ideal do ego

Ideal do Ego em Psicanálise: ser ou não ser?

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Hoje falaremos sobre o ideal do ego, ou melhor, dos modelos ideais do ego que põem a pessoa diante de uma escolha fundamental: “Ser ou não ser, eis a questão”.

Dito de outra forma: viver ou não viver segundo um modelo ideal de perfeição, esmaga a verdadeira essência do Ser até o ponto de assumir uma máscara, ou seja, um não Ser, como única representação da realidade psíquica.

Você já parou um instante para responder a esta pergunta: O que acontece com a sua saúde mental quando os modelos ideais do Ego tomam conta da sua vida e da mente humana?

Neste artigo o Dr. Bonatti, esboça uma possível resposta, analisando pensamentos, comportamentos e modelos de perfeição que geram uma dor, um trauma ou uma perda de identidade para o paciente. Se você ficou curioso, continue a leitura e descubra a alquimia do “perfeito defeito”.

O ideal do ego

Provavelmente você já ouviu falar em modelos ideais do ego, ou sem sabe-lo tropeçou em projeções e idealizações.

Talvez, já correu atrás

de uma ilusão bizarra; ou

de um ideal de perfeição;

de um ideal de felicidade;

de um ideal de amor;

de uma ideal de sucesso,

de um ideal de status;

de um ideal de poder;

de um ideal de beleza;

ou, em via de regra, almejou a um ideal de Ser até o ponto de se perder pelas trilhas da vida e de não reconhecer mais quem você realmente é.

Isso significa que, inconscientemente, o ego se apegou a um padrão evoluído de identificação onde figuras importantes que cruzaram a sua vida ou pensamentos obstinados e às vezes fanáticos que atropelaram e plasmaram você, serviram de modelos ideais na orientação da vida.

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    O ideal do ego e Freud

    Segundo Freud, isso acontece porque o ideal do ego é uma parte do superego, herdeiro das exigências narcísicas dos pais, das expectativas ou dos elevados padrões sociais, onde o indivíduo acaba tendo uma representação de si mesmo distorcida, manipulada e artificial, encarnando aspirações idealizadas externas e desconhecendo os próprios legítimos desejos, às próprias raízes e sua verdadeira essência.

    Eis a questão: as idealizações fazem bem ou mal para a psique, afastam ou aproximam da essência e da plena realização do Ser? A resposta de Freud é lapidaria: “Quanto mais perfeito parecer por fora, mais demônios terás por dentro”.

    Porém, o ponto de partida desta breve dissertação não é a psicanálise freudiana, mas sim uma lenda hindu que fala de um camponês e de um pote rachado. Além disso, o Dr. Bonatti mostra os perigos decorrentes dos modelos ideais do ego, mas também evidencia as oportunidades que se escondem atrás daquilo que se tornou um lema para este autor: por trás dos maiores fracassos e defeitos, ocultam-se os maiores sucessos e realizações.

    Se você ficou interessado(a) continue a leitura e descubra quem você realmente é: Ser ou não Ser?

    O ideal do ego: a lenda do camponês e do pote rachado

    Todas as madrugadas, Walter Benjamin, um velho camponês hindu da ilha de Bali, acordava com a sonrisa estampada no rosto, aquecia o café preto no fogão a lenha, vestia as botas e o casaco surrado de muitas viagens, colocava uma pequena marmita na sacola e após um longo suspiro rezava em silêncio admirando suas belas jarras de barro. Benjamin trabalhava vendendo água na aldeia.

    Para isso sentava na beira do poço cavado pouco distante da casa e com muita paciência enchia de água suas enormes jarras de barro. Benjamin, cumpria este ritual há muitos anos. Ele vivia só, não tinha filhos e tinha sido abandonado pela esposa que ficou perdidamente apaixonada por um rapaz mais novo, jurando a ele amor eterno.

    Benjamin não estava triste, pelo contrário ele tinha-se tornado sua melhor companhia. Sua única fonte de renda era vender água no mercado da aldeia. Diziam que a sua água tinha poderes milagrosos. Para desenvolver esta tarefa, Benjamin tinha mais de dez jarras e todas as manhã precisava enchê-las e percorrer uma vereda de mais de uma légua para chegar no vilarejo.

