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Dalí e Freud: o Surrealismo na Psicanálise

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Relógios “derretendo” ou resistindo? Um animal ou um fragmento de um homem morto? Temperatura árida ou oceano longínquo? Há um estreita relação entre as obras de Salvador Dali e Freud, entre Surrealismo e Psicanálise.

A persistência da memória

Podemos inferir a existência de uma esfera de inexorabilidade do tempo e de que nada é muito preciso nesse “lugar”. Seria esse relato um Sonho ou a tentativa de expressar o mundo?

Sonho “re-velado” ou tentativa de interpretá-lo, estamos diante da obra “Persistência da Memória”, de Salvador Dalí. É uma pintura a óleo de 1931, localizada na coleção do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque desde 1934. Nada parece ter de consciente.

Mas certamente tenta, através de uma linguagem não-verbal e icônica, traduzir, ou pelo menos tentar desvendar, o mundo enigmático dos sonhos.

Uma corrente artística baseada em nas obras de Dali e Freud

Assim, sabe-se que Salvador Dalí era um aficcionado por Freud. Daí a estreita relação entre os trabalhos de Dalí e Freud

Mais que isso, Dalí formulou toda a sua corrente artística nas teorias dele. Mais que isso, o Surrealismo guiou-se pelas teorias freudianas e sua maneira de decodificar o mundo onírico, sua maneira científica de interpretar sonhos.

E, para isso, a obra “Metamorfose de Narciso” parece integrar um verdadeiro acervo de obras que atuam como prova documental. Elas confirmam que, na virada do século XIX para o XX, a literatura e as artes bebiam da fonte da psicanálise.

Disso, jorrava inovação, e também servia como uma verdadeira amostra do que seria uma arte de protesto.

Em ”Metamorfose” de Narciso, obra de 1937 que se encontra no museu Tate Gallery em Londres, a referência ao mito grego é patente assim como as referências a Freud. Mais uma vez se confirma a relação do trabalho de Dali e Freud.

A Metamorfose de Narciso

O centro temático da obra traz Narciso. Trata-se de um ser:

  • nu
  • retraído
  • restrito
  • obcecado por sua própria imagem refletida na água

Ele é representado em imagens duplicadas, bem ao tom do gênero fantástico. Estamos diante de duas esferas de um mesmo Narciso. De um lado, o ambiente é quente, causticante, impropício para a vida e a paixão e morte rivalizam. O atirar-se nas águas seria uma questão de tempo e decisão psíquica.

Dois lados de uma mesma obra

Do outro lado, a temperatura é amena, o semblante é mais leve e a vida parece florescer! Sim, olhando por outro prisma, ambos os Narcisos, metamorfoseiam-se em mãos que seguram um ovo. Esse, uma metáfora recorrente na obra do pintor. Assim, a metáfora parece semanticamente anunciar a possibilidade de algo sendo gerado.

Ou seja, prenuncia algo com possibilidade de nascer, renascer, florescer, conforme mostra a tela.

Estranho? Bizarro? Ou, simplesmente enigmático? Seriam metáforas isoladas ou “pistas” para se chegar a um mundo mais profundo?

Dali e Freud possuem uma mesma base de pensamento

Fato é que, algo assim tão irreal, ou melhor, surreal, só poderia estabelecer correspondência com o mundo pré-consciente ou inconsciente dos sonhos. Ou seja, fica mais que evidente que Dalí e Freud tratam dos mesmos assuntos, mas de maneiras distintas.

Indo mais além, o mundo das artes parece conter em si um templo específico para guardar memórias inconscientes. Sendo assim, pensa-se numa espécie de museu ou templo dos Sonhos.

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    Em algumas linhas teóricas, como Wollheim, os sonhos seriam “a estrada real para um conhecimento das atividades inconscientes da mente”. Para outros, um caminho satisfatório para a realização de um desejo reprimido ou censurado.

    Ou, ainda, de perturbações vivenciadas no cotidiano e não resolvidas. Estas perturbações, Freud viria a chamar de estímulos sensoriais.

    A divisão dos conteúdos oníricos

    No entanto, de qualquer modo, os sonhos parecem ser provenientes de traços mnemônicos advindos de memórias e lembranças. Além disso, de restos diurnos, nos termos de Freud.

