Neste artigo opinião sobre laudos psicanalíticos, vamos abordar um tema que divide os operadores das ‘Ciências Psi’ (Psiquiatria, Psicologia e Psicanalise), que trata do laudo psicanalista.
O assunto tem gerado muitos debates e discussões, porém, não é um tema polêmico, já está mais amenizado.
No artigo vamos explicar o porquê. Vamos examinar também, o papel do psicanalista, a produção dos laudos, e ainda, se a Psicanálise é uma ciência. E no fecho, em conclusão, vamos responder questão que foi apresentada por muitos interessados nessa pauta e agenda.
Introdução sobre os laudos psicanalíticos
A produção de laudos pelos psicanalistas é um tema que vem causando durante anos a fio, muitos debates e discussões, tanto na esfera de atribuições dos operadores das ciências denominadas de ‘Psi’ (na literatura psiquiátrica, na psicológica e psicanalítica), como outros ramos do saber que precisam de laudos psicanalíticos.
Muitas questões foram levantadas, e uma delas foi transformada numa pergunta que não quer calar: Afinal, podem ou não podem os psicanalistas fazer laudos?
Para abordar o tema, selecionamos as seguintes questões-problemas que serão submetidas ao crivo social, tanto leigo como especializado para considerações, salvo maiores e quem sabe melhores juízos onde muitos possam apresentarem argumentos de concordância ou discordância. Vamos abordar o que é fato e ato psicanalítico.
O papel do psicanalista e os laudos psicanalíticos
Os requisitos para a Psicanálise ser considerada uma ciência. O livro negro da Psicanálise e o dilema dos manuais, CID 10 em transição para CID 11, e o DSM-V-TR da APA/EUA.
Tudo isso e muito mais será explicado de forma mais didática possível. No fecho, em conclusão vamos ofertar uma resposta ao questionamento: ‘Pode ou não pode o psicanalista fazer laudos para todos os fins, principalmente judiciais?’
Vamos dar primeiro passo examinando o que seja o fato e o ato psicanalíticos.
O fato e o ato psicanalítico
Nosso primeiro passo será no sentido de examinar o que é o fato e o ato psicanalíticos. Isso precisa ficar bem nítido e caracterizado.
A diferença entre ambos conceitos reside na percepção do que seja um acontecimento, episódio contextual e/ou circunstancial ligado a Psicanálise e o que é a produção de um efeito, sobre tais fatos psicanalíticos.
O fato psicanalítico envolve todo um contexto, desde as manifestações de sintomas, o mal-estar, até sua pós- remissão. Preferimos utilizar no lugar do termo cura, o termo remissão, pois, é um processo em construção.
Porque em Psicanálise, a cura é profundamente ampla e também, um processo aberto e em constante dinâmica de construção com vindas e idas, recaídas, reafirmações, ações e percepções, batalhas de premissas de teses e proposições frente a ambiguidades, contradições e até maniqueísmos, com ou sem visão metafísica, entre o bem e o mal que vai fazendo um percurso de remissão.
O ato e os laudos psicanalíticos
O ato psicanalítico é um momento, um instante de produção de efeitos sobre os fatos psicanalíticos na remissão em direção a uma possível cura plena.
A opção ou não, por um tratamento é um ato psicanalítico e envolve os fatos psicanalíticos dentro de uma nosografia ou categorias psicopatológicas que estão classificados ou não em manuais descritivos.
Entendendo bem essa questão poderemos passar para outra etapa subsequente, o papel do psicanalista.
QUERO INFORMAÇÕES PARA ME INSCREVER NA FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE
O papel do psicanalista
O entendimento e compreensão do papel dos psicanalistas não se caracteriza como algo complexo, porque em síntese, o psicanalista é aquela pessoa que exerce o ‘munus’ ou as atribuições inerentes à Psicanálise. Pode até parecer uma redundância aparentemente, mas, não é, porque de fato o psicanalista é o que deflagra e desencadeia a aplicação da Psicanálise.