    As jarras

    Naquele dia, aconteceu uma coisa estranha, às suas próprias jarras começaram a falar. Logo após fechar a porta de casa, colocar uma forte vara de madeira nas costas e pendurar duas jarras nas extremidades, a jarra mais nova começou a falar com a jarra mais velha do outro lado da vara.

    – Ei você, está perdendo água! Que desperdício inútil é o seu. Você está trazendo descrédito para nossa categoria. Pare com isso! Exclamou, olhando-a com desdém.

    O velho Benjamin parecia despreocupar-se com todos os comentários e até ria quando os outros se gabavam dele. De fato, um desperdício de água e gotejamento acontecia todos os dias que o velho carregava a jarra danificada, mas ele não parecia se preocupar com isso. Pelo contrário, o velho era obstinado, fazia questão de carregar sempre no trajeto entre sua casa e o poço, aquela sua jarra danificada.

    O ideal do ego e a falta de sentido

    – Qual é o sentido? Perguntava insistentemente à jarra mais nova. Benjamin se tornou louco de uma vez?

    Benjamin não estava interessado em responder e em vez de se preocupar com o juízo dos outros, com aquele trabalho aparentemente inútil e sem sentido, parecia rir de si mesmo e do mundo. Gabava-se da opinião dos outros. Pois, a opinião dos outros não lhe afetava!

    As pessoas fofocavam sobre sua saúde mental e as jarras mais novas se gabavam dele.

    De fato, o pobre velho perdia tempo e dinheiro com o desperdício de água e, além de carregar um peso inútil nas costas, espalhava, em forma bizarra, farelos de comida na vereda.

    Complexo de inferioridade

    Uma noite o pote rachado falou com o velho camponês, explicando que se sentia inútil e imperfeito.

    Sentia-se, imprestável para aquela tarefa e função, mas o velho Benjamin abriu uma grande sonrisa sobre os dentes espatifados e disse:

    – Inútil você?! Exclamou o velho.

    – Sou imprestável, respondeu a jarra rachada cheia de dor e lágrimas. Me jogue fora, disse.

    – Não diga isso! Murmurou o velho. E acrescentou, ao amanhecer, lhe mostrarei o sentido das coisas.

    A jarra rachada e o velho Benjamin caíram num sono profundo, cada um com uma pergunta e uma resposta rodeando na cabeça. Quem estava certo? Quem estava errado? Quem realmente era aquilo que dizia afirmar “eu sou” (ser) e quem realmente era aquilo que parecia negar (não ser)?

    Um novo sentido e missão de vida

    No dia seguinte Benjamin mostrou para jarra rachada o sentido daquilo que parecia não ter sentido aos olhos dos outros e da maioria do seu “rebanho”.

    – Preste atenção na beira da estrada! Exclamou Benjamin para a jarra desconsolada.

    A jarra rachada que nunca tinha prestado atenção no caminho, mas apenas no destino, começou a olhar ao seu redor e ficou apavorada com aquilo que seus olhos perceberam.

    Pois, a maravilha e a incredulidade tomaram conta dela. A beira do caminho que o velho fazia todos os dias até o poço estava cheio de flores coloridas. A vida tinha brotado e a beleza tinha esculpido a paisagem.

    – Agora me diga: de onde vem toda esta beleza? Perguntou o velho Benjamin.

    O pote rachado ficou comovido

    Naquele instante o tempo parou. Ele parou de olhar para fora, de olhar para suas feridas, parou de prestar atenção nos seus defeitos e começou a enxergar aquilo que tinha acontecido dentro dele. Entendeu que a beleza da paisagem e a felicidade do velho tinham brotado daquela rachadura e de uma simples atitude.

    Foi assim que o pote deixou de se sentir inútil e inferior aos outros e entendeu o tamanho da sua valiosa missão de vida. Suas rachaduras e feridas tinham-se tornado uma fenda onde entrou uma luz e logo brotou uma nova vida.

    Da sua dor, nasceu o amor. Do seu desfeito e imperfeição nasceu uma nova missão: espalhar felicidade e sonrisas pelo mundo afora.

    O trauma do modelo ideal do ego

    Qual é a lição moral e a explicação psicanalítica da história hindu do velho e do pote rachado? A verdadeira beleza, luz e brilho vêm de dentro, não apenas de fora. Vivemos em plena cultura da aparência onde o contrato de casamento importa mais que o amor; o funeral mais que o morto; as roupas mais do que o corpo; o corpo mais que a alma; às postagens nas redes sociais valem mais que a vida real e a missa vale mais do que Deus.

