Artigo sobre a escuta no cotidiano partir de uma perspectiva psicanalítica.

Escuta no Cotidiano: um olhar Psicanalítico sobre o autoconhecimento e o sofrimento emocional

Publicado em Publicado em Psicanálise e Sociedade

Neste artigo vamos explorar como a escuta no cotidiano pode ser uma ferramenta essencial para acessar conteúdos inconscientes, promover a cura emocional e fortalecer vínculos interpessoais.

Perspectivas psicanalíticas sobre a escuta no cotidiano

Observando os ensaios, os pontos de vista, dos pacientes que Freud nos apresentou em suas obras, nos fez abrir um leque de opções entre a análise dissertativa que fez com que o analisando libere aos poucos os seus traumas, que na Livre Associação dê de si o que não foi capaz de sozinho.

Juntamente com o respaldo do analista e nessa comunhão, deu o “gancho” necessário, não somente pelo que observamos nos estudos teóricos de Freud, Carl Jung, Josef Breuer, Jean Martin Charcot, Donald W. Winnicott, Melanie Klein, Jacques Lacan, etc.

Dessa forma, nos comprovaram que, ao forçarmos um analisando em busca das lembranças em que teve algum trauma sofrido, seja na infância, no cotidiano, no trabalho, na escola, seja onde for, onde conviveu em algum momento em sua vida, vamos perceber o que, de fato, ficou “recalcado” no seu inconsciente.

Em algum momento, o analisando, seja através de um sonho, chiste, comportamento, vocabulário, ele vai nos trazer aquilo que está a incomodá-lo. Sabemos que as diferenças entre os iguais existem.

Conflitos internos e sofrimento emocional

Precisamos apreender como absorver o que é necessário para uma vida plena e contínua, sem nos machucarmos profundamente.

Quando nós abdicamos das nossas necessidades em prol do outro, passamos a absorver princípios, preconceitos, normas, dogmas, comportamentos, tudo do outro; passamos a aferir o nosso “eu” pessoal em detrimento da convivência no meio social.

Isto gera conflitos intrapessoais, onde nós não conseguimos abstrair a negatividade do mesmo em relação ao mundo, criando conflitos pertinentes fora do contexto social, como: sexo exacerbado, autoflagelação, tiques nervosos, ansiedade, angústia, estresse descontrolado.

Isso tudo leva o analisando a sofrer as aberrações em que ele não se sentirá nada confortável. E cometer toda essa violência consigo e com o outro.

Tudo isso faz com que o analisando repense suas atitudes e ou pensamentos para lembrar a si mesmo que o ser humano precisa buscar a felicidade.

A nossa destinação, a busca incessante é de ser feliz; logo, quando se raciocina que se quer ser feliz, contudo, percebe-se que as pessoas são diferentes: seus pensamentos e desejos próprios levarão a crer que com o autoconhecimento facilitará o convívio com aqueles com que interage.

Autoconhecimento como ponto de partida

Isso também contribuirá para que todos nós aceitemos nossos limites, nossos equívocos; assim, nos conhecendo um pouco mais, será conveniente indagar o que é o melhor pra mim e para o outro, sem agredir nem a si mesmo nem ao próximo.

Portanto, como Freud nos ensinou: o autoconhecimento é e sempre será o caminho da nossa consciência.

O limitante de ações e condutas, quando usamos o desejo primário nas relações humanas, começamos a atingir conflitos interpessoais sem barreiras, pois se vivemos através dos desejos que temos sem respeitar o outro e até onde o nosso direito chega, começamos a viver uma vida desregrada, sem freios.

Isto porque o desejo é tudo: a pessoa deseja tudo! Se fosse possível, o mundo!

E abraçar o mundo com o desejo, simplesmente, pode provocar um conflito de interesses, afinal, todos temos “desejos” e eles fazem parte de nós em todas as circunstâncias.

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Escuta analítica e limites do desejo

E é isso que nos motiva a fazer coisas, tanto boas como ruins.

E é aí que entra o nosso discernir, saber quando e como podemos liberar esses desejos, sem prejudicar o outro, sem agredir o outro, sem subjugar a quem quer que seja, de modo que não se torne patológico.