Quando evocada essa questão, muitos críticos apresentaram teses e contra teses de que a Psicanálise não seria ciência, mas, um mero ofício de uma arte ou um método psicológico específico. No bojo dessa situação a Psicologia tentou encampar a Psicanálise como mais uma técnica ou método de tratamento ou uma especialização.
Fluiu o tempo e perceberam o grande equívoco e não ocorreram avanços nesse rumo e direção porque o sentido é outro. Sempre, desde sua sistematização por Sigmund Freud (1846-1939) ficou bem claro que o foco da Psicanálise é o inconsciente e suas manifestações. Posto isso, o papel do psicanalista é operar no inconsciente.
O método científico
O sujeito é o par analítico, ou seja, analista e analisando. Definido bem o papel do psicanalista vamos examinar o que é preciso ou os requisitos para uma área do saber ser considerada ciência e não apenas método, arte ou técnica.
Não basta apenas tentar entender que para ser ciência seria necessário e preciso, ‘em tese e a priori’ tão-somente reproduzir o fato ‘ipses lítteris’ em laboratórios controlando variáveis dependentes e independentes ou somente empregar o método científico.
Para ser ciência é necessário ter objeto e sujeito, campo de aplicação e instrumentos ou ferramental próprios.
A Psicanálise reúne essas condições, pois, tem sujeito, que é o par analítico, analista em interface com analisando, e vice-versa; tem objeto, que ´o inconsciente’, tem seu campo de aplicação que é o mesmo de outros ramos, as pessoas, e tem seu ferramental necessário ou melhor expressando, sua caixa de ferramentas.
Os laudos psicanalíticos e o inconsciente
Portanto, a Psicanálise, por mais que alguns detratores desejam diminuí-la se caracteriza por ser efetivamente uma ciência. E seu objeto, embora não seja exclusivo dela, outras também operam concomitantemente, em suas atribuições é o inconsciente. O diferencial é que a Psicanálise tem seu foco no inconsciente e em suas manifestações.
Outros campos dos saberes humanos como a Psiquiatria, Psicologia, Pedagogia, Sociologia, História, Filosofia, Direito, Antropologia, Biomedicina, Farmácia, Enfermagem, e afins, também muitas vezes adentram o campo do inconsciente no seu labor diário ou em estudos e análises, porém, a Psicanálise opera focada no inconsciente.
Entretanto, muitos operadores da Psicanálise também usam fontes de saberes como ferramental emprestados, contudo, se deixarem de operar conectados ao inconsciente deixa de ser Psicanálise.
O foco da Psicanálise é o inconsciente
A Psicanálise tem como acessar o inconsciente com vários métodos e técnicas, como hipnose, os sonhos, chistes (piadas), atos falhos, lapsos, linguagem, algumas drogas, como escopolamina, ou soro da verdade, chás, como peiote e santo Dai-me.
Existem ‘n’ possibilidades de se acessar ao inconsciente, porém, Freud ao sistematizar a Psicanálise optou apenas por alguns, como associação livre, sonhos, chistes, lapsos.
Assim como Lacan (Jacques-Marie Émile Lacan/1901-1981), que optou pela linguística junto aos métodos consagrados do Freud. Portanto, em que pese algumas contestações e óbices, a Psicanálise é uma ciência que tem objeto, sujeito, campo de aplicação e sua caixa de ferramentas de trabalho. Mas, infelizmente, sofreu reveses como vamos a seguir abordar.
O livro negro da Psicanálise
A Psicanálise enfrentou desde sua sistematização pelo Freud, uma grande ofensiva geral bem alinhada e nivela, por muitos intelectuais, no sentido e na direção de tentarem extingui-la, ou dominá-la ou submetê-la a outros ramos do saber e limitar seu papel destituindo a Psicanálise do patamar de status de ciência.
Todas tentativas foram infrutíferas. Nada até ao presente prosperou. Uma das ofensivas muito forte foi a publicação do livro com o seguinte título: ‘Livro Negro da Psicanálise: Viver e Pensar Melhor sem Freud,’ organizado e publicado na França, em 2005. Os detratores esqueceram que a Psicanálise tem seu objeto, que é o inconsciente.
