cem anos de solidão

Cem Anos de Solidão – imposta ou escolhida?

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Hoje falaremos sobre os cem anos de solidão. Thomas Morus, lá em 1516, disse que “nenhum homem é uma ilha”. Isso nos remete a ideia de que não é possível ser um homem, um indivíduo, e ser isolado, cercado por barreiras intransponíveis. Com isso em mente podemos pensar: “sou independente, não preciso de ninguém!”, mas apesar de ser um pensamento comum, é da mesma maneira errôneo.

Cem anos de solidão: até onde vai a solidão saudável?

Gostar da própria companhia é algo saudável e recomendado até, mas e quanto à solidão? Quando se sente solitário a ponto de questionar algumas coisas? Será que existem pessoas fadadas a ficarem só sem perspectiva alguma de mudar isso? Ou talvez, será que existem aqueles que precisam ser solitários, já que precisam de punição?

Em seu livro “Cem anos de solidão”, Gabriel García Márquez retrata várias maneiras de lidar com o estado de ser só. Há aqueles que são solitários por vontade própria por um tempo, mas depois de anos reconhecem que agora precisam de companhia, aqueles que se fizeram solitários devido ao medo da dor de perder alguém, afinal não se perde aquilo que nunca se conquistou, aqueles que são solitários por não se sentirem pertencentes ao meio em que se encontram e por isso buscam incessantemente uma conquista de sua própria glória, percebendo, no fim da vida, que tudo não passou de um círculo que percorreu buscando algo que sempre teve ao seu lado, e muitos outros exemplos.

Sobre o livro cem anos de solidão

O livro traz a história da cidade de Macondo, bem como, um plano de fundo bastante sutil, a guerra dos mil dias. Dentro desse contexto acompanhamos cerca de seis gerações da família dos Buendía com uma cíclica repetição de nomes e destinos, padrões que se repetem dentro de contextos diferentes.

O fato de coisas como os nomes se repetirem é uma bela metáfora de como o destino da família é geralmente o mesmo. Perdas e conquistas seguidas de fins trágicos. Como uma sina que se repete a cada geração. Personalidades também são passadas como heranças psicológicas, como o pai que ensina aos filhos desde cedo como é empolgante pesquisas e descobertas e esse filho seguindo o mesmo espírito, ruma mundo a fora em busca de descobertas maiores.

Algo muito notável na história é a maneira como o título se revela na vivência de cada um dos personagens, especialmente as mulheres. De primeira instância talvez não seja tão explícita a solidão dos Buendía visto que vivem uma vida familiar pacífica até certo ponto, permeada pelas invenções do visionário e sonhador José Arcadio Buendía (o primeiro).

A construção de Macondo

A casa da família, a primeira construção de Macondo, passa a ganhar vida e se encher de pessoas, familiares, amigos, viajantes. A casa em si já é um personagem, com mudanças, desenvolvimento e base para a formação de histórias que a mesma conta com suas marcas do tempo.

A própria cidade de Macondo, fundada por José Arcadio Buendía e seus companheiros, recebe anualmente vendedores e ciganos que levam até eles o que há de mais tecnológico no mundo e desperta nos habitantes da isolada cidade espanto e curiosidades. Esse é o único contato que os moradores dali têm com o mundo exterior. Mostrando que toda a vila é por si só, solitária.

Pode-se dizer que a cidade é uma ilha, metaforicamente. Essas descobertas, para o restante do mundo e leitores do livro, talvez pareçam ser bem simples, como o imã por exemplo, mas alimentam a criatividade e imaginação de José Arcadio Buendía, o pai, por muitos anos. O que nos mostra que o que para muitos pode ser algo sem muito valor, para outros é algo extraordinário, variando apenas o nível de isolamento de cada uma das partes. Isso se dá também com conteúdos emocionais.

Artefato novo

Alguém privado de afeto, ao se deparar com qualquer pouco de seja desse “artefato” novo, se fascina diante de tal novidade, podendo fazer loucuras por mais. Da mesma forma que José Arcadio Buendía perde sua sanidade e faz absurdos por “novidades”.

Solidão e vulnerabilidade

Nos ocorre, geralmente, que nos acostumar com a solidão e a ter como amiga é saudável e recomendado, e de fato o é, no entanto não deveríamos pesar a mão a ponto de viver na inquietude de pensar sempre que ninguém nos é suficiente ou jamais seríamos suficientes a alguém. O ponto de equilíbrio entre o precisar e depender do outro está em saber reconhecer o os próprios limites e as próprias conquistas atribuídas única e exclusivamente a nós mesmos. Fugir disso colocar-nos-ia em um looping de solidão e busca constante e inconsciente de algo que preencha o nosso vazio.

Certo personagem tem uma busca obstinada por prazeres com mulheres e satisfações imediatas chegando a cometer crimes dos quais se arrepende posteriormente. A vulnerabilidade de ser pertencente a um todo onde as ligações não podem ser ignoradas pode ser amedrontadora.

A vontade de ter o controle das próprias ações e consequências é algo inato a todos que buscam sua individualidade. Mas o ciclo de solidão pode levar a comportamentos danosos à nossa psique.

O caso de Amaranta

Como no caso de Amaranta, filha de Úrsula, que depois de infortúnios amorosos causados por, supostamente em sua mente, se deixar levar por emoções frívolas e desejos carnais, se retrai em uma virgindade imposta a si mesma, ainda que isso lhe cause dor e angústia. No livro diz: “as atitudes foram uma luta de morte entre um amor desmesurado e uma covardia invencível, triunfando finalmente o medo irracional que Amaranta sempre teve do seu próprio e atormentado coração”.

