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A escuta como sacrifício necessário

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Neste artigo, falaremos sobre a escuta como “sacrifício” necessário. “Sacrifício” entre aspas, pois será um termo para reflexão. Quais olhares podemos ter sobre a escuta: algo penoso, algo engrandecedor, algo necessário?

Entendendo sobre a escuta

A sociedade contemporânea tem apresentado tamanha impaciência para ouvir atentamente as falas alheias; não é necessário dados estatísticos ou resultado de pesquisas para se notar tal realidade. Basta observar os diálogos entre colegas de trabalho, estudantes, integrantes de reality shows e em diversos ambientes.

Tal realidade é ainda mais nítida quando o nível de conhecimento dos envolvidos é muito amplo; uma vez que há inúmeras informações a serem apresentadas, muitos indivíduos atropelam e, às vezes, antecipam falas, completando o que o seu interlocutor iria dizer por vezes de maneira totalmente equivocada e com isso não praticam a devida escuta.

Constatei esse cenário lamentável por experiências pessoais, inclusive sendo eu a impaciente. Ao decidir cursar psicanálise, iniciei a leitura da obra de Christian Dunker e Cláudio Thebas, “O palhaço e o psicanalista”, e nele, os autores comentam a respeito dessa questão também. Consegui perceber que esse é um fenômeno que tem sido recorrente e que tem gerado diversas dificuldades em manter diálogos significativos.

A escuta e os dizeres

Se por um lado há pessoas muito ansiosas que falam demais, por bastante tempo e buscam alguém que as escutem, por outro há indivíduos sem paciência para ouvir que precisam desesperadamente serem “escutados”. Nota-se que o termo escutar costuma ser empregado como diferente de “ouvir”, já que é possível ouvirmos algo mas não assimilarmos por não darmos a devida atenção ao que foi dito.

Recentemente, conversei com alguns amigos a respeito das modificações que as formas de interação têm sofrido no decorrer do tempo e chegamos a algumas conclusões:

  • ligação telefônica direta tem sido algo que se utiliza raramente e por curtos períodos;
  • quando se trata de algo urgente, é pra essa opção que muitos recorrem, mas no dia a dia, as mensagens de Whatsapp tem sido bem viáveis, visto que não precisam ser respondidas em tempo real, atendendo assim às disponibilidades de ambos os interlocutores.

A vida real

Outro quesito que tem chamado a minha atenção é o pouco contato real quando indivíduos estão bem próximos; no momento de lazer, o famoso bate-papo pessoalmente tem sido substituído por corpos presentes e mentes distantes; pessoas que estão no mesmo ambiente, mas seus sentidos por vezes estão bem distantes do momento real.

Ao se entreterem cada um em seus celulares. Como diz uma certa frase clichê da modernidade de autor desconhecido: “o celular aproxima quem está longe, mas afasta quem está perto”, ou algo parecido.

O fato é que muitos anseiam por falar, outros não falam quando deveriam por estarem desconectados da vida real e outros não desenvolveram a habilidade de escutar atentamente ao que os outros dizem sem ter pressa de rebater a fala ou opinar.

A escuta e o analista

Talvez todas essas situações explicam, mesmo que superficialmente, o porquê de tantas pessoas necessitarem cada vez mais de acompanhamentos psicológicos. Afinal, em uma sala com psicólogo ou analista, essas pessoas terão, no mínimo, alguém que os escutem.

Baseado somente em análises leigas do comportamento humano e sem fundamento científico, percebo que, aparentemente, pessoas que desejam falar sem parar possuem inquietações; parece-me que necessitam exteriorizar aquilo que sufoca por dentro…o tal desabafo. Se não falam, em algum momento surtam ou “explodem” em fortes emoções.

Ouvir atentamente o que se fala tem sido algo tão valioso que quando se encontra, laços afetivos também se criam. Há pessoas que conseguem se conectar ou se sentirem mais calmas apenas pelo simples fato de conseguirem ser escutadas.

