Em 1895, em carta escrita a Fliess, em relação ao aparelho Psíquico Neurológico de Freud, ele comentou sobre seu intenso interesse na construção de sua “Psicologia para Neurologistas” e que intencionava descobrir um “método de abordagem quantitativo” o qual poderia dar conta de um esclarecimento em relação às neuroses e que também pretendia passar a entender melhor a “psicologia normal” a partir da “psicopatologia do recalcamento”.
O Surgimento do Aparelho Psíquico Neurológico de Freud
Fato é que o Projeto, assim que Freud passou a chamar o texto documental de suas pesquisas na área da neurologia, contém o core das teorias psicanalíticas que desenvolveria posteriormente, apesar da descoberta de que a estrutura neurológica não permitiria explicar a complexidade do aparato psíquico como descrito mais tarde em sua obra. No Projeto para uma Psicologia Científica (1895), Freud seguiu com a intenção de prover uma psicologia que indicaria os processos psíquicos por estados quantitativamente definidos a partir de duas ideias principais.
A primeira seria a existência de uma atividade considerada de repouso e que levava em consideração a quantidade de excitabilidade provinda do mundo externo mencionada por ele como “Q” e do mundo interno “Qh”. E uma segunda ideia a qual se referia aos neurônios “N” que deveriam ser classificados como partículas materiais. Deste modo, o funcionamento do sistema nervoso seria regido por quantidades de energia “Q” sendo transmitidas através dos neurônios “N”.
Decorrente disso, estabeleceu o “princípio de inércia neuronal” que consistiria num fundamento primário em que as funções neuronais deveriam ser compreendidas pela perspectiva de que “os neurônios tendem a se livrar de “Q”, tal descarga de energia aconteceria, portanto pelo mecanismo do “movimento reflexo” através do aparelho motor, representando desta forma a função primária do sistema nervoso (p. 224). No entanto, pela existência de situações do mundo externo não compatíveis com a descarga de energia imediata, ocorre a chamada “fuga do estímulo” a fim de que possa ser respeitado o princípio da inércia e a manutenção de uma proporção de “Q” que seja viável no sistema, representando assim a função secundária do sistema nervoso.
Aparelho Psíquico Neurológico de Freud e o funcionamento da vida no organismo
Adicionado a isso e devido às condições inerentes ao funcionamento da vida no organismo – este sendo caracterizado por estímulos referentes às necessidades básicas e de sobrevivência como respiração, nutrição, sexualidade, etc. – exige-se, portanto, uma certa quantidade de energia “Q” basal. Esta determinação fisiológica demanda do sistema nervoso o abandono da tendência de reduzir “Q” a zero, mantendo-se assim um nível de “Q” que fica retido no sistema.
Deste modo, Freud passa admitir que existam “resistências opostas à descarga” imediata de energia a fim de viabilizar a função secundária assim como a fisiologia. Tais resistências se encontrariam na estrutura dos neurônios, mais especificamente “nos contactos” entre os neurônios funcionando como barreiras, denominando-as de “barreiras de contacto” (p. 226).
A partir disso, Freud considera a existência de duas classes de neurônios: os que deixam passar “Q”, sendo permeáveis à passagem de excitação, definidos como neurônios φ, e aqueles que dificultam a passagem de “Q”, definidos como neurônios ψ.
Ainda sobre o Aparelho Psíquico Neurológico de Freud
Neste ponto, Freud constrói um argumento a fim de explicar a memória que entende ser a base da função psíquica normal. Propõe que a partir da alteração nas barreiras dos neurônios decorrentes da excitação pela passagem de “Q” torna-as mais capazes de condução. Passou a chamar esse estado de alteração de “grau de facilitação” que é conferido pelo montante de “Q” e pela quantidade de repetições da mesma impressão numa determinada via.
