O comportamento humano é resultante, em grande parte, do agregado de experiências
vivenciadas ao longo do tempo por cada indivíduo desde a primeira infância e pela forma como cada um processa internamente os conteúdos perante as mais diversas situações.
Partindo deste pressuposto, destaca-se a importância das vivências na infância, que contribuirão
sobremaneira para o delineamento da personalidade, da competência emocional e cognitiva
do sujeito.
O agregado de vivências na infância constituirá a base sobre a qual os indivíduos desenvolverão sua personalidade, sua forma de agir e reagir perante as situações mais diversas ao longo da vida, e até mesmo sua capacidade de relacionar-se com seus pares nos variados contextos sociais em suas trajetórias.
Tais experiências ficarão registradas no inconsciente. Alguns conteúdos transitarão entre o pré-consciente e consciente e, de alguma forma emergirão em diferentes situações na vida adulta.
Os Primeiros Anos
Sob este aspecto, destaca-se a importância dos primeiros anos vividos, considerando-se o acesso ao atendimento das necessidades fisiológicas, passando pela construção de laços afetivos e culminando pela inserção do indivíduo nos processos educacionais.
E neste sentido, ganha grande relevância o papel da família ou dos cuidadores como primeira comunidade educativa. No relacionamento familiar, ou entre a criança e seus cuidadores, emergirão os primeiros afetos, as primeiras frustrações e encorajamentos.
Cada indivíduo é único em suas construções mentais, entretanto muitos aspectos da personalidade na vida adulta serão decorrentes da qualidade das experiências vivenciadas na primeira infância. Fazendo um link com os fundamentos da psicanálise, tais interações irão influenciar na formação do id, ego e superego.
Os Cuidadores na primeira infância
O papel dos pais e/ou cuidadores é de suma importância para que o indivíduo, desde os primeiros anos, perceba-se como ser único e agente transformador de relações.
Inicialmente o bebê percebe-se como se sua mãe fosse, ou extensão dela. Com o passar dos meses, cria-se uma diferenciação mínima, e à medida que essa diferenciação do sujeito avança, o papel da família e a rede de apoio ganha mais representatividade, tanto no aspecto afetivo, quanto no aspecto psicológico e emocional, além do material.
À medida que a família ou cuidador compreende e desempenha o seu papel, como referência que escuta, que acolhe, que oferece afeto, que educa e impõe limites, o indivíduo tende a se fortalecer internamente para se posicionar futuramente, de forma equilibrada, nas mais diversas situações ao longo da vida.
As Instituições de Ensino
Um pouco mais à frente, ganhará relevância o papel das instituições de ensino nos anos iniciais, quando os indivíduos expandem um pouco mais o círculo de convivência diária e são postos em contato com a vida em sociedade.
Família e escola trabalhando juntas poderão contribuir de forma especial para consolidar experiências positivas, de modo que as crianças, paulatinamente, evoluam psicológica e emocionalmente saudáveis, desde a mais tenra idade.
Nesse processo, há de existir espaço também para a construção de fantasias, há que se dar asas à imaginação e sonhos, elementos típicos da infância e essenciais para o desenvolvimento mental saudável – família e escola poderão contribuir fornecendo elementos estruturados para alimentar a imaginação.
As vivências e suas consequências
A qualidade das experiências vividas na infância irá interferir:
- na formação do ego,
- na maneira do indivíduo se colocar no mundo,
- na sua capacidade de gerenciar seus atributos,
- na sua capacidade de enxergar e respeitar o outro e
- na maneira de mediar suas interações sociais.
Usualmente observa-se que indivíduos que foram postos em contato com relações degradadas na infância tenderão a apresentar algum sofrimento psicológico na vida adulta, muitas vezes manifestado através de dores psicológicas e até mesmo sintomas físicos.
Por outro lado, indivíduos oriundos de famílias super protetoras também tenderão a apresentar fobias e outros males e dificuldades em seus relacionamentos. É mister que, no processo de educação, família e escola busquem o equilíbrio.
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Isso permitirá que as crianças tenham contato também com a frustração, que percebam que a vida em sociedade impõe a todos limites, dando destaque para o lugar da escuta e do diálogo.
O Mindset na primeira infância
Abordando brevemente o mindset fixo e o mindset de crescimento. O mindset fixo atribui ao sujeito padrões imutáveis de comportamento, como decorrentes de características inatas e impossíveis de serem moldadas.
O mindset ou mentalidade de crescimento atribui ao sujeito comportamentos aprendidos, moldáveis, decorrentes das experiências vivenciadas. Pessoas com mindset fixo predominante manifestam mais insatisfação e baixa autoestima.
Pessoas com mindset de crescimento predominante manifestam mais qualidade de vida, são mais criativas, inovadoras e possuem maior autoestima.
“É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”
Com vistas a contribuir para a construção de uma sociedade cada vez mais inclusiva, com respeito às diferenças, família e comunidade educativa tem relevância na medida em que, desde muito cedo, permitam às crianças vivenciar experiências que promovam:
- a diversidade,
- a inclusão,
- o respeito,
- sem perder de vista a importância de cada sujeito nesse processo, suas características inatas e preferências individuais.
Longe de ser um processo fácil, educar é um ato de amor, envolve doação e nos apresenta grandes desafios. O conhecimento dos fundamentos da psicanálise poderá assessorar a pais e educadores, na medida em que permite sistematizar a investigação e interpretação de conteúdos, indo além daquilo que se mostra imediatamente perceptível.
O Papel da Psicanálise
Muitos autores psicanalistas se dedicam a sistematizar o conhecimento acerca da psicanálise infantil, subsidiando a conduta clínica no manejo do atendimento às crianças, adolescentes e famílias que buscam, através da psicanálise, mediação para lidar com os conflitos que surgem ao longo do desenvolvimento cognitivo e emocional.
Sob esse aspecto também é reforçada a importância da participação dos cuidadores em integração com a atuação do profissional psicanalista, como forma de promover à criança e ao adolescente o adequado suporte para seu bem-estar e completude.
Observa-se que o inconsciente infantil em atendimento na clínica psicanalítica se manifesta através de propostas lúdicas de atividade e interação, tais como brincadeiras e desenhos, além do discurso.
Tais recursos propiciam ao jovem expressar suas construções internas e elaborar a sua linguagem, de modo a re-significar suas percepções acerca da realidade que o contém.
Quebrar ciclos para evoluir, a partir da primeira infância
Observa-se ainda que os aspectos psicológicos dos cuidadores interferem de forma significativa no desenvolvimento infanto-juvenil daqueles que estão sob sua responsabilidade.
As experiências vivenciadas por tais cuidadores enquanto crianças no passado tendem a aflorar em diversas situações da vida adulta, principalmente na lida com crianças e adolescentes sob seus cuidados.
Há uma tendência natural à repetição de condutas aprendidas por observação, ainda que tenham sido resultantes de um cenário de sofrimento.
À medida que os cuidadores passam a trazer à consciência os seus conteúdos inconscientes, à medida em que se aprofundam no autoconhecimento, terão condições melhores de fazer escolhas ajustadas ao seu desejo de proporcionar aos seus jovens relações de qualidade e, por conseguinte, oferecer-lhes a oportunidade de um desenvolvimento cognitivo e emocionalmente mais saudável.
Neuza Neves, psicanalista filiada ao IBPC.
e-mail: [email protected]