Qual o princípio do prazer? Nos dias atuais, a sociedade hodierna vivencia um grande impasse: a busca excessiva pelo prazer. A geração pós moderna se difere de maneira diametralmente oposta à geração da Idade Média.
Entendendo o princípio do prazer
Esta última era conhecida pela escassez, pela falta de recursos, pelas dificuldades e poucas possibilidades de sucesso. Já a geração pós moderna é conhecida pela abundância, excesso de informação, riquezas, avanço tecnológico, facilidades e infinitas possibilidades.
Na busca pela evolução em todos os sentidos possíveis (financeiro, psicológico, físico) alguns problemas foram realmente solucionados, outros, no entanto, foram potencializados. O que foi criado para ser originalmente fonte de prazer, acabou por se tornar fonte de sofrimento para grande parte da humanidade.
Sabe-se que todo ser humano tem necessidades básicas, e consequentemente desejos de satisfazer essas necessidades.
O princípio do prazer e a Psicanálise
Dentro da psicanálise, Freud explica com clareza de onde vem esses desejos. Ele traz o conceito de ID associado à uma das três instâncias da segunda teoria do aparelho psíquico, sendo o ID a categoria mais primitiva, filogenética, e instintiva das instâncias.
O ID seria inato, e no processo de amadurecimento do sistema nervoso se originaria o ego, que se desenvolveria formando também o Superego. O ID é completamente inconsciente e existe para impulsionar o indivíduo à propagação da vida e à conservação da mesma, através do desejo pelo prazer.
Por isso, existe um consenso de que o ID é regido pelo princípio do prazer, e um exemplo prático de como o ID atua de forma concreta se dá pela observação de como os bebês agem.
O princípio do prazer e o bebê
Sabe-se que um bebê não tem seu aparelho psíquico desenvolvido, portanto só possui exigências, e deseja que todas as suas necessidades sejam prontamente atendidas.
Um bebê não tem noção da realidade, de espaço-tempo, de regras, ele somente deseja satisfazer suas necessidades básicas (alimentação, sono, conforto).
É bem comum vermos bebês chorando quando não lhes é dado aquilo que queriam no momento em que solicitaram. Isso é uma demonstração clara de como o ID atua, e de como ele é imediatista, o ID não conhece a palavra “paciência”, e como um bebê só possui o ID quando nasce, é natural que eles não compreendam a expressão: “espere um pouco, você será atendido em instantes”.
A neurociência
Existem alguns estudos recentes da neurociência que abrem possibilidades de relacionar a teoria freudiana da estrutura do aparelho psíquico à neurofisiologia e funções fisiológicas do cérebro humano.
O ID pode ser relacionado ao sistema límbico, que é um conjunto de estruturas localizado no cérebro dos mamíferos, que responde pelos comportamentos instintivos, pelas emoções mais intrínsecas e pelos impulsos básicos.
Há uma associação ainda mais específica do ID ao núcleo accumbens que se encontra na via mesolímbica (via dopaminérgica do cérebro) que é responsável por ativar a motivação pela busca do prazer e por constituir um sistema complexo de recompensas.
O sistema límbico
Essa energia proveniente do sistema límbico é inerente aos humanos, e é a força motriz que movimenta os indivíduos no caminho em direção à concretização dos seus objetivos pessoais.
Posto isso, há uma constatação de que a busca pelo prazer é natural, e até certo ponto benéfica. Entretanto, a grande questão apresentada é a de que os seres humanos não podem ser movidos pelo princípio do prazer.
No exemplo dado acima, considera-se a ação pura do ID sobre os bebês, mas estes, à medida que crescem e se desenvolvem, submetem suas estruturas psíquicas ao processo de amadurecimento através da inserção dos mesmos numa sociedade civil, repleta de regras, limites e restrições.
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O ego e as exigências do ID
É neste momento que o ego se forma, inicialmente para atender às exigências do ID, e depois com o surgimento do Superego, (através da introjeção da moral) o ego busca equilibrar os impulsos do ID, com as cobranças do Superego.
Sendo assim, depois da aparição do ego e do superego, o indivíduo passa a ser regido pelo princípio da realidade, agora ele precisa passar os desejos por um filtro social e moral, e não pode ter todos os seus anseios atendidos. Segundo Freud, para viver numa civilização, é necessário refrear alguns de nossos desejos em prol do bem coletivo.
Esse processo saudável do desenvolvimento psíquico descrito por Freud, tem sido interrompido ou mal elaborado pela nossa sociedade atual. Não é incomum vermos uma grande quantidade de adultos agindo como crianças e sendo guiados somente pelo princípio do prazer.
O hedonismo
O hedonismo, que é uma corrente da filosofia grega, traz a ideia do prazer como bem supremo e finalidade da vida humana, ou seja, o prazer para a filosofia hedonista é o único propósito de vida.
Através da observação empírica, a sociedade contemporânea tem se tornado cada dia mais hedonista, ignorando a noção da realidade e buscando o prazer de forma indiscriminada, ocasionando assim, uma geração escrava dos prazeres, presas à vícios dos mais variados tipos, que conduzem sorrateiramente a humanidade à própria destruição.
Freud afirma em suas explicações que a precariedade na constituição do superego na fase fálica, onde se apresenta o complexo de Édipo, é uma das causas para existência de indivíduos imaturos e mimados, que pensam somente em satisfazer suas próprias necessidades, vivendo em mundo de fantasias onde o outro não existe.
O princípio do prazer e o superego
Normalmente, esses indivíduos adultos quando crianças não ouviram muitos “nãos” dos pais, tinham tudo que queriam quando solicitavam, e nunca eram contrariados.
Pode-se afirmar então, que os mesmos tem um superego fragilizado, ou seja, não conseguem compreender a necessidade de se respeitar leis, regras e hierarquias, não conseguem entender que nem todos seus desejos serão atendidos, e que estão inseridos num mundo real, que além dos prazeres, é repleto de dores e sofrimentos.
Sendo assim, conclui-se que uma sociedade que é regida pelo princípio do prazer está fadada ao fracasso e à própria destruição pelo simples fato de anular a razão e a busca pelo bem coletivo. Pessoas que insistem em seguir essa filosofia hedonista, sucumbem a vícios em jogos, compras, álcool, sexo, drogas, comida, redes sociais e etc.
Conclusão
Sendo o fim das mesmas extremamente trágico e doloroso. Viver somente em busca de prazeres é uma ilusão, afinal, até a busca por prazer em si já causa sofrimento e angústia.
A dor é necessária para o crescimento, momentos de tristeza e pesar costumam fornecer mais lições e aprendizados do que momentos de alegria. Não se valorizaria a felicidade, se não houvesse o sofrimento, assim como não saberíamos o que é a luz, se não houvesse escuridão.
A maturidade psíquica é atingida quando é possível encontrar o equilíbrio e a serenidade de entender que não se pode ter tudo, não existem ganhos sem perdas, e de que a vida é feita de renúncias.
Este artigo sobre o princípio do prazer em psicanálise e suas relações com a vida em sociedade foi escrito por Ivana Oliveira (e-mail: [email protected]), aluna do Instituto Brasileiro de Psicanálise clínica e graduanda de Psicopedagogia.
3 thoughts on “Uma sociedade regida pelo princípio do prazer”
Uma abordagem interessante, me levou a refletir sobre comportamentos meus, filhos e a nossa sociedade.
Parabéns Ivana
Assunto muito importante, me levou a refletir sobre educação das minhas filhas, comportamento, e autoanálise.
Parabéns! Muito esclarecedor, ajudará a muitos profissionais!!