ressignificar o passado

O que é ressignificar o passado?

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Ao refletirmos sobre o que é  ressignificar o passado, podemos pensar em redefinir, dar novo significado a algo. Num exemplo prático, quando os antigos egípcios começaram a construir pirâmides, eles cometeram alguns equívocos, e foram revisando suas ideias.

Ao terminarem uma pirâmide de aparência perfeita, ela ruiu. Indo para outra pirâmide, notaram que no meio do caminho ela não era mais estável, mudou-se, então, o ângulo de inclinação da pirâmide para tentar recuperar a estabilidade.

Eles foram seguindo, numa prática de tentativa e erro, até chegarem às grandes pirâmides de Gizé. Assim é conosco, vamos tentando e observando que com determinadas ideias, crenças, comportamentos, chegamos a um lugar de instabilidade, de sofrimento.

 Ressignificar o passado

O psiquiatra C. G. Jung afirmou que “sapatos que ficam bem numa pessoa são pequenos para outra; não existe uma receita para todos”.

De fato, cada um possui uma psiquê, como cada pirâmide tem o seu cálculo.

Detalhes aparentemente pequenos podem ser suficientes para desestruturar uma pessoa. Às vezes a energia psíquica envolvida na manutenção de algo é muito alta, ou não mais possível. Aí surge o ressignificar.

Prática terapêutica

Ressignificar é desconstruir ideias anteriores, para construir de outras formas a própria vida, com mais estabilidade.

Podemos dar um exemplo. Um homem tem um sonho com um apartamento vazio, precisando de reformas. Quando acordado, lembra-se do dia em que esteve naquele lugar, quando criança. Ele tenta se lembrar daquele dia, percebendo que não fora um dia bom.

Ressignificar o passado em um espaço vazio 

Freud, como criador da Psicanálise, afirmou que sonhos mostravam um desejo inconsciente. O sonho daquele homem mostrava talvez o desejo de esquecer. Talvez por isso o apartamento estava vazio, como uma lacuna. Ele se lembrou que ali teve medo.

Ele tinha que ser “criança obediente”. Ele se lembrou de várias ameaças de agressão antes de chegar lá, caso ele se movesse lá. Enquanto ele passava o tempo lá, parado num canto, alguém lhe disse algo como: “criança boazinha” e lhe deu uma bala. Outra pessoa, talvez percebendo algo, perguntou: “tudo bem?”.

Ele não podia lhe contar que iria ser agredido em casa caso ficasse se movendo pelo lugar, então, disse que “sim”. Nesse momento, a postura do homem muda. Ele se viu com os dois braços para frente, lembrando um cão adestrado. Quando se lembrou do passado, percebeu adultos vendo objetos, conversando entre si, alegres, mas ele ficou por horas naquela posição, sem poder se mover ou falar.

Dependência de ressignificar o passado

Ele havia sido treinado para seguir ordens, deixar pessoas satisfeitas. Quando se anulou, ganhou uma bala, como o cão ganha biscoito. E ele foi seguindo assim na sua vida, para “não ser agredido ou desvalorizado na frente de todos”, havendo prazer quando conseguia negociar isso.

Ele se “viciou” em ter que provar ser uma boa pessoa, assim como quem o ameaçava tinha o vício de apontar que ele “não era bonzinho”, no prazer do controle sobre ele, criando questões num ciclo em que ele tinha que provar sua “obediência”. Essas demonstrações aconteciam regularmente, como pessoas que buscam repetidamente uma droga.

Ele era mantido assim, sem amadurecer, tendo que dar o casaco social de normalidade àquele esquema, ajudando a passar o que era um comportamento não-empático para com crianças na prova da sociedade.

Conscientização

Ele havia se culpado de algo que era normal: ser criança. Ele brincava, corria, ria quando achava graça, falava coisas consideradas bobas. A pessoa que o ameaçara lançara isso como se fosse uma culpa, um grande equívoco.