    A lição do pote rachado parece dizer que é necessário parar de se mostrar para os outros e começar a aparecer para você mesmo.

    Porque a verdadeira resposta é invisível aos olhos e aos outros. A resposta brota de dentro, da alma e do coração. Talvez a sua alma não lhe dará tudo o que você pede, mas sim lhe mostrará o que você precisa.

    A resposta da Psicanálise sobre o ideal do ego

    Segundo o IBPC (Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica) o ideal do ego é uma vertente do superego que se forma a partir do complexo de Édipo ou de Electra como consequência da relação da criança com os pais, onde a criança introjeta por medo da castração, expectativas e sobretudo os ideais deles, incluindo o ideal de como o indivíduo deveria Ser.

    Este ideal introjetado é bem diferente daquilo que o indivíduo realmente é. Porque o ‘Self’ responde a sua essência, a sua raiz e sua natureza intrínseca. É dizer, a criança se transforma em um projeto jogado (ideal) do seus pais, negando as próprias aspirações, raízes, essência e desejos. A dinâmica do conflito entre o ego e o ideal do ego (padrões e modelos ideais) pode originar dois traumas (IBPC, mod.3, p. 63).

    O primeiro trauma é “o caso depressivo do ego que se subjuga ao ideal do ego, e deixa o sujeito com baixa autoestima, sentimentos de culpa e frustração, alto nível de exigência consigo mesmo, sentimentos de perda de amor e de que seus desejos são inalcançáveis”.

    O segundo trauma

    O segundo trauma, é o caso contrário “quando o ideal do ego se subjuga ao ego, há uma supervalorização egóica como se o sujeito fosse superior a tudo e a todos. Busca, portanto, aceitação, prestígio e necessidade de grandeza”.

    A primeira situação poderia refletir o caso de uma paciente “maníaco depressivo” que alterna estados de humor a estados de excessiva tristeza (transtorno bipolar); viceversa, o segundo caso origina a frustração narcisista, um desvio de personalidade já objeto de estudo por este autor, publicado na revista do IBPC.

    O ideal narcisista

    No narcisismo secundário, o ego se confronta com o ideal do ego e o retorno do investimento libidinal obedece as ideais e as representações que o sujeito encontra lá fora.

    O saldo negativo entre o Eu percebido (conflito entre eu ideal, auto conceito) e a auto estima (Eu real, consideração positiva de si, independente dos outros) estaria na origem da angústia, da fragilidade, da negação da personalidade e identidade, na busca permanente de consenso para conseguir a aceitação e reconhecimento dos outros (psicose narcisista).

    Em outras palavras, a psique do homem é tensionada entre dois extremos, de um lado o Auto conceito e do outro lado o Eu ideal que implica o desejo incomensurável de superação e a necessidade neurótica obsessiva e narcisista de aperfeiçoamento de um objetivo ideal a ser realizado.

    Segundo, F. Nietzsche somente existe uma meta digna para ser atingida – “Torna-te quem tu és”. Em definitiva, a solução proposta por Nietzsche é o Amor fati, (trad. “amor ao destino”, ou seja, aceitação de tudo que possa vir a acontecer). Portanto, o amor fati é a incorporação e a superação da dor e não a sua negação, é o pressuposto necessário para se tornar o que você realmente é. Não Ser um sujeito reprimido ou disfarçado, mas Ser um sujeito livre.

    Conclusão

    Aquilo que chamamos de conclusão é sempre um novo recomeço. De fato, a nossa liberdade começa quando a necessidade de perfeição e de impressionar os outros termina.

    “O sapato que serve num pé, aperta no outro, e não existe uma receita de vida válida para todo mundo.” (Carl Gustav Jung).

    É dizer, por trás da maquiagem existe sempre uma dor, por trás da comédia existe a tragédia, por trás do corpo esculpido existe uma alma ferida, por trás da máscara há uma sombra indelével e por trás da sombra esconde-se a verdadeira essência (Self) do indivíduo. Por isso que Jung afirma: “Não há luz sem sombras e não há plenitude psíquica sem imperfeições.”

    Dito de outra forma: Não se pareça com ninguém. Saia da manada do todo igual e todo perfeito!

    Contudo, você não pode ignorar a sua dor, nem pode disfarçar ou calar seu problema e sobretudo não pode confundir o sintoma com a causa.

