Este trabalho buscou dar continuidade a pesquisas sobre adicção e relacionamento abusivo, nos quais o homem é a vítima. Conforme Trípode (2021), o relacionamento abusivo em uma esfera de violência doméstica, não está relacionado ao sexo ou gênero do indivíduo, em que somente o homem é o agressor.
Apesar de tal constatação, Minayo (2005) assevera que o homem heterossexual cis, tem toda uma dificuldade em internalizar-se como vítima e diante desta conduta coloca-se a masculinidade em ênfase como frágil agredindo a construção interna do papel e identidade desenvolvida e torneada ao longo dos tempos.
Entendendo sobre a adicção e relacionamento abusivo
Partimos do princípio de que “qualquer relacionamento humano é passível de conflitos. Entretanto, quando ocorre um relacionamento abusivo, este revela-se como uma relação nociva […]” (Carreiro-Silva; Souza, 2022, p.23). Como hipótese sugerimos que, diante de um relacionamento abusivo, há a possibilidade de implicâncias psicológicas e uma das consequências – a adicção.
A importância desse estudo está em compreender, a partir da psicanálise, o quanto a personalidade do indivíduo e suas subjetividades, assim como o contexto social, podem interferir nas possíveis consequências de um relacionamento abusivo, trazendo como possível consequência a adicção. Nesse sentido questiona-se – qual a possibilidade do indivíduo desenvolver uma adicção, mediante implicâncias psicológicas de um relacionamento abusivo?
O objetivo do trabalho
O objetivo deste trabalho é compreender e/ou constatar, a partir de referências da psicanálise e da psicologia social, a possibilidade do indivíduo desenvolver uma adicção, mediante implicâncias psicológicas de um relacionamento abusivo.
Na primeira parte deste trabalho apresentaremos a fundamentação teórica com o intuito de corroborar com a questão aqui levantada. Na segunda parte, apresentaremos um caso analisado, integrando teoria versus prática. Para atingir esses objetivos. A metodologia aplicada foi a pesquisa qualitativa, utilizando o estudo de caso como estratégia, incluindo a fundamentação teórica como apoio ao caso pesquisado.
[ Citação ] “Freud não se dedicou de modo sistemático ao tema das adicções, mas ao complexificar sua teoria da psicossexualidade, alcançando novas camadas de compreensão do funcionamento psíquico através dos conceitos de pulsão, princípio de prazer e, enfim, compulsão à repetição — mecanismo de funcionamento aquém do campo do sexual e do prazer —, ele ofereceu os elementos de base para a construção de uma concepção psicanalítica das adicções” (NETTO; CARDOSO, 2017, p.3).
Fundamentação: adicção e relacionamento abusivo
Para melhor compreensão partimos do pressuposto de que vítimas de abusos, em relacionamentos íntimos, são diferentes de outras vítimas que sofrem abusos e violências. O principal motivo se dá pelo fato de conviverem ou terem relação próxima com o(a) agressor(a). Por isso, este tipo de abuso/violência é acompanhado de uma prática emocional particular, baseado na relação de apego entre vítima e agressor(a) (SIMONIČ; OSEWSKA, 2019).
O apego a uma relação tóxica/abusiva pode causar traumas e especificamente nesta situação o trauma bonding, cujo resultado é um vínculo afetivo traumático, acontecendo sem a percepção da vítima, principalmente no começo do relacionamento. Entretanto, com a continuidade, a intimidade vai ocorrendo, a relação vai se aprofundando, tendendo a ficar mais claro o comportamento violento/abusivo do(a) agressor(a), mas a vítima já está aprisionada (DUTTON; PAINTER, 1993).