Para isso, se tem o autoconhecimento: nós nos conhecermos e darmos limites aos nossos desejos dentro de um contexto social.

Isso não quer dizer que suprimamos nossos anseios, contudo, é o autoconhecimento dos nossos desejos dentro desse percalço que vai nos dar a linha de raciocínio do que se deve ou não fazer.

Esse é o ponto primordial de uma análise: o autoconhecimento e a determinação do analisando em se abrir, se mostrar, de estar disposto a se conhecer.

Daí, será o início de uma terapia. O início de estar disposto a compartilhar seus traumas, suas necessidades primordiais.

A exemplo disso, quando uma pessoa relata, por livre e espontânea vontade, numa Livre Associação, fatos, traumas, aquilo que a incomoda e começa a aceitar cada um deles, dando uma visão diferente daquele que nega, esconde, que coloca no fundo de si mesmo, os problemas e toda sua demanda, guardando dentro de si, tudo o que incomoda.

Ainda que sejam pequenas coisas, um dia, quando menos se espera, o que estava oculto, se apresenta, seja através de sintomas, como ansiedade, angústia, liberando seu ponto de vista para o analista.

Trabalhando traumas e frustrações

Diante de um pensamento sócio-cultural, adversidades são ditas mediante o comportamento cultural e familiar. Todos temos condições de superar traumas e frustrações.

Nesses traumas e frustrações, nos levam a absorver coisas que não são passíveis de absorção; no entanto, constantemente, nós absorvemos “coisas” que nos deixam marcas em nossa personalidade.

Isto nos leva a condições adversas às “normais”, dando vazão a diversas patologias.

Essas patologias nem sempre são ligadas ao que, de fato, nos fez mal, mas há coisas que deixamos de reagir ao longo de nossas vidas, seja na família, no trabalho, enfim, no meio social em que vivemos.

Vamos, aos poucos, absorvendo “coisas”, o chamado “recalque”, que ficou acumulado no Id e quando a vazão é extrapolada através de comportamentos “não sociais”, vamos procurar ajuda, face ao nosso comportamento inadequado, deixando claro para as pessoas que vivem ao nosso redor que não estamos bem.

Mesmo que não percebamos as nossas falhas, grosserias, palavras inapropriadas em ambientes que estamos inseridos.

A função do analista diante do sofrimento emocional

Essa fuga da realidade percebida por nossos amigos, parentes que, insistentemente, nos falam de tais comportamentos, fazem com que procuremos ajuda.

Estaremos diante da sociedade, num contexto social que não nos prejudique: nesse momento, “trabalhando” ponto a ponto, fatos que nos levam a agir de modo exagerado, seja agressivamente, descortês, atingindo, inclusive, pessoas ao nosso redor, aquelas que amamos, ou mesmo as mais distantes, assim, demonstrando o que nos atingiu emocionalmente.

A partir desse momento, com um analista, vamos buscando novas conexões: um profissional que nos escute, que nos leve a acreditar, que apesar de todas as adversidades que a vida nos apresenta, vale a pena confiar em si e continuar acreditando na vida e buscar ser feliz.

Esse é o ponto crucial de uma análise: não é curar o paciente, contudo, fazer com que o analisando perceba isso à sua volta, sabendo lidar com os desatinos, desafios da vida que, por ora, vão acontecer.

Este será o papel fundamental do analista: escutar mais que falar.

Não à toa, Freud vem corroborar para que esse fim seja alcançado através da Livre Associação.

Introdução ao caso clínico: Autodescoberta no Adulto

Neste caso, relataremos uma senhora de meia idade e seus filhos.

Todo mundo acha ou pensa que a felicidade na vida se dá com a chegada dos filhos; isso, inclusive, é o que essa senhora pensava. Doce ilusão…

A felicidade para ela não foram os filhos. Ao contrário, os filhos vieram dar a constatação de que ela não se dava o devido valor. Sendo assim, começaram os problemas.

A busca por felicidade e reconhecimento

Nada no mundo vem pra te fazer feliz: a felicidade começa em você e daí, repercute nas pessoas que te rodeiam.

Se você passa a vida afirmando que é infeliz, as pessoas ao seu redor, da sua relação, vão, sem dúvida, achar e tratar você como infeliz.

