é a primeira instância do indivíduo desde o nascimento, e
    • seus mecanismos de defesa, cujas ações (negação, projeção, deslocamento, racionalização, recalque, regressão, sublimação e forclusão) são fundamentadas na prevenção de um desprazer altamente nocivo, de modo a elaborá-los para que este desprazer possa ser minimamente suportado.

    Este mecanismo pode ser descrito como ferramenta inconsciente, uma vez que a usamos involuntariamente.

    O superego no aparelho psíquico

    O SUPEREGO é formado pelo EGO, mais precisamente na fase edípica (ou fase fálica), durante a qual a criança experimenta sentimentos conflituosos em relação a si mesmo e aos genitores. Nesta fase, há o contato frequente com regras e maneiras necessárias de comportamento pelos pais, amparados sobretudo em normas socioculturais nos quais os genitores tiveram sua formação moral.

    Portanto, o SUPEREGO é a instância que condensa todos os conceitos morais do indivíduo sobre si mesmo e sobre o mundo (EGO ideal e ideal do EGO) na busca de satisfazer as exigências do ID, juntamente com as ações do EGO e, assim como este, também possui:

    • uma ala consciente (certo e errado; bem e mal) e
    • outra ala inconsciente, a saber, as tendências pelas quais apontamos nossos atos de maneira impensada.

    O ID, diferentemente das instâncias supracitadas, é totalmente inconsciente. Ele simboliza as pulsões desejantes situadas no inconsciente que estão a todo momento querendo a satisfação.

    Estrutura topográfica

    Semelhante ao inconsciente na estrutura topográfica, o ID não possui moralidade, noções espaço-temporais ou qualquer outro contato com a realidade externa: o seu objetivo é clara e objetivamente a expiação dos desejos, os quais são mediados, em situações normais, pelo princípio da realidade a partir do EGO.

    Em suma, as relações entre ID, EGO e SUPEREGO podem ser descritas da seguinte maneira:

    • o ID deseja sua exteriorização plena, independentemente das questões do mundo real;
    • no entanto, o EGO, partindo das imposições da realidade e da moralidade do SUPEREGO, trabalha incessantemente em prol desta exteriorização.

    As três instâncias, portanto, se digladiam a todo momento em razão das vontades do ID que, diariamente conflitua com as barreiras do mundo real.

    Princípio do Prazer e seu funcionamento no aparelho psíquico

    O princípio do prazer, inicialmente na teoria freudiana, é o conceito pelo qual o sistema psíquico funciona.

    Tudo o que for danoso ao psiquismo, seja o trauma vivido ou o contato (mesmo que tênue) com o desejo reprimido a partir de um objeto relacional, o EGO ativa seus mecanismos de defesa para evitar o encontro de tal maneira que poderia resguardar os afetos traumáticos nos escombros do inconsciente, tais como:

    • projetá-los a outra pessoa;
    • construir uma explicação racional;
    • sublimá-los na arte e noutras atividades mais aceitas pela sociedade;
    • introjetar as características de uma pessoa em si mesmo, dentre outras.

    Contudo, no livro ‘’Além do princípio do prazer’’, publicado em 1920, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, revê sua teoria inicial sobre o funcionamento psíquico amparado sobre o princípio do prazer.

    Escolhas e direções

    Nesta obra, ele discorre sobre duas forças instintuais que direcionam nossas escolhas, tendenciando, cada uma delas, dois tipos de ações:

    • uma voltada para as ações construtivas e zelosas,
    • e outra de natureza destrutiva.

    A essas forças, Freud nomeia a primeira de pulsão de vida e a segunda, pulsão de morte. Essas pulsões, segundo Freud, nos arrebatam desde os primeiros meses de vida, isto é, estão no bojo de nossa existência.

    Tanto as ações zelosas quando as destrutivas (pulsões de vida e pulsões de morte) são energias que emergem no organismo rumo ao objeto relacional, com o objetivo de satisfação, embora são, em certa medida, condicionados por meio das tramas vivenciadas durante as fases de desenvolvimento psicossexual.

    O princípio do prazer

    Dessa forma, surge um conceito sobre o aparelho psíquico que transcende o seu princípio do prazer, ou seja, além do prazer buscado pelo psiquismo, ele funciona além deste princípio, com base em pulsões que estão a todo instante procurando a satisfação através da viabilidade de sua força.

    Conclusão: sobre o aparelho psíquico

    Antes do advento de Freud no universo da psicologia, os estudos estruturavam a mente com base na existência de uma instância, qual seja, o consciente, ou seja, a partir de uma teoria unívoca do psiquismo.

    Foi através do pai da psicanálise, por meio de uma sensibilidade da observação e experimentos clínicos, que a teoria do aparelho psíquico teve sua divisão demonstrada e apresentada para o âmbito científico — embora a psicanálise não esteja relacionada propriamente ao campo palatável da ciência.

    As fendas de nosso aparelho psíquico se deu pelo entendimento de que sentimos, sofremos e desejamos, mesmo escolhendo não sentir, sofrer ou desejar. Isto é, que somos não apenas frutos da consciência das sensações, e sim vítimas das coisas pelas quais sentimos. Nesse sentido, a Psicanálise, ao destilar a ideia de que o homem toma as rédeas da própria vida, abrange ainda mais a sua compreensão e a compreensão do mundo.

    Este artigo sobre o aparelho psíquico na psicanálise foi escrito por Eli Vieira (Instagram: @psicanalistaelivieira), psicanalista e autor do livro de reflexão filosófica “A Morte de Todos os Dias – ensaios do universo contemporâneo”, publicado pela editora Flyve. Atualmente trabalho em consultório online com adultos e adolescentes.

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