O artigo pretende discorrer sobre os significados da adolescência a partir de perspectivas psicanalíticas. O intuito é abordar o fenômeno de maneira plurívoca, evitando, assim, explicações esquemáticas e de marca cronológica. Busca-se aproximar leituras clássicas de problemáticas atuais, isto é, partindo desde a questão da reelaboração dos laços parentais, marca desse tempo do sujeito, até os impactos culturais e da sociedade de consumo sobre a adolescência.
Ao final falaremos sobre a importância dos espaços formais e informais de educação para o desenvolvimento dessas pessoas.
Reelaboração do Nome-do-pai e a adolescência
A adolescência não deve, segundo a perspectiva psicanalítica, ser compreendida como um momento de passagem, posicionando-se no lugar do “entre” algo que não é mais e aquilo que ainda há de ser, posto que esse enquadramento retira as suas singularidades e as suas especificidades.
É um contexto, apontando para outra direção, de reelaboração de operações psíquicas fundamentais, como aquelas realizadas na infância, em que se destaca a da forclusão, que implica na validação do nome Nome-do-pai. Pode-se dizer que adolescência comporta um movimento de desidealização dos pais.
Problematizando os laços parentais e a adolescência
A adolescência implica, nesse sentido, uma maior tomada de consciência por parte dos sujeitos, que, agora, passam a problematizar os laços de parentesco, algo que se dá, sobretudo, a partir dos seus posicionamentos a partir dos lugares sociais que os lançam na interrogação das estruturas psíquica, social e cultural que os conformam.
Geralmente nesse momento há um movimento de maior interação social por parte dos adolescentes, passando estes, então, a se vincular a diferentes grupos. O adolescente passa, nessa direção, a lançar-se como sujeito de desejo a partir de direcionamentos que suspendem, em alguma medida, o nome-do-pai, inclusive no que tange uma maior assertividade em termos de orientação sexual.
O que há é a conscientização da historicidade das figuras paternas, agora vistas pelo âmbito da mortalidade dos seus sistemas simbólicos conformadores das suas subjetividades.
Operação de luto na adolescência
As operações psíquicas movimentadas pelos adolescentes, em uma disposição culturalmente situada, podem ser consideradas como parte de um trabalho de luto. É uma difícil operação de transposição de registros e de ressignificação das estruturas parentais, agora, friccionadas pela inserção social.
Há um gesto de substituição simbólico-representacional orientadora do agir no mundo, o que resulta, então, na reelaboração, ou mesmo na perda, do lugar por onde o sujeito até então se performou, em que o referente paterno aparecia em destaque.
Essa situação, que não é de difícil entendimento, acaba por receber o suporte das novas identificações, sobretudo sociais, a que os adolescentes passam a se enredar, amenizando, assim, o trabalho de luto.
Estabelecendo novos modelos de identificação
Os adolescentes, acompanhando as reflexões psicanalíticas, passam, então, a eleger novos modelos de identificação. Isso implica, pois, em um processo de desativação do referencial parental absoluto visando a inserção no mundo social.
De uma maneira ou de outra, esse momento acaba sendo de redescrição do seu repertório pulsional, algo que envolve problematizações referentes a seus objetos de desejo, muita das vezes escamoteados durante o pubertário, junto aos significantes sociais que passam a enredá-lo.
O que se percebe é, pois, a desativação de significantes parentais absolutos para lançarem-se, sendo afetados e sendo agentes, na compreensão das discursividades que conformam o tecido social, sendo possível a identificação e a mobilização de significantes de ordem metonímica capazes de torná-los capazes de representar se ante o Outro.
Adolescência enquanto tempo de transformações
A adolescência, a partir dessa ordem de fatores, apresenta-se como um tempo de transformações na vida dos sujeitos, em que há mudanças na estrutura corporal, próprias da puberdade, bem como a reelaboração de algo como um “ser da infância”, que em o Nome-do-pai era conformado pelo desejo do Outro, para se movimentar como ser de desejos, em que as suas faltas passam a ser geradoras de formas outras de gozo.