    Busque ajuda

    Busque ajuda de um Psicanalista Clínico sério, preparado e comprometido com a profissão, que possa encontrar e decifrar a causa do seu sofrimento, mas também ressignificar e transformar a sua dor. Um antigo salmo (126: 5-6) afirmava: “Aqueles que semeiam com lágrimas, com cantos de alegria colherão”.

    É dizer, que aquele que sai chorando enquanto lança a semente, voltará com cantos de alegria, trazendo os seus feixes. É exatamente aquilo que aconteceu com a jarra rachada: as lágrimas de dor fizeram florescer o amor no terreno.

    Apesar da dor e do sofrimento que você está vivenciando, não deixe de semear boas obras e ações. Suas lágrimas não podem ser desperdiçadas, mas deverão molhar o terreno certo onde caíram suas sementes, talentos e virtudes. Todas as dores precisam ser ressignificadas, somente assim as feridas se tornarão cicatrizes de ouro. A felicidade é a consequência da superação de um sofrimento ou dor que você vivenciou, mas nunca é negação ou a fuga dela.

    O ideal do ego e o sentido da vida

    Então, apesar das lágrimas, tenha coragem para semear com alegria… Não deixe cair a semente no vazio ou na falta de esperança. As sementes sempre caem na escuridão, mas logo depois brotarão na luz.

    Jung na véspera da morte se interrogou sobre o sentido da sua vida: “Aceitei o caos e na noite seguinte minha alma me fez uma visita. Quem percebe sua própria sombra e sua própria luz ao mesmo tempo, vê a si mesmo.

    Um dia um poeta escreveu uma frase na areia da praia e o vento levou para o mar até se tornar uma música para alma do mundo:

    “Um brinde aos nossos defeitos. Somos feitos cada um do seu jeito. Somos feitos de perfeitos defeitos!”🎵🎶

    Este artigo sobre o ideal do ego foi escrito por MARCO BONATTI ([email protected], Telegram: DrMarcoBonatti). É Doutor PhD em Psicologia Social na Argentina; Analista do Corpo e do Caráter; Psicanalista Clínico, Hipnoterapeuta e colunista no IBPC de SP. O Dr. Bonatti ajuda você a superar todos os conflitos psíquicos e desafios da vida. Faça análise e terapia diretamente em videoconferência, no conforto da sua casa. EXPERIMENTE A PRIMEIRA SESSÃO GRATUITA! Escreva uma mensagem no WhatsApp explicando seu problema: +55 (85) 994263190.

    3 thoughts on “Ideal do Ego em Psicanálise: ser ou não ser?

    1. Elisete Lourenço Rosa disse:

      Olá, este artigo, na sua sublime ncia, me fez lembrar das pérolas,
      Que são produzidas á partir das feridas, que a areia causa ao adentrar nas ostras, uma ostra que não foi ferida, não produz pérolas.

    2. Claudio Marozzi disse:

      A psicanálise pode realmente ajudar aqueles que se deparam com um ideal de ego que condiciona e distorce seus pensamentos, emoções, sentimentos e, consequentemente, comportamentos?
      Tenta responder aqui o Doutor Bonatti, que, possuindo considerável experiência teórica e prática no tema, ajuda o leitor a conhecer aquela importante figura da psicanálise, desde Freud até hoje, chamada de Ideal do Ego.
      O autor conduz-nos com considerável competência, também com a ajuda de uma eficaz parábola secular, a conhecer e enfrentar este incómodo hóspede do nosso psiquismo, que nos impele a mostrar-nos e, em última análise, a ser, diferentemente do que realmente somos, condicionando-nos fortemente nós mesmos e nos expondo a traumas psicológicos significativos.
      Bonatti expõe com grande capacidade informativa as principais tipologias dos ideais do ego e suas consequências psicológicas, fazendo um exame conciso, mas exaustivo e assim nos convida a olhar de perto e encarar de frente a situação psicológica que dificulta nosso bem-estar interno. . Ver, reconhecer a dificuldade que existe dentro de nós é o primeiro passo; o segundo passo, não simples, é aceitar ajuda, porque a psique é um osso duro de roer, um verdadeiro campo de batalha entre impulsos antitéticos e tensões. Então precisamos de alguém que tenha as ferramentas certas e saiba lidar e começar a ordenar o nosso pequeno grande caos.
      Esta é a tarefa do analista. E então esta é a resposta óbvia para a pergunta com a qual começamos

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