Os autores Dutton; Painter, (1993) afirmaram que na maioria das vezes no começo dos relacionamentos abusivos, os episódios são muito leves e quando ocorrem o(a) agressor(a) pede desculpas, “arrepende-se”, e a pessoa que sofre o abuso, aceita, reforçando o vínculo emocional. Esta situação continua a ocorrer até tornar-se um ciclo vicioso de violências e abusos. O(a) agressor(a) com a continuidade começa insinuar que o erro está na vítima e essa passa a acreditar que algo está errado consigo mesma.
Uma nova fase: adicção e relacionamento abusivo
Essa nova fase é caracterizada pelo aumento do abuso, sendo desencadeadas reações cognitivas como, culpa, autoacusação, introjeção, caracterizando além da baixa autoestima, uma representação dos acontecimentos e autorrepresentações distorcidas (DUTTON; PAINTER, 1993). Historicamente o relacionamento de natureza abusiva, segundo SIMONIČ; OSEWSKA (2019), remonta uma estrutura social patriarcal, caracterizada por papéis estereotipados de gênero, que também pode contribuir para o abuso nas relações, afetando a mulher, pois estatisticamente o homem é o agressor.
Contudo, de acordo com Trípode (2021), o relacionamento abusivo, não está relacionado ao sexo ou gênero do indivíduo, em que somente o homem é o agressor, pois, homens, cada vez mais, têm sido vítimas de violência doméstica familiar, alertando que esse é um assunto que precisa de mais atenção de nossos órgãos públicos, assim como vem ocorrendo com as mulheres. Minayo (2005, p.23-24) refletiu que: Na visão arraigada no patriarcalismo, o masculino é ritualizado como o lugar da ação, da decisão, da chefia da rede de relações familiares e da paternidade como sinônimo de provimento material: é o “impensado” e o “naturalizado” dos valores tradicionais de gênero.
Diante do que se subscreveu, apesar das denúncias que deflagram as mulheres na inversão de papel de vítima para a agressora, esta conduta coloca a masculinidade em ênfase como frágil e “afeminada”, agredindo a construção interna do papel e identidade desenvolvida e torneada ao longo dos tempos.
Análise freudiana
Nesse contexto, analisemos na psicanálise freudiana, quando afirma que a função das figuras parentais, (paterna e materna) exercem grande influência nessa passagem do indivíduo, entre cinco e seis anos de idade, de Narciso a Édipo , pois ambos desempenham funções primordiais, as quais repercutirão na resposta de filhos ou filhas, interferindo na sua organização psíquica. A gênese da personalidade é o núcleo para o inconsciente, no qual estão as formações herdadas (parentais) (REIS; MAGALHÃES; GONÇALVES,1984).
Contudo, o que é rejeitado na consciência é o que está ativo no inconsciente – os traços mnêmicos, que são a base dos traços de caráter, natureza sexual (sendo mais ampla que o genital), ressaltando que o aparelho mental é submetido a excitações internas e externas e essas excitações/representações psíquicas são o que Freud determinou como TRIEB [impulso, pulsão (desejo de vida e de morte) e instinto] (REIS; MAGALHÃES; GONÇALVES,1984 apud CARREIRO-SILVA; SOUZA, 2022, p. 8).
Acrescentamos às reflexões, a Psicologia Social e a Pessoalidade conferida por Spink; Figueiredo; Brasilino (2011), cujos quais afirmam que as experiências de quem somos são formadas a partir de nossas vivências em sociedade, respeitando os ‘processos de subjetivação’. E, para expor sobre essa experiência singular de processos de subjetivação, adotaram o termo inglês self (ou selves, no plural), traduzido como “eu”, ou à consciência de si e à identidade (SPINK; FIGUEIREDO; BRASILINO, 2011).