Assim, o autor conclui que: “a memória está representada pelas diferenças nas facilitações existentes entre os neurônios” (p. 227), isto é, as vias neuronais mais facilitadas são as que constituem as aquisições psíquicas que constroem a função da memória. Ao mesmo tempo, o psicanalista se depara com a questão do que chamou de qualidades ou “sensações conscientes” que seriam referentes às diversas sensações experienciadas pelo organismo em oposição às quantidades como visto até o momento.
Assim presume a existência de um terceiro sistema de neurônios que passou a chamar de ω o qual é excitado simultaneamente com a percepção do sistema φ, também sendo permeáveis, porém diferenciando-se dos últimos por serem incapazes de receber “Q”, mas captam o “período de excitação” da transmissão que “(…) chegam à consciência como qualidades” (p. 235).
O prazer em relação ao Aparelho Psíquico Neurológico de Freud
A partir de então, Freud constata que na consciência se manifestam as sensações de prazer e desprazer, através da seguinte passagem: Já que temos um certo conhecimento de uma tendência da vida psíquica a evitar o desprazer, ficamos tentados a identificá-la com a tendência primária à inércia.
Nesse caso, o desprazer teria que ser encarado como coincidente com um aumento do nível de Q ou com um aumento da pressão quantitativa: equivaleria à sensação ω quando há um aumento da Q em ψ. O prazer corresponderia à sensação de descarga. Uma vez que se supõe que ω [acima] deve ser preenchido a partir de ψ, decorre daí a hipótese de que, quando o nível em ψ aumenta, a catexia em ω se eleva, e quando, por outro lado, esse nível diminui, a catexia cai.
O prazer e o desprazer seriam as sensações correspondentes à própria catexia de ω, ao seu próprio nível; e aqui ω e ψ funcionariam, por assim dizer, como vasos comunicantes. Desse modo também chegariam à consciência os processos quantitativos em ψ, mais uma vez como qualidades (FREUD, [1895] 2009, p. 236 e 237).
Considerações finais
Diante disso, é elaborado o processo de funcionamento do sistema φ ψ ω, no qual o aspecto qualitativo dos estímulos se propaga por φ por meio de ψ até ω produzindo sensação através do período do estímulo correspondente ao movimento neuronal e dispersa-se na direção do sistema motor não tendo ação neste.
Enquanto que o aspecto quantitativo do estímulo está diretamente relacionado a φ que promove “uma excitação motora proporcional (…) penetrando nos músculos, glândulas, etc (…) ao passo que entre os neurônios só ocorre transferência” (p. 238).
Freud passa a concluir que é a partir do sistema ψ que surge toda a atividade psíquica, uma vez que através dele ocorrem as conduções dos estímulos perceptivos provindos de φ e que “também recebe catexia do interior do corpo” (p.239), estímulos da via endógena, que após passarem por este sistema (ψ) seguirão até ω, gerando o impulso que segundo ele determinaria a vontade, sendo esta então derivada das pulsões. Desta forma, o psicanalista concebeu uma explicação do aparato psíquico a partir de seus conhecimentos no campo da neurologia.
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Referência
FREUD, S. (1886-1889) Publicações Pré-Psicanalíticas e Esboços Inéditos. Vol I. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2009.
O presente artigo foi escrito por Isabela Dias([email protected]). Graduada em Odontologia pela UERJ e está cursando Psicologia pela UFRJ por entender que o cuidado ao outro, tanto numa área mais fisiológica e científica quanto na área holística – o Ser Humano como um todo, podem contribuir para o bem-estar e saúde do indivíduo e suas relações humanas. A formação em psicologia, a experiência terapêutica da comunicação não-violenta, a participação em diversos retiros e workshops com ênfase na Meditação e Autoconhecimento além da prática como facilitadora de grupos de meditação contribuem para a possibilidade da criação de processos de desenvolvimento humano de uma forma mais integral, proporcionando uma vida mais feliz. “ https://cuidadoterapeutico.com.br