E para tentar fulminar a Psicanálise perceberam depois que eles teriam que provar a inexistência do inconsciente. Não conseguiram desmobilizar a teoria do inconsciente. Restou pinçar algumas,teorias ligadas ao inconsciente na esperança de abalar suas validades. Os intelectuais envolvidos no projeto de fulminar e tentar extinguir a Psicanálise chegaram à conclusão que tinham que tentar provar a inexistência do inconsciente.
A inexistencia do inconsciente
Isso precisava ficar bem iluminado, bem claro. Entretanto, eles partiram da premissa que Freud foi quem ‘inventou’ o inconsciente, um erro crasso. Freud sistematizou a Psicanálise.
O inconsciente existe desde a criação do mundo. Assim como os sonhos são tão antigos quanto as palavras e frases que estruturam da fala e expressam cogitações, desejos.
O livro negro da Psicanalise é importante ser lido, mas se revelou um completo fracasso e levou seus autores amargurar uma frustração geral a nível global. E a Psicanálise se firmou, porque tem seu foco no inconsciente e suas manifestações.
A produção dos laudos psicanalíticos
Essa questão da análise, confecção e produção de laudos para diversos fins na esfera das ciências Psi, foi levantada por intelectuais na esperança de que a Psicanálise não viesse a competir com a Psiquiatria e Psicologia no campo de aplicação dos laudos. A pergunta foi muito mal colocada e formulada em debates e discussões, previamente organizados e exclusivos, mas, de má fé e de caso pensado.
Como era a pergunta? Era estruturada na seguinte forma: ‘Poderiam os psicanalistas fazer laudos psicológicos?! Eles mesmos respondiam que não, nem psicológicos e muito menos psiquiátricos que são considerados ato médico. E até seduziram e induziram alguns psicanalistas a apoiar a tese deles.
E as mesas de debates eram organizadas de caso pensado e compostas, majoritariamente, por médicos psiquiatras e psicólogos, entre outros ramos, como do Direito Criminal ou Penal. Chamados ao debate psicanalistas de formação leiga, embasados em Freud, em Lacan e outros referenciais, mas portadores de grande saber e livros consagrados, mudou o enfoque da pergunta que foi reformada nos seguintes termos: ’pode o psicanalista fazer laudos de atos e fatos psicanalíticos?’
Laudos de perícias
Este foi o ponto chave que evidente irritou médicos em geral e psiquiatras e psicólogos. Ficou claro e lançaram boas luzes de que os psicanalistas podem sim, fazer laudos de perícias em fatos e atos psicanalíticos devendo se abster de fazer laudos de fatos psiquiátricos ou fatos psicológicos. O fato psiquiátrico é inerente aos psiquiatras; e o fato psicológico é inerente aos psicólogos.
Psiquiatras tratam das disfunções químicas e orgânicas cerebrais, por isso exige-se que tenham preferencialmente a formação de bacharéis médicos, que sejam médicos, ao passo que o psicólogo tem seu foco no comportamento e nos mecanismos de defesa das pessoas, em termos de ego e superego.
Isso evidente não significa que psiquiatras sejam psicanalistas idem psicólogos e que não façam incursões no inconsciente das pessoas. Mas, o inconsciente é objeto da Psicanálise.
A produção de laudos
Restou aos detratores aceitar o fato de que juízes e promotores passaram a aceitar os laudos ‘psicanalíticos’ quando a circunstância é fato ou ato psicanalítico, em que pese, quase tudo tem essa vertente psicanalítica, a começar pelo ciúme, inveja, soberba, ódio, rancor, vingança que são fundantes do mundo.
A morte de Abel, descrita no Gênesis por hagiógrafos, praticada de caso pensando por Caim foi essencialmente psicanalítica, ou seja, motivada por ciúmes e invejas com muito rancor, raiva e ódio. A questão não seria mais se pode ou não produzir laudos, mas sim, qual seria o substrato ou suporte usado, que vamos a seguir examinar.