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O movimento dialético
Nesse sentido, a Psicologia, enquanto ciência, não sustenta a possibilidade de diagnosticar a pessoa, enquanto indivíduo subjetivo, formado também pela multiplicidade de suas relações. Mead (1973 apud Spink, Figueiredo; Brasilino, 2011, p.141) explicam:
Eu e Mim apresentam-se como componentes indissociáveis do self. O Mim representa a imagem que o outro tem do indivíduo, (necessária para a apreensão da própria identidade). Isto significa que o Eu só existe a partir do Mim. Sendo assim, o self surge do movimento dialético, de uma interação social onde o outro torna-se indispensável para o ser entrar em contato com o mundo que lhe rodeia, definindo esse movimento como dualismo, (o self e o outro).
A partir de Fiske e Taylor (1991) a Cognição Social sobre o si mesmo, é considerada como estímulos que são o modo como os indivíduos pensam sobre as outras pessoas e a forma como imaginam e organizam os próprios pensamentos diante do outro. Com tais experiências, modelamos a nossa visão de mundo segundo a nossa percepção.
Adicção e relacionamento abusivo: cognição social
A Cognição Social, afirma que somos influenciados por três estruturas básicas: esquemas sociais, pensamentos automáticos e heurísticas. Refletimos sobre as heurísticas, que são os atalhos que constantemente usamos para o conhecimento da realidade social, tomando como base as experiências anteriores, as referências da própria caminhada do indivíduo.
O ponto positivo da heurística está na facilidade e agilidade de tomar as decisões, e isso, nos permite vantagens diante de tantas informações, todavia sem esquecer que um atalho pode ser perigoso, pois devido aos nossos julgamentos, podem nos levar a conclusões equivocadas, pois o comportamento social do outro, a observação sobre um objeto ou um evento, não devem ser reduzidos à representatividade do que o ‘eu’ sujeito tem sobre esses fatos. (RODRIGUES, ASSMAR, JABLONSKI, 2016).
Nessa revisão de literatura, observamos que tais abordagens, segundo Carreiro-Silva e Souza (2022, p. 12), convergem ao indivíduo e suas subjetividades, multiplicidades e diversidades: Na Psicanálise de Freud a relação sujeito-objeto dá ênfase ao objeto do desejo. A base da clínica freudiana é fortalecer o ego. Na Psicologia Social, Mead, afirma que o self não é uma estrutura inata é acima de tudo social.
O retrato da heurística
Finalmente a Cognição Social retrata a heurística, a partir de Fiske e Taylor nos fazendo refletir sobre o modo como os indivíduos pensam sobre o outro e a forma como imaginam e organizam os próprios pensamentos diante do outro. O ‘outro’ torna-se indispensável para o ‘ser’ entrar em contato com o ‘mundo’.
Associamos essas constatações referentes às influências da personalidade, conforme a psicanálise e, do contexto social na vida do sujeito, com as possíveis consequências de um relacionamento abusivo, mais especificamente – a adicção.
Inicialmente referenciamos nossa pesquisa à teoria do apego de Bowlby, enquanto psiquiatra e psicanalista, que construiu sua compreensão sobre o apego baseado nos caminhos necessários ao desenvolvimento de laços saudáveis e seguros, argumentando em favor da consistência e do reforço positivo. Por outro lado, Dutton e Painter (1993) descrevem como ocorre a criação de laços problemáticos e inseguros, inicialmente trazidos por Mary Ainsworth.
Laços inseguros
Referindo-nos aos laços inseguros, no senso comum, existe a ideia de que indivíduos que se mantém em relacionamentos abusivos seria por motivos financeiros, satisfação à sociedade, baixa autoestima e dependência psicológica. Dutton e Painter (1993) apresentam que o trauma bonding é o que, realmente, mantém essas pessoas aprisionadas aos seus relacionamentos amorosos.
Na visão da fisiologia o cérebro do ser humano é acionado durante o processo psicossocial de geração dotrauma bonding. Simonič e Osewska (2019), demostram, em estudo, grande probabilidade de que sujeitos vítimas de abuso frequente ou prolongado, assim como trauma na infância, têm mais propensão a se envolverem em relacionamentos abusivos que gerem trauma bonding, por conta de um mecanismo recompensa do organismo, que busca a repetição de certas sensações geradas pela descarga de endorfinas após o fim da situação de crise.
