Só de pensar em tirar todas as coisas dos armários, embrulha-las e acomoda-las em caixas que depois terão de ser transportadas e desfeitas no mesmo “ritual”, é de verdade algo traumático que nos faz ter medo de mudar. Se é assim para uma mudança de endereço, imagine como pode ser difícil para alguns (ou para todos) uma mudança de comportamento que signifique uma mudança real de vida.
É quase simplório começar um artigo sobre dificuldades com mudanças de comportamento, fazendo uma analogia com uma mudança de residência ou mesmo de local de trabalho, mas, é fato que há muito que se pode comparar entre as duas mudanças e os traumas que uma e outra, podem provocar.
Quase sempre, uma mudança nos leva a sair de um lugar e ir para outro, deixar um lugar de conforto, onde há toda uma situação de aparente domínio sobre as circunstâncias e portanto uma sensação de segurança. Porém, isso não quer dizer que esse lugar seja bom, quase sempre, o medo de mudar está em se sair de um lugar conhecido para um outro, onde ainda não há a sensação de domínio.
Uma analogia sobre o medo de mudar
Me lembro de uma situação de mudança que fiz de um apartamento maior para um menor e a minha maior dificuldade estava exatamente em escolher o que eu poderia levar em minha mudança e o que deveria deixar para trás, afinal, tudo que eu havia guardado, a princípio era muito importante para mim, se não fosse assim eu não os teria guardado e essa dificuldade me trouxe um medo de mudar.
Confesso que foi um exercício complicado, separar cada coisa e perceber o que cada objeto representava, afinal, uma simples caneca pode ser muito mais que um objeto que serve apenas para beber algo, ou uma cadeira serve para muito mais que se sentar ou usar para a troca de uma lâmpada na falta de uma escada.
Exatamente, como acontece com certos sentimentos, objetos podem ser difíceis de serem descartados, pois mexem profundamente com nossas emoções. Guardamos objetos por nos recordarem sentimentos bons e até sentimentos ruins e sem perceber, cultivamos sentimentos ruins porque de alguma forma esses sentimentos nos alimentam.
Mudança de comportamento: saindo da zona de conforto
Uma das coisas mais complicadas em uma mudança, e que acaba nos dando medo de mudar é o fato de termos de mexer em gavetas que muitas vezes, estão há anos sem serem mexidas, dá mesma forma, todas as vezes que nos é proposta uma mudança de atitude, nos confrontamos com o fato que teremos que mexer em sentimentos que há muito estão esquecidos.
E de fato, é comum que o medo de mudar, acabe se transformando em um pavor da mudança que via de regra, nos paralisa, afinal ao mexermos nesses sentimentos, encontramos traumas que achávamos já tinham sidos superados ou esquecidos, mas que na verdade estavam guardados nas gavetas do nosso subconsciente.
Nesse lugar, o medo de mudar, muitas vezes se transforma no pavor da mudança e nesse ponto é que precisamos de alguém que nos ajude a organizar a nossa mudança.
Dá mesma forma que precisamos de profissionais para fazermos uma mudança de endereço, precisamos também de ajuda especializada para uma mudança de atitude, pois da mesma forma que não sabemos lidar com o que acumulamos de coisas, também não sabemos lidar sozinhos com o que acumulamos de sentimentos.
Como podemos saber o que é fundamental para manter a nossa vida funcionando e o que é apenas peso que insistimos em carregar pela vida a fora, como saber o que nos nutre e nos dá vida, daquilo que aos poucos vai nos tirando as forças e não nos permite viver uma vida plena.
Preparação e implementação para vencer o medo de mudar
Há muitos anos, ouvi uma frase que sempre me vem a mente quando penso em mudança, a frase era a seguinte: “Ninguém pode dar uma festa com o defunto na sala”. Essa expressão vem do tempo em que as pessoas velavam os seus mortos em casa, com o caixão colocado em uma mesa no centro da sala. Depois de velado o defunto era levado para o cemitério onde era enterrado.
A moral dessa história é que precisamos enterrar (superar) certos sentimentos dolorosos, para então podermos viver outros sentimentos. O que acontece é que algumas pessoas não levam os seus “defuntos” para o cemitério, elas apenas os deslocam da sala para um quarto bem nos fundos da casa, na esperança que eles serão esquecidos ali, acontece que corpos em decomposição cheiram muito mal e o cheiro acaba se espalhando por toda a casa.
Da mesma forma, quando escondemos os nossos sentimentos traumáticos em gavetas profundas do quarto escuro do nosso subconsciente, via de regra o “cheiro” desses sentimentos acaba penetrando por nossas “narinas emotivas” e nos trazem à lembrança as dores passadas. Acontece que para carregar um caixão são necessárias ao menos 4 pessoas e portando é quase impossível se livrar desse peso sozinho.
Muitos lutam tentando se livrar desse peso, outros preferem suportar o “cheiro” e fazer de conta que nada está acontecendo. Enquanto os primeiros tentam mudar sem conseguir, os outros, tem pavor a mudança, afinal, terão de abrir o quarto dos fundos e revelar o seu defunto.
A análise psicanalítica no processo de mudança
Creio que uma das funções do psicanalista é ajudar ao seu paciente na percepção dos seus mais profundos sentimentos e o quão importantes esses sentimentos são e sua significação para o paciente. Numa analogia com uma mudança física, seria como ajudar a separar os objetos sem, no entanto, decidir o que será colocado em caixas para ser transportado e guardado, afinal esses sentimentos são do paciente e não do psicanalista.
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É fato que o medo de mudar, numa ou noutra medida, atinge a todos nós, a dificuldade está, quando esse medo se torna em um pavor de mudar, um medo irracional da mudança, neste ponto a necessidade de ajuda se torna eminente e quando isso acontece, o psicanalista pode ter um papel fundamental no processo de mudança.
Não importa quanto tempo poderemos evitar uma mudança em nossas atitudes, importa que em algum momento teremos que encarar essa mudança e que nunca estaremos totalmente prontos para mudar, por isso a mudança sempre nos trará medo. Se é assim, porque não começar a mudar agora mesmo.
Autor: Amarildo Fernandes. Psicanalista e teólogo, com vasta experiência em aconselhamento de jovens e casais. Texto sobre Medo de Mudar, escrito para o blog Psicanálise Clínica.
6 thoughts on “Medo de mudar, pavor de mudança”
Sr. Amarildo, excelente texto! Parabéns! Usei como referência para uma análise crítica.
Sou psicóloga e amei o texto, vai me ajudar muito nos meus atendimentos clínicos! O processo de mudança é a questão fundamental de todo o processo psicanalítico. Obrigada!!
Nossa gratidão por suas palavras, Maria Célia! Estamos à disposição para dúvidas, críticas, sugestões. Equipe Psicanálise Clínica
Toda Análise é única, textos!!…ah, textos a gente encaixa em muitas análises. Após responder a uma cliente/paciente sobre o seu abandono das análises, fui ver se havia algo parecido com a maneira a qual havia dado a resposta para ela. Daí: pimba…bingo…encontrei esse texto fantástico…penso que estou no caminho…gratidão Professor.
Amei o texto …é incrível e me ajudou muito a refletir sobre a necessidade de mudança .
Eu estou pra me mudar de residência e nunca entendi por qual motivo, sempre em uma mudança de residência entro em um pânico paralisante e lendo esse texto entendi, quantos medos se escondem através dessa mudança, sair da zona de conforto e segurança me paralisa .