Assim como ela, algumas outras personalidades da história se punem por erros do passado quase sempre se impondo uma vida solitária, como um carma consciente e necessário a todos aqueles que, por abrir mão de uma vida de penitências, passaram por alguma desavença.

Mas mesmo assim, os personagens da história de “Gabo” buscavam formas de preencher seus vácuos internos, uns de maneira menos saudáveis do que outros. Guerras, arte, relacionamentos tóxicos em sua maioria, caridade, compulsões de toda sorte vinham como resultado de uma solidão que permeava a vida dos Buendía em alguns casos chegando à perda total do senso de realidade.

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    Um caso interessante de cem anos de solidão

    Um caso interessante e até fora da curva seria o de Remédios, a Bela. Sendo considerada a mais bela mulher que já existiu, pode ser considerada também a mais inocente. Podendo ter ao seu lado qualquer um que quisesse, não tinha pretensão alguma de encontrar para si um companheiro.

    Os prazeres da vida eram simples, comer, dormir, brincar, uma alma infantil. Sendo assim talvez essa tenha tido o melhor fim na história, provavelmente salientando que as complicações da vida é que prejudicam nosso fim. Em todo caso, os Buendía sempre iam de encontro com a suas naturezas, mesmo quando cediam a seus desejos, esses não os levavam a lugar algum pois estavam sempre em busca de algo que não o que se tinha.

    Como o coronel Aureliano, de quem se diz “Ele teve que promover trinta e duas guerras e violar todos os seus pactos com a morte e chafurdar como um porco no monturo da glória, para descobrir quase quarenta anos depois os privilégios da simplicidade.”

    A solidão no desapego

    Na sociedade que vivemos, ilhas se formam a cada dia que passa separando as pessoas. A crença de que “se apegar só gera sofrimento” tem se espalhado como uma epidemia de desapego por medo de sofrer. O que muitos não sabem é que o caminho traçado para o isolamento pode levar a padrões cíclicos de atitudes que machucam a si e aos outros.

    O primeiro passo para fugir de estar condenado a angústia solitária é estabelecer uma boa relação consigo e depois reconhecer o papel do outro dentro dessa relação. Talvez a que se possa dizer que foi menos solitária no livro em questão tenha sido a matriarca Ursula Iguarán, pois essa sempre reconheceu a necessidade de cuidar dos seus e mantê-los por perto.

    “O segredo de uma boa velhice nada mais é do que um pacto honesto com a solidão.”

    Uma prisão interna

    Sabemos que não podemos ter absolutamente tudo que queremos, sabemos que nem sempre teremos ao nosso lado aqueles que amamos e que o amor é sim uma necessidade.

    Ao ter em mente que teremos momentos de solidão podemos ter algumas reações de início como a de abandonar a tudo e a todos se deixando sofrer em uma prisão interna como modo de fuga ou se apegando intensamente a outros construindo uma dependência na esperança de sugar toda e qualquer seiva de afeto que possa nos proporcionar ou até mesmo exigindo que o universo e destino nos presenteie com aquela e apenas aquela fonte de afeto que desejamos.

    O maior triunfo em qualquer dos casos é a apreciação da própria companhia, dos próprios feitos reconhecendo aqueles que nos cercam como partes devidamente importantes, necessárias e complementares de nossa vida, mas sem a completa projeção de felicidade sobre eles.

    Pertencer é existir

    O senso de pertencimento é algo que constrói uma auto estima agradável e traz a felicidade de participar de algo maior. Não importa se será família de sangue ou não, não há um só ser que evolua sem pertencer a um meio maior.

    O fim é a morte, se morre quando se pode, mas não é a morte o fim, afinal, a lembrança é uma maneira de sobreviver a esse fim certeiro. E que lembrará daqueles que se forem? Seu meio! Quando a nuvem de poeira permeou Macondo levando consigo o último Aureliano quem se lembrou dele?

    Cem anos de Solidão nos mostra vidas marcadas pelo carma de um fim solitário. É fato que essas histórias se repetem a cada dia bem próximo de todos nós, mas vendo pelo lado de fora, no papel de um espectador, podemos ter uma visão geral, enxergar os modos de resolver uma série de problemas dos personagens e de trazer mais felicidade para suas vidas.

    Conclusão

    “Ela poderia ceder aqui”, “Ele deveria ser mais compreensível!” “se eles conversem abertamente, isso seria diferente!” “se dissessem que se amam com certeza uma tragédia seria evitada!” … e muitas outras soluções fáceis impostas sobre os personagens exagerados. Mas então, por que será que não temos essas soluções fáceis em nossa vida real?

    Qual o motivo da sua solidão? Ela é realmente saudável? Até onde vai a sua independência? Apenas com a leitura do livro podemos ter uma visão clara da mensagem que ele nos passa, mas com as primeiras frases já podemos ter uma ideia do teor nostálgico e melancólico que permeia a história:

    “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo.”

    Este artigo sobre Cem Anos de Solidão foi escrito por Mariana Araújo ([email protected]), estudante de psicanálise clínica que busca uma melhora no estilo de vida das pessoas e prega o autoconhecimento para isso.

    One thought on “Cem Anos de Solidão – imposta ou escolhida?

    1. A Solidão é mais Imposta do que voluntária: teremos como que renunciar ao direito de opinar ou pensar com “nossos neurônios” para sermos aceitos em grupos: equipes de trabalho ou em família! Assisti ontem um vídeo que era comentado de quem Não é acolhido, mas observado de longe, por grupo de pessoas ou pessoa a um grupo vinculado, sem entender (em) como o (a) solitário (a) sobrevive sem “conviver” diariamente! Mas ai entram os “encontros passageiros”: todos os profissionais das atividades que usamos durante o dia: breve mas salutar troca de energias!

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