De acordo com Bloom (1999), em sua obra “Trauma Theory Abbreviated”, tal mecanismo funciona de forma semelhante ao que ocorre em organismos de pessoas dependentes de substâncias psicoativas: […] essas substâncias mágicas chamadas endorfinas são parte do funcionamento normal e corriqueiro, mas elas são especialmente importantes em momentos de estresse. O problema reside nas pessoas que são expostas repetidamente a experiências de estresse prolongado. Tais pessoas, geralmente crianças, são expostas a altos níveis de endorfinas frequentemente.
O vício nas endorfinas, a adicção e relacionamento abusivo
Uma hipótese é a de que os indivíduos podem se tornar ‘viciados’ em suas próprias endorfinas e, como resultado, só se sentem calmas quando estão sob stress, com medo, irritáveis e hiper excitadas quando o estresse é aliviado, bastante similar a pessoas em abstinência de heroína. Isso é chamado de ‘vício em trauma'[…]. (BLOOM, 1999, p. 9).
Bloom (1999) reflete ainda – que permanecer em um relacionamento abusivo não se trata de uma questão puramente psicológica ou social. Sugere que indivíduos que são submetidos a altos níveis de estresse e cortisol desde a infância, têm dificuldade de evadir-se de um relacionamento abusivo.
O trauma bonding é formado e mantido, também, devido a uma atividade particular no nível orgânico de ambos os parceiros em uma relação abusiva, caracterizada pela desregulação na secreção de dopamina, opioides endógenos, corticotrofina e ocitocina, hormônios que contribuem para o “vício no trauma” (BURKETT; YOUNG, 2012 apud FONSECA, 2021, p.4).
As vítimas
As vítimas de relacionamentos abusivos, segundo Bloom (1999) têm dificuldade de sair destes relacionamentos e quando decidem e conseguem deixar a pessoa abusiva, as consequências são semelhantes às que – adictos de substâncias psicoativas em abstinência – experimentam, o que traz fortes indícios da presença de mecanismo que relaciona a produção hormonal humana com o trauma bonding, trazendo a possibilidade dessa vítima permutar para uma droga lícita ou ilícita, buscando alívio para tais sintomas aos desejos de afastar-se da pessoa abusiva.
Paradoxalmente o abuso aumenta a angústia da vítima, que deseja fugir, ao mesmo tempo em que tem a necessidade de laços que poderiam equilibrar essa angústia. Nesse sentido, o agressor passa a ser fonte de medo e, ao mesmo tempo, de proteção. O vínculo traumático é por um lado, uma fonte de trauma, e por outro, um vínculo que fornece segurança (SIMONIČ; OSEWSKA, 2019).
Para a psicanálise, o trauma é a marca do encontro de um sujeito com o sexual. Sendo assim, ‘vivências traumáticas’ estão na base da formação do sintoma, que reúne efeitos positivos e negativos do trauma e em que se observa a expressão preponderante, ora de uma, ora de outra tendência (FREUD, 1920).
Adicção e relacionamento abusivo para Freud
Para Freud (1920) dominar quantidades de estímulos é uma questão que se impõe a partir dos sonhos das neuroses traumáticas, levando-o a postular o ‘mais-além do princípio do prazer’ que estaria na base dessa compulsão à repetição. Com isso, se ocorreu durante a infância um recalcamento da lembrança traumática, deveria se evitar o seu reaparecimento. Mas, o que ocorre é o retorno dessa lembrança, o fracasso do recalque, convocando o sujeito à repetição da cena que traz desprazer.