Um momento universalizável?
Deve-se ter em mente, todavia, que não é possível universalizar esse contexto formativo dos sujeitos de modo esquemático e orientado por uma disposição cronológica. Não é um padrão universalizável. Cada pessoa possui, nessa direção, um arranjo subjetivo, que deriva de fatores psíquicos, sociais e culturais, bastante particular.
Mesmo que se assinale que a adolescência derive de um contexto em que os sujeitos estão defrontados pelo real do sexo desencadeado pela puberdade, esse elemento, por si só, não é capaz de abranger a totalidade do fenômeno.
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Adolescência como ideal cultural
A adolescência, conforme pensada pelo psicanalista Contardo Calligaris, tem sido, muita das vezes, concebida como a realização do sonho dos adultos. “É quase impossível, para o adolescente, se afastar da interpretação do desejo adulto” (CALLIGARIS, 2000, p. 56).
Verifica-se, então, um cenário marcadamente ancorado em disposições sociais alicerçado nas prerrogativas da cultura de tipo ocidental: a adolescência encarada a partir de um catálogo de expectativas dos adultos, pari passu, com os ideais de liberdade e de autonomia, que, paradoxalmente, se alimenta de condições externas majoritárias.
Calligaris salienta, além disso, uma característica contemporânea na construção social do ideal de adolescência: além desses sujeitos serem entrevistos por um olhar de promissão por parte dos adultos, paradoxalmente, passam a ser objeto de desejo comportamental desses mesmos adultos, pensando, nesse caso, em uma sociedade que cada vez mais nega o envelhecimento.
A vetorização da adolescência pelo consumo
Cabe destacar, ainda dialogando com Calligaris, que a adolescência em seu movimento de estabelecimento de laços sociais, de circulação por grupos; interagindo, deixando-se afetar e se apropriando de significados os mais diversos, estabelecendo sua identidade e passando a construir figuras de alteridade, pode ser, na contemporaneidade, objeto da sociedade de consumo.
A tendência para participação em grupos os mais diversos pode, de uma forma ou de outra, ser prefigurada pelas formas de padronização deste modelo de sociedade capitalista. Existiria, assim sendo, todo um movimento que condicionaria os grupos num momento decisivo para a sua constituição como sujeito.
“A adolescência e suas variantes são assim um negócio excelente. O próprio marketing se encarrega de definir e cristalizar os grupos adolescentes, o máximo possível” (CALLIGARIS, 2000, p. 58).
A importância de espaços de educação formais e informais
Como estamos acompanhando neste texto, a adolescência é atravessada por um contexto de forte interação social, em que se flexiona, no âmbito da formação da subjetividade, a dialética entre identidade e diferença.
Nesse sentido, espaços de formação educativa, formais e informais, passam a ser fundamentais para o pleno desenvolvimento desses agentes, acarretando condições favoráveis para fazer confluir a dinâmica singularidade/coletividade.
Esses espaços, não apenas o escolar, mas todo aquele em que se pretende estabelecer condições de aprendizagem significativas, interativas, inclusivas e democráticas, sendo os adolescentes percebidos como protagonistas nos modos de perceber o mundo, parecem ser interessantes como modo de tornar a inserção dos mesmos um ato pautado pela responsabilidade social, sem que isso seja, por um lado, o reforço de uma semântica neoliberal da autogestão, tão pouco, por outro, uma gestual de direcionamento de tipo disciplinador.
Referências bibliográficas
CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: PubliFolha, 2000.
FERRÃO, Valéria Sampaio; POLI, Maria Cristina. Adolescência como tempo do sujeito na psicanálise. Adolesc. Saúde. Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 48-55, abr./jun. 2014.
Este artigo sobre adolescência foi escrito por Piero Detoni([email protected]). Professor de História. Phd em História pela Unicamp. Doutor em História Social pela Usp. Graduado e mestre em História pela Ufop.