O dilema dos manuais das categorias psicanalíticas
Este é um ponto crucial do debate e discussão acalorada dos operadores das ciências Psi, que argumentavam que os psicanalistas em nível global não teriam um código ou um manual de nosologia ou psicopsipatologias para embasar os seus laudos. Que CID (código Internacional das Doenças) da OMS, (Organização Mundial da Saúde) ligado a ONU, atualmente já na sua 11ª edição, seria muito descritivo e de ato médico e que o DSM da Associação Americana de Psiquiatria, atualmente DSM-V-TR, (Texto Revisado) na sua 5ª edição, seria mais apropriado para Psicologia e Psiquiatria. Ledo engando e um grande equívoco.
Porque o próprio Freud já tinha feito algumas observações nosológicas e apresentado uma classificação psicopatológica ligado a psicanálise começando pelo ponto de origem, a histeria. Posteriormente, continuou com outros referencias, inclusive culminando com Lacan, entre outros.
E existe tanto na academia como no ensino laico a disciplina de Psicopatologia Psicanalítica com as estruturas clínicas em Psicanálise. De fato, ainda não temos um código ou manual específico para a Psicanálise, porém, já existe uma consolidação das descrições das condições de mal estar a nível de Psicanálise.
Pré-requisitos e diagnósticos
Evidente que os psicanalistas poderão sim, usar, querendo, tanto o CID 11 como o DSM-V-TR naquilo que for necessário. Porque todos eles são descritivos tantos dos sintomas como dos pré-requisitos de diagnósticos e possuem pontos de contato em que pese a nomenclatura seja diferenciada.
Outro ponto, para Psiquiatria e Psicologia seriam fenômenos considerados transtornos, crises, anomalias, síndromes, doença mental, ao passo que para Psicanálise seria uma condição existencial.
O mesmo com relação a designação dos sujeitos. Na Psiquiatria e Psicologia, são pacientes. Na Filosofia Clínica partilhantes. Na Psicanalise par analítico ou analisando e analisado no setting.
Expressão de Lacan e os laudos psicanalíticos
Neste ponto a questão é semântica e de linguística, como expressou Lacan. Para Lacan o inconsciente é estruturado na forma uma linguagem.
Existe uma interface dos usos dos instrumentos. Esta interface poderá ser inter, pluri, multi, trans, meta, poli ou ecodisciplinares. A moda atual é ser ecodisciplinar face crise ambiental.
Os psicanalistas começaram a usar a anamnese assim como psicólogos e psiquiatras começaram a usar técnicas de acesso ao inconsciente. Nada disso configura invasão de atribuições quando existe consciência da necessidade das interfaces.
Conclusão sobre os laudos psicanalíticos
Face ao todo exposto acima, considerando as situações-problemas selecionadas para exame e com relação a problematização ofertada, qual seja: “Pode ou não pode o psicanalista fazer laudos para todos os fins, principalmente judiciais?”, entendemos que, para os fatos e atos ‘psicanalíticos’ o operador das ciências psicanalíticas pode sim, a pedido e quando requisitado por autoridades, conceber, construir e redigir laudos psicanalíticos sobre fatos e atos psicanalíticos.
Deve se abster de produzir laudos psiquiátricos e psicológicos, ou aplicar testes da esfera e formalística dos Psicólogos. O psicanalista deve ater-se as situações que envolve efetivamente o inconsciente usando técnicas e métodos do seu ferramental.
Ainda, o psicanalista também pode fazer uso, se assim desejar dos manuais descritivos tanto CID-11, da ONU, como DSM-V-TR da APA ou acadêmicos ou ainda, textos de classificações dos leigos desde que inseridos e autorizados por seus autores, como textos esparsos da literatura consagrada pela Psicanalise.
Este artigo sobre laudos psicanalíticos foi escrito por Edson Fernando Oliveira. PG em Psicanalise pela Ucam-Grupo Pro Minas, tem especialização em Filosofia Clínica. Formado Psicanalista leigo pelo IBPC. Contato: [email protected]