Sendo assim, a resposta de Freud ao enigma da repetição das cenas traumáticas é supor que a repetição tem por objetivo dominar o estímulo que provoca a dor, conferindo-lhe um sentido (Freud, 1920). Mais tarde, entende o próprio sintoma como uma tentativa de desfazer a situação traumática (Freud, 1926/1987c), que podemos compreender como uma solução subjetiva de cada sujeito para dar conta do encontro traumático com o desejo ou sexo.
Por fim, na heurística Rodrigues; Assmar; Jablonski (2016) refletem que o comportamento social do outro, a observação sobre um objeto ou um evento como no caso a adicção, não devem ser reduzidos à representatividade do que o ‘eu’ sujeito tem sobre esses fatos. Ainda acrescentam, que essas reações do indivíduo ainda acontecem, pois, na maioria das vezes há o julgamento, criando então um falso consenso sem mesmo confirmar aquilo se de fato é verídico, até porque se existir a análise com uma afirmação deixa de ser heurística (CARREIRO-SILVA; SOUZA, 2022). Na próxima sessão iremos refletir sobre o caso de relacionamento abusivo, no qual o homem é a vítima e a adicção como possível consequência de um relacionamento abusivo.
Análise de caso: adicção e relacionamento abusivo
O Caso analisado foi retratado no Artigo Científico de Conclusão do Curso de Psicologia – Repercussões psicológicas de relacionamentos abusivos para homens: um estudo de caso qualitativo, das autoras Carreiro-Silva e Souza (2022). Acrescentamos a questão: qual a possibilidade do indivíduo desenvolver uma adicção, mediante implicações psicológicas de um relacionamento abusivo?
A partir desse caso refletimos que ainda é pouco comum a acusação de abusos e/ou violência doméstica, feita por homens como vítimas de relacionamentos abusivos por parte de suas companheiras. Nesse contexto analisamos que as reações desse indivíduo ao tentar algumas vezes, conforme citado em entrevista, sair do relacionamento que se encontrava, causava-lhe uma angústia que dificultava essa saída.
Em relação a fatores da personalidade, as autoras do estudo em questão, sugeriram a possibilidade de um narcisismo anaclítico em busca de um “ego ideal”, que exemplificamos através da fala do entrevistado – “eu sou meio réu confesso, a minha educação, a forma que fui criado…, eu reconheço meus erros, o processo de evolução de erros e acertos, me foi ensinado assim…”.
Sobre o sujeito estudado
… Foi identificado também que o sujeito estudado, “sabe quem é, mas, não consegue constatar o que perdeu nesse alguém, levando um grande empobrecimento do Eu – culpa, sentimento de pequenez… É um Eu que se consome, incapaz de se auto cuidar, e aos poucos vai ocorrendo o remorso e a recriminação que carece de vergonha – diante do outro – ainda na função egóica, Freud começa a pensar/criar o superego onde as recriminações são introjetadas” (Carreiro-Silva e Souza, 2022).
Trouxe em sua fala, “…Eu me perguntava: Será que sou eu realmente? O problema era meu? Tinha uns 10 anos de convivência… Ela me fazia pensar que eu era culpado de tudo que ocorria. Daí eu tentava continuar, pois eu sou muito afetivo, fui criado assim… Eu pensava que isso iria fazer ela se transformar… Queria ter minha família…
As autoras do estudo também sugeriram que, no caso aqui apresentado aparece também, como uma tendência de hipótese masoquista. Contudo, nesse âmbito, horas o sujeito está no contínuo da neurose e outras horas retorna à posição masoquista – oscilando e não definindo caráter – personalidade. Na busca de significados do sofrimento apresentado por esse sujeito analisado, foi assimilado como fatores da sua personalidade: a passividade e como consequência a angústia, a ansiedade, a tristeza (CARREIRO-SILVA; SOUZA, 2022).