Ouvir atentamente

Leciono para adolescentes há mais de 10 anos e observo que dentre os mais variados perfis dos estudantes, há jovens com mentes “barulhentas” mas que falam pouco enquanto há os que se expressam em excesso talvez com o intuito de serem ouvidos atentamente. Essa dificuldade em escutar prestando a devida atenção em quem fala é ainda mais frustrante quando ocorre dentro do próprio lar do indivíduo que deseja se expressar, uma vez que este pode se sentir cada vez mais desmotivado e com isso se calar de vez.

O isolamento é perigoso, pois se o que incomoda não é compartilhado com quem pode ajudar, esse sujeito pode estar sofrendo calado com um turbilhão de emoções literalmente sufocadas.

O índice de depressão vem sendo algo cada vez mais frequente em todas as faixas etárias. Jovens que ainda nem alcançaram a maioridade têm cometido suicídio e quando nos damos conta, tais perfis eram de pessoas que nem sempre demonstravam ou compartilhavam seus lamentos ou inquietações.

A escuta e uma boa conversa

Uma boa conversa entre familiares ou amigos, quando se há reciprocidade na escuta, pode salvar vidas. O tempo tem se tornado algo valioso e ofertá-lo a quem precisa ser ouvido, um ato de generosidade e empatia, ainda que não se saiba o que dizer, escutar já se configura neste cenário um presente, um ato de amor ao próximo.

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    Infelizmente, para muitas pessoas, nos dias atuais, escutar atentamente tem sido um ato de sacrifício. Há situações, por exemplo, nas quais indivíduos necessitam escutar por questões éticas ou de no mínimo boas maneiras; quando alguém fala, as regras da boa convivência sugerem que devemos ouvir até que a fala seja encerrada para então, outra pessoa iniciar seu discurso.

    A sala de aula é um típico exemplo de indivíduos que se dividem em: os que realmente ouvem com atenção; os que não ouvem e não se importam com o que vão pensar ou falar e ainda há aqueles que, por serem gentis ou ainda temerem notas ruins, observam a fala do professor como se realmente estivessem acompanhando o raciocínio, mas se o educador verificar, talvez este estudante esteja com os pensamentos bem longe dali.

    Conclusão

    Nesse contexto, vale salientar a importância que os terapeutas, de forma geral, possuem ao tratarem de uma sociedade acelerada, estressada, ansiosa e sem paciência. Neste cenário, escutar, portanto, torna-se uma ação indubitavelmente necessária.

    Este artigo foi escrito por Roberta Clea Cardoso de Oliveira, Estudante de Psicanálise Clínica, Graduada em Letras Vernáculas (UESB), especialista em Gestão Escolar, Ensino de Língua Portuguesa e Literatura, e em Coordenação Pedagógica. Baiana, apaixonada por Jesus Cristo, professora de ensino fundamental anos finais e fascinada por observar o comportamento humano. ([email protected]).

    4 thoughts on “A escuta como sacrifício necessário

    1. José Pereira Gomes disse:

      Amei essa postagem e quero dizer que já a algum tempo tenho observado e até me sinto incomodado por ser interrompido ao falar, as pessoas estão muito ansiosas e mal educadas. É difícil encontrar alguém que te ouça sem te interromper, confesso que as vezes faço isso tbm, mas fico me policiando para evitar cometer esse erro.

    2. Romulo Caixa Ferreira disse:

      Muitos males seriam evitados se as pessoas ouvissem mais os outros e dessem menos atenção ao celular.

    3. Sueli Bortoleto disse:

      Excelente texto, realmente na sociedade atual as não sabem mais o valor de um boa conexão. Cada um absorvido nos próprios problemas e com muita dificuldade de escutar o Outro e também a si mesmos, pois não conseguem expressar ou ao menos identificar o que sentem.

    4. EMILIANO FORMOZO BERTANHA disse:

      Material excepcional.

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