Tempo Perdido (Legião Urbana): letra e interpretação

A banda Legião Urbana é bastante conhecida no Brasil por causa do seu repertório atemporal. Tempo Perdido é reconhecida como um hino da reflexão e transformação dos anos 80. Em vista disso que a nossa equipe fará uma análise profunda a respeito dessa canção.

Letra da música tempo perdido

Todos os dias quando acordo

Não tenho mais o tempo que passou

Mas tenho muito tempo

Temos todo o tempo do mundo

Todos os dias, antes de dormir

Lembro e esqueço como foi o dia

Sempre em frente

Não temos tempo a perder

Nosso suor sagrado é bem mais belo que esse sangue amargo

E tão sério

E selvagem! Selvagem!

Selvagem!

Veja o sol

Dessa manhã tão cinza

A tempestade que chega

É da cor dos teus olhos

Castanhos

Então me abraça forte

E diz mais uma vez

Que já estamos

Distantes de tudo

Temos nosso próprio tempo (repete 3x)

Não tenho medo do escuro

Mas deixe as luzes

Acesas agora

O que foi escondido

É o que se escondeu

E o que foi prometido

Ninguém prometeu

Nem foi tempo perdido

Somos tão jovens

Tão jovens! Tão jovens!

Contexto

A canção Tempo Perdido da Legião Urbana nasceu em um momento complicado para o Brasil. Os brasileiros tentavam se recuperar dos efeitos da ditadura militar em 1985 enquanto o Plano Cruzado vigorava. Em suma, esse plano era uma estratégia para diminuir a hiperinflação e o povo viveu instabilidades financeiras durante o período.

Enquanto o país tentava se recuperar na política e economia, os jovens pareciam perdidos em meio a esses eventos. Sendo uma das maiores vozes daquele tempo, Renato Russo transmitiu o que a juventude sentia. Por causa da falta de avanços sociais, a década de 80 é considerada como uma “década perdida”.

Apesar do título, Tempo Perdido da Legião Urbana é um lembrete para nós mudarmos nossas prioridades. Além disso, mudar também a nossa maneira de viver se necessário. Em outras palavras, nos dedicarmos ao que é importante de verdade para nós.

Interpretação da música “Tempo Perdido” da Legião Urbana

Tempo Perdido faz uma reflexão a respeito da passagem do tempo. Além de não poder recuperar o seu passado, o ser humano também não consegue evitar o futuro. É um sentimento compartilhado, visto que o Eu lírico da música parte do singular para o plural na música.

Existe uma dualidade em relação ao trabalho quando o Eu lírico recita “nosso suor sagrado”. A letra desloca a ideia moralista de suor sagrado como “trabalho árduo”. Renato Russo estaria falando do suor sagrado como a dimensão do desejo: aquilo que fazemos para nos satisfazer, como o suor que resulta da atividade sexual. Esse suor é sagrado para o “nós” (por isso, “nosso”), ainda que doutrinas conservadoras possam considerar como pecaminoso.

Nesta mesma direção, o “suor sagrado” se opõe a “sangue amargo“: assim era uma forma de chamar o sangue contaminado com AIDS. Então, aquele suor sagrado que vem do desejo tem como uma das consequência o sangue amargo desta doença. Mas, ainda assim, o suor sagrado (do prazer) supera o sangue amargo (da doença).

• O sangue amargo representava o tempo perdido no futuro, ou seja, a morte jovem que a AIDS provocava na época (hoje, a AIDS não é tão devastadora como antes, para quem tenha acesso aos medicamentos que aumentam a longevidade e qualidade de vida).
• O suor sagrado representa o tempo ganho, ou seja, uma fagulha de prazer que marca aquele momento do ato sexual.

Ainda que a morte (sangue amargo) vença a pulsão de vida (o suor sagrado), no momento em que ocorre o nosso suor sagrado é bem mais belo que este sangue amargo.

Aliás, esta mesma oposição é feita na letra toda, sendo:

• de um lado, o tempo perdido, inimigo e imposto, que a tudo devora: “não tenho mais o tempo que passou”, “manhã tão cinza”, “tempestade”;
• de outro lado, o tempo esperançoso e idiossincrático (individual), que nos lembra (ainda) haver tempo: “temos todo o tempo do mundo”, “o sol”, “temos nosso próprio tempo”, “somos tão jovens”.

Importante vermos com atenção a palavra selvagem: não necessariamente é algo negativo nesta música, é uma expressão ambígua.