O contexto social
Na identificação de fatores do contexto social, analisando o caso do sujeito entrevistado a partir de Spink, Figueiredo; Brasilino, (2011) e Rodrigues, Assmar, Jablonski (2016), especificamente através da heurística – esclarecendo que a heurística pode nos levar ao inconsciente, definindo como limitação cognitiva que reduzem nosso tempo de tomada de decisão – foi observado que o sujeito trouxe ‘atalhos’, durante a entrevista, para ‘solucionar alguns de seus problemas’: “Eu sou muito afetivo”, ou ainda, “busco passar adiante esses ensinamentos como pai…” – Carreiro-Silva e Souza (2022), observaram também, a disponibilidade que ele citou, de modo rápido, exemplos que lhes são importantes, fazendo a comparação de uma determinada situação do hoje com algo que vem representar seu modelo mental: “ela não se importa… Por isso, ela não paga nada”.
A questão da adicção é evidenciada quando o sujeito afirma que, nos 3 (três) últimos anos de relacionamento abusivo, “tentou”, se desvincular daquele relacionamento. “As substâncias psicoativas, traziam uma recompensa para os momentos de dor, solidão, e falta de coragem de tomar uma definição”.
Na adolescência o entrevistado passa por situação de experienciar o uso de drogas oferecidas pelos próprios parentes, assim como, afirma ter conhecido um mundo que seus pais não imaginavam… Parte então, para relacionamentos fugares, até encontrar-se com a ex-companheira, que descreve ter sido uma paixão fora de tudo que experimentou.
O sujeito reanalisado
Diante das constatações aqui descritas, relacionamos a seguir teoria e dados, identificando no estudo de caso analisado, a partir de fatores de personalidade e construção social que porventura puderam interferir, na adicção do sujeito reanalisado, com o suporte da psicanálise e da psicologia social.
Em formulações tardias da obra freudiana, a questão da repetição em suas relações com o trauma, a compulsão e o sintoma ganham novos contornos. Em seu estudo sobre Moisés y la religión monoteísta, Freud fala dos dois tipos de efeitos que os traumas acarretam ao eu: efeitos positivos e negativos. Ao fazê-lo, indica que o trauma exerce uma força de atração – efeitos positivos – que convive com uma força de repulsão – efeitos negativos – naquele que dele sofre.
Essa formulação, ao postular a existência de duas formas de “reação” do sujeito ao trauma, contraria a ideia de uma relação com o trauma que seria exclusivamente de submissão e de sofrimento. Isso porque aponta para uma consequência que seria da ordem de uma satisfação (FREUD, 1939/1986a, p. 72).
Fenômenos traumáticos, adicção e relacionamento abusivo
Nessa visão, de acordo com Freud (1939/1986a, p. 72), os efeitos positivos do trauma dizem respeito a “empenhos para devolver ao trauma sua vigência, quer dizer, recordar a vivência esquecida ou, melhor dizendo, fazê-la real-objetiva (real), vivenciar de novo uma repetição dela (…) Esses esforços para trazer à experiência do trauma sua efetividade encontram-se na fixação ao trauma e na compulsão de repetição”.
Todos esses “fenômenos neuróticos” têm como traço comum sua “natureza compulsiva”. Tanto nos efeitos positivos quanto nos negativos trata-se de fixações ao trauma (Idem, p. 73).
O sintoma apresenta-se como uma solução que se constrói para conciliar o inconciliável, ou seja, as duas reações contraditórias de um sujeito ao trauma. Ele é uma formação de compromisso que abriga essas reações distintas, originando conflitos que geralmente não podem ser resolvidos. Desse modo, a formação do sintoma se dá em consonância com as leis que operam entre contrários no inconsciente (FREUD, 1939/1986a).
A vulnerabilidade psicológica
No contexto social identificamos como causa da vulnerabilidade psicológica sofrida pelo sujeito entrevistado, a crença do que é família, a religiosidade e a criação que os pais deram no que se refere a valores morais e sociais e para a adicção às substâncias psicoativas as influências referendadas nas experiências anteriores.