Foi o caso dessa senhora que achava que as pessoas tinham de trazer a felicidade até ela, ao invés de ela conquistar a própria felicidade.

E assim, foi dito que ela tinha de procurar uma pessoa que a orientasse a se descobrir, a saber quem era ela, a se conhecer um pouco mais e como a mesma deveria se aceitar com suas limitações, sem a necessidade de buscar, incessantemente, a chamada felicidade.

Escuta terapêutica e autoconhecimento

O mais importante e salutar era estar próxima a pessoas de quem gostasse e que gostassem dela.

Só que ela tinha essa dificuldade: achava que as pessoas deviam a ela a felicidade que não tinha.

Foi isso que a própria nos disse ao afirmar que os filhos não a faziam feliz; o marido também não; nem os amigos e as pessoas de um modo geral.

E segundo ela, também não a entendiam. Inclusive, relatava que até mesmo as “brincadeiras” dentro da própria família não eram aceitas e sim, criticadas.

Descobertas e reconstrução emocional

Com isso, chegamos à conclusão do problema que enfrentava: a falta de respeito a si própria.

Pois, quando a pessoa se esquece do principal, que é o amor a si mesmo, passa a questionar a todos os demais.

Primeiro, é necessário que se ame, se conheça, esteja próxima de si mesma, para que as outras pessoas queiram também ficar perto de você.

Assim sendo, é necessário que através de uma ajuda terapêutica, ela vá se “encontrando” como uma pessoa que, como todas as outras, busca ser feliz.

A liberdade de ser e de sentir

Para esse fim, de fato, ela procurou um terapeuta. Relatou suas dificuldades acerca do “vazio” que sentia, do descaso que achava que as outras pessoas tinham; enfim.

Até que no decorrer de várias sessões, ela percebeu que o que buscava não dependia de ninguém, a não ser dela própria.

A Livre Associação deu a ela a capacidade de se autodescobrir, de saber como lidar consigo mesma.

Foi assim que se sucedeu com as diversas sessões de terapia.

Após cinco anos de sessões de terapia com o psicanalista, de tanto falar de tudo e de todos, além de citar os dissabores da vida que passava com as pessoas, de um modo geral, ela começou a perceber que a felicidade dela não dependia de ninguém, a não ser dela própria.

A Livre Associação deu a ela a capacidade de se autodescobrir, passando, através do terapeuta, a confiança e suporte necessário para enxergar em si valores que a mesma, até então, desconhecia.

Fato é que, quando determinamos o que somos realmente, dentro do contexto social, além do ser e ter, considerando os próprios sentimentos, nos apropriamos de nós mesmos.

Quando temos a consciência de que tudo o que se passa ao nosso redor é independente da nossa vontade, esta vontade que depende do outro, a exemplo do que querer ou não algo…

No caso dela, ao falar dos filhos, cada um deles pertence ao seu próprio universo, à sua própria vontade e desejos; são pessoas individuais.

Nem todo o amor de mãe, pai, de amigo ou de quem quer que seja pode modificar as intempéries emocionais que atingem a qualquer um, em qualquer circunstância.

Essa visão nos foi dada através do apoio emocional que as terapias nos deram em decorrência de muitos anos, em confrontamento conosco mesmos.

Pois é muito difícil liberar as amarras de uma educação contínua, de geração em geração, dando a nós mesmos uma certeza absoluta de decisões que não nos cabem, já que cada um tem os seus anseios.

E não podemos moldurar num sistema pré-estabelecido.

O máximo que podemos fazer em relação às pessoas que amamos é liberá-las aos seus próprios desejos e anseios, respeitando suas individualidades.

Ainda hoje, a senhora em análise está apreendendo a conviver consigo mesma e com os outros, dando a oportunidade a si mesma, se abrindo à própria felicidade, tendo a consciência do que ela é, do que busca e do que pode alcançar.

A consciência de que a felicidade é feita de momentos e, para que isso aconteça, só depende, tão só e exclusivamente, da própria pessoa.

E quanto ela consegue suportar as adversidades do mundo ao seu redor.

Este artigo foi escrito por Deborah Rocha Costa, exclusivamente para o blog Psicanálise Clínica.

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