    Em resumo, os sonhos, de acordo com Zimerman, consistem em uma “via régia para se chegar ao inconsciente”. Eles seriam, para Freud, “o guardião do sono”.

    Entretanto, não é sobre o que são os sonhos que propriamente se centra sua teoria, mas, para além disso. Sua tese é sobre o modo pelo qual eles se manifestam. Freud concebe os pensamentos oníricos por meio de dois tipos de conteúdos:

    • conteúdo manifesto
    • conteúdo latente

    O primeiro se refere a imagens que vêm à consciência durante o sono. O segundo diz respeito àquelas que, reprimidas pelo inconsciente e seu “censor” onírico, acabam por se tornar inacessíveis.

    Deslocamento, Condensação e Simbolização

    Devido a esses dispositivos, o Pai da Psicanálise introduz as noções de Deslocamento, Condensação e Simbolização/Representação:

    • Deslocamento: as imagens podem ficar se alterando ou “deslizando” entre uma e outra.
    • Condensação: os representantes oníricos se fundem, ou se sobrepõem.
    • Representação: as imagens já conhecidas surgem compondo mais “pistas” para a interpretação do sonho.

    Por muito tempo Freud acreditou que a simbolização estivesse situada no plano da linguagem e simbologias universais. Mas seus próprios estudos o fizeram reformular o conceito e entender que a representação se situa na esfera individual.

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    Uma âncora simbólica através da qual o “sonhador” possa se referenciar e guiar-se semanticamente. Isto é, rumo à interpretação de sua “criação onírica inconsciente”.

    Os sonhos como construção da própria mente

    O grande “insight” que Freud teve, na realidade, com relação a essa teoria é o fato de que os sonhos seriam uma construção da própria mente a partir de:

    • medos
    • angústias
    • traumas
    • memórias
    • desejos

    Eles, por algum motivo ou “censura”, acabaram por nem serem acessados.

    A tradução do inconsciente pelas obras de Salvador Dali

    E é neste âmbito que se estabelece a relevância dos dispositivos de representação. Os conteúdos reprimidos acabam vindo à tona de modo disfarçado. Ou seja, manifestam-se de modo que a mente possa realizar seu desejo ou defender-se de angústias não reveladas ou não-esclarecidas.

    Através dessas representações é que artistas se firmam como grandes “tradutores” do mundo inconsciente. Telas como as de Dalí demonstram isso muito bem, tal qual um teatro psíquico, no qual os atores seriam as imagens. Estas nem sempre precisas. Assim, nos remetem às estratégias de deslocamento, condensação e simbolização.

    Da mesma forma, quando contemplamos “Persistência da Memória”, poderíamos pensar no meu e no seu sonho? Poderia a obra se estabelecer como a simbolização da minha ou da sua angústia a respeito da inexorabilidade do tempo e o paradoxo que esse estabelece com a persistência de uma memória, que não podemos perder?

    A múltiplas faces do inconsciente

    Aquele animal/homem é impreciso, é dúbio, parece sobreposto, parece condensado. E os temas se alternam. As angústias se alternam, as imagens se deslocam, a codificação de um inconsciente parece latente. Além disso, a interpretação do sonho parece patente.

    Com “A Metamorfose de Narciso” não seria diferente. Suas imagens representativas se deslocam, deslizam. Ora contemplamos um Narciso prestes a mergulhar para a morte em busca da união com sua própria imagem na água. Ora vislumbramos uma mão que segura o ovo, trazendo, pelo menos semioticamente, indícios de renascimento.

    Conclusão

    Assim, Narciso e a mão se sobrepõem, se condensam. O ovo que germina, a água que espelha, e até o tabuleiro de xadrez que, contribui semanticamente para sugerir o jogo enigmático da tela.

    Eles não só nos remetem ao complexo e difuso universo onírico. Também nos aproximam da linguagem de artistas, poetas, escritores, sonhadores com traços da psicanálise. Ou seja, uma estreita relação entre Salvador Dalí e Freud.

    Autoria: Jaqueline Massagardi, exclusivamente para o Curso de Formação em Psicanálise.

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