Observamos que a psicologia social traz um entendimento multifatorial para os acontecimentos analisados. Na análise do caso notamos ele a retratação de muitas lembranças, significando um imaginário repleto de representações de eventos relevantes e que compõem uma rede traumática na concepção de uma compreensão da história de vida do sujeito (MEAD, 1973 apud SPINK, FIGUEIREDO; BRASILINO, 2011).
Mediante as análises partimos para as considerações finais, buscando responder à questão da pesquisa trazida nesse trabalho.
Considerações finais
Para responder à questão de pesquisa, qual a possibilidade do indivíduo desenvolver uma adicção, mediante implicâncias psicológicas de um relacionamento abusivo, pudemos constatar que existe sim a possibilidade a partir de referências da abordagem do trauma, pois conforme Freud (1939/1986a, p. 72), os efeitos positivos do trauma dizem respeito a “empenhos para devolver ao trauma sua vigência, quer dizer, recordar a vivência esquecida ou, melhor dizendo, fazê-la real-objetiva (real), vivenciar de novo uma repetição dela (…)
“Esses esforços para trazer à experiência do trauma sua efetividade encontram-se na fixação ao trauma e na compulsão de repetição”. Todos esses “fenômenos neuróticos” têm como traço comum sua “natureza compulsiva”. No contexto social, a Cognição Social, afirma que somos influenciados por três estruturas básicas: esquemas sociais, pensamentos automáticos e heurísticas.
Refletimos sobre as heurísticas, que são os atalhos que constantemente usamos para o conhecimento da realidade social, tomando como base as experiências anteriores, as referências da própria caminhada do indivíduo. Observamos que o indivíduo analisado no caso, faz uma ‘permuta’ da adicção do relacionamento abusivo para a adicção às substâncias psicoativas, que fizeram parte de seu histórico de vida e que foram utilizadas no auxílio da abstinência sentida durante as tentativas de evasão do relacionamento abusivo.
Fatores biopsicossociais
Diante do exposto, o questionamento central feito no início desta pesquisa sobre a possibilidade da adicção como consequência de um relacionamento abusivo é possível inferirmos que diversos fatores emocionais e biopsicossociais apresentam-se como causas para que a adicção se estabeleça no indivíduo, compreendendo que cada variável identificada torna-se de fundamental importância, tanto para a elaboração terapêutica do trauma, das suas consequências, quanto para o processo de tratamento deste sujeito enquanto vítima, auxiliando-o no entendimento de sua personalidade e de seus padrões discordes e nocivos.
O abuso ou violência sofridos na infância ou adolescência pode interromper o processo natural de criação dos laços saudáveis, alterando a estrutura cerebral do indivíduo, tornando-os mais suscetíveis a se envolver em um relacionamento abusivo, tanto por fatores internos, quanto por fatores externos, que lhe dão uma menor condição para lidar com a percepção de perigo e a formação de vínculos positivos, deixando a sensação de incapacidade de sair da relação.
Reiteramos, finalmente, a importância de expandir os estudos acerca das diversas adicções, como possível consequência de relacionamentos abusivos, onde a vítima é o ser humano independentemente de gênero, cor de pele, crença ou opção sexual, onde a constituição psicoterapêutica apresenta em suas técnicas, cuja qual, o sujeito da psicanálise é o sujeito do desejo, através da noção de inconsciente, marcado e movido pela falta, determinado por Freud, se constituindo inserindo-se em uma ordem simbólica que o antecede, enviesado pela linguagem, perpassando pelo desejo de um Outro, sendo mediado por um terceiro.
Referências
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Este artigo sobre adicção e relacionamento abusivo foi escrito por Josimara. Sou Psicanalista e Psicóloga, sou Paulista e moro em Salvador BA, gosto de estudar a Psicanálise em seu amplo sentido e também estou disponível para network a ponto de trocarmos informações e conhecimentos pelo instagram através do endereço @josimaraevangelistade, te aguardo por lá.