Ela o ameaçou de fazer sofrer caso ele agisse assim, como criança. Ele começou a perceber que os adultos que o conduziam necessitavam ser vistos como perfeitos através dele. Ele foi sendo isolado e “tendo a asa cortada”, à medida que crescia e tinha mais chances de se afastar do esquema vicioso, que já devia vir de várias gerações.

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    Esse homem ia entrando em empregos sem-saída, vivia uma sobrecarga, ou situações em que tinha que dar algo para se livrar de alguma situação abusiva. Associava-se a pessoas parecidas às que o haviam treinado na dependência, sem perceber abusos. Sonhava frequentemente que andava por ruas desconhecidas, como se “não soubesse aonde ir”. Ele percebeu que, quando criança, também não tinha escolhas, ia quase sempre a lugares que adultos determinavam para o próprio prazer.

    Desintegração em ressignificar o passado

    Segundo Jung a persona seria a personagem que a pessoa cria para sobreviver na sociedade.

    Quando essa personagem mascara a individualidade do ser, por estar atrelada demais a valores coletivos, ela se colapsa. É como se o construtor não fosse ouvindo os estalos da construção, porque a plateia dizia que a pirâmide estava bonita.

    Então vem o colapso, cuja aceitação é necessária.

    Restauração

    Nessa ressignificação, pode-se citar o conceito de restauração. Refere-se ao se recolocar com novos comportamentos. Neste caso, seria não mais se iludir, dar ouvidos à plateia sobre ser “bonzinho”.

    É se conhecer, saber aonde se vai, e se satisfazer apenas com isso, na certeza de se estar tentando o melhor. O sonho do homem do exemplo poderia ser visto como indicação de reformas a serem feitas em sua vida, partindo daquela infância.

    Aquele homem reviu aquela situação de criança, desconstruindo valores antigos, construindo novas ideias para se ajustar a um padrão saudável.

    Remoção de crenças negativas

    Esse ressignificar envolveu a remoção de crenças de culpas e falta de autoestima, de não se ouvir, de fazer o que não se quer, para satisfação alheia. Ele já podia perceber que não era correto dar droga ao viciado em controle, recaindo ele mesmo no ciclo vicioso que não.

    Ele percebeu que estava buscando aval externo para a sua vida, baseado em aparências, enquanto somente ele internamente, como construtor, sabia o quão estável ia a sua construção. A tarefa básica de cada um é ser construtor de si, saber, acima de tudo, como manter a sua obra psíquica como um traço individual e estável.

    Se o homem do exemplo ainda tentasse fingir ser o “cão que obedece”, sua restauração seria negativa, no máximo chegaria a uma pirâmide deformada e com remendos, que não dá segurança a ninguém. Muitos podem nunca aceitar mudanças e usar estratégias para continuar exigindo comportamentos antigos, que não têm mais sentido.

    Novas Crenças

    A pessoa do exemplo pode ser qualquer um que adquire um novo olhar sobre:

    • Violência;
    • Perceber além das aparências;
    • Rever padrões recebidos na própria criação;
    • Enxergar melhor e ter empatia com crianças, questionando-se sobre o que cada uma realmente é e sente, sem buscar perfeição ou submissão;

    Ressignificar como um conceito social

    O homem do exemplo reviu angústias do passado e percebeu que a proteção ia para coisas, aparências de normalidade e perfeição, e não para a criança. Ele, criança, foi tendo a “asa quebrada” e a “visão distorcida”.

    Assim ia ficar difícil achar qualquer caminho. Dessa maneira, o ressignificar pode envolver até questões gerais, como o olhar sobre a infância e a adolescência, o menor. Tomara que a sociedade perceba que sempre é possível  ressignificar o passado com esse olhar.

    O presente artigo foi escrito pela autora Regina Ulrich [[email protected]]. Regina é autora de livros, poesias, tem PhD em Neurociências, e gosta de contribuir em atividades de voluntariado.

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