• O tempo perdido é selvagem, porque avança em suas horas sem respeitar se queremos viver mais ou não, um caráter mortal e inescapável do tempo perdido que, em psicanálise, poderíamos relacionar à angústia e à ansiedade geradas pelo superego hiper-rígido.
• Mas o tempo individual também é selvagem: o “id” do tempo individual é o que redime o sujeito e dá sentido até ao tempo maior (perdido), é este lado selvagem do id que produz o “suor sagrado” que funciona como um flash que momentaneamente nos livra da morte (fazendo-nos esquecê-la).

O ciclo da ansiedade

Segundo a análise da letra de Tempo Perdido, a maioria das pessoas possui um comportamento regular. É uma rotina de reflexão constante a respeito de questões cotidianas, mesmo quando o indivíduo deveria descansar. Ou seja, “Todos os dias quando acordo” e o verso “Todos os dias / Antes de dormir” se referem à ansiedade.

Talvez a maioria das pessoas, quando vai dormir, lembre do seu dia e faça uma análise a respeito dele. Contudo, logo precisa esquecer, pois a vida continua e há outras obrigações a cumprir. Além de gerar ansiedade por causa dos deveres, o cotidiano dessas pessoas não as deixa aproveitar o presente nas suas vidas.

Você não está sozinho

Alguns parágrafos atrás nós afirmamos que o Eu lírico de Tempo Perdido da Legião Urbana não está sozinho. O pronome “nosso” indica que a angústia retratada pelo cantor é a mesma de uma multidão. Desse modo, a mensagem da canção expõe os problemas que a maioria das pessoas sempre vivencia em silêncio.

Por exemplo, transporte precário ou condições de trabalho que prejudicam a saúde de uma pessoa. Enquanto muitos trabalhadores dão o melhor de si, muitas vezes nem são recompensados como deveriam. Entretanto, assim como muitos outros, a necessidade falta mais alto e eles precisam sobreviver.

O amor como refúgio

Ao dizer “veja o sol”, o Eu lírico tem o intuito de chamar a presença de outra pessoa. Tudo porque um futuro sombrio se aproxima, algo evidenciado nos versos “manhã tão cinza” e “tempestade que chega”. Entretanto, a luz do sol e da esperança ainda existem nos olhos castanhos da amada.

Assim:

O amor se torna uma espécie de refúgio

O verso “Então me abraça forte” indica que nós podemos ter a sensação de segurança e conforto com alguém amado. Portanto, é importante.

Escape

Por causa das dificuldades, muitas pessoas preferem um mundo somente delas para fugir da realidade. O amor pode não acabar com os problemas, mas ajuda a diminuir o sofrimento que eles causam.

União

O verso “Temos nosso próprio tempo” indica que os amantes estão se unindo mais e mais por causa da pressão externa. ou seja, juntos talvez possam fazer uma diferença maior.

Lições

A letra de Tempo Perdido conta uma história de aprendizado do ser humano. Por meio da poesia, Renato Russo descreve a jornada de crescimento do ser humano quando:

Reconhece as suas limitações

Mesmo que reconheça a sua força, o Eu lírico de Tempo Perdido assume as suas fraquezas. Ele reflete a respeito do seu modo de viver e das vivências do seu presente nos versos “Não tenho medo do escuro / Mas deixe as luzes / Acesas agora”.

Não existe “tempo perdido”

Todas as vivências que tivemos contribuíram para o nosso crescimento. Portanto, é difícil afirmar que há “tempo perdido” ou desperdiçado no aprendizado. Além disso, no verso “somos tão jovens” indica que nós temos uma vida pela frente para ser vivida.

A mudança é possível

Renato Russo tem o intuito de explicar se nós estamos desperdiçando as nossas vidas ou não. Ainda que nós tenhamos nossas preocupações, devemos lembrar que há um futuro a caminho. Logo, nós podemos rever quais são as nossas prioridades e mudar algumas atitudes.

Considerações finais sobre Tempo Perdido

A música Tempo Perdido é uma reflexão a respeito da passagem do tempo que causa angústia na humanidade. Por meio do eu lírico da canção nós podemos nos reconhecer na confusão mental que a rotina nos causa.

Nesse sentido, a vida é repleta de desafios e Renato Russo foi bastante sensível ao descrever alguns deles. Mesmo que, às vezes, seja difícil perceber, estarmos vivos pode ser uma experiência extraordinária. Com certeza a dúvida quanto a ter tempo ou não nos assombrará, mas não deve nos impedir de viver.

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