DSM e CID

Psicanálise, DSM e CID: encontros e desencontros

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Nesse enfoque vamos examinar a Psicanálise na sua relação com o DSM e o CID para responder uma questão importante levantada por muitos operadores das ciências P(Psiquiatria, Psicologia e Psicoterapias): é possível uma Psicanálise fora do eixo do DSM e do CID?

Entendendo o que é DSM e CID

Você já deve ter ouvido falar, como operador das ciências P (Psiquiatria, Psicologia e Psicoterapias) ou como leigo e leitor sobre alguma coisa ligada ao chamado CID (Código Internacional das Doenças) da OMS (Organização Mundial da Saúde) ligada a ONU (Organização das Nações Unidas), que organizou a chamada família das classificações; ou já ouviu, também, falar da APA (Associação de Psiquiatria Americana), que edita o seu famoso DSM, código das doenças psíquicas.

Se nunca ouviu falar e não sabia, temos o famoso professor G, Google, que basta pesquisar e muitos bons vídeos no Youtube.

Neste enfoque vamos abordar esse tema e examinar sua relação com Psicanálise e responder uma indagação proposta por muitos operadores das chamadas ciências designadas pela letra ‘P’ (Psiquiatria, Psicologia e Psicoterapias): é possível desempenhar a Psicanálise sem o CID e DSM? Para responder a essa pergunta vamos começar examinando como se posiciona a Psicanálise nessa situação toda.

O que é a Psicanálise?

Paira ainda até aos dias atuais dúvidas sobre afinal o que é a Psicanálise(?) É uma ciência autônoma? É um estado de arte? É uma psicoterapia?

Para os operadores das ‘ciências P’ existem somente três grandes áreas, a Psiquiatria, a Psicologia e a Psicoterapia. Dentro da Psicoterapia, estaria em tese, alojada a Psicanálise, sendo esta, portanto, uma forma de psicoterapia como outras. Para outra corrente de analistas, as psicoterapias são uma coisa e a Psicanálise outra bem diferente pois, é uma ciência com seu objeto e sujeito, ou seja, o analisando e o inconsciente.

Devemos atentar que o seu fundador, quem sistematizou e lançou as bases da Psicanálise, Sigmund [Salomão] Freud (1856-1939) deixou claro que era um novo método de acessar o inconsciente, uma nova estrada, fora do eixo da hipnose. Ele não se adaptou com hipnose e concebeu uma forma de acessar aos conteúdos inconscientes criando para tal um ferramental teórico. Isso de ‘per si’ já excluiria a Psicanálise de ser uma mera psicoterapia, mas é uma forma de curar a pessoa.

Psicanálise, DSM e CID

Tem seu objeto e seu sujeito e em tese, e a priori, um ‘status’ de ciência. Não é uma filosofia. Tem que ficar bem claro, afinal o que é Psicanálise. Sem essa luz ficaria difícil responder se é possível uma Psicanálise sem o concurso do CID e do DSM. Seria então, a Psicanálise um método e técnica?

Para uma corrente da qual o autor deste enfoque partilha e comunga, a Psicanálise é uma ciência, porque tem objeto, analisando; tem sujeito, o inconsciente, e tem método técnico, ferramental próprio e também empresta e recebe olhares de outros campos do saber, bebe no lago comum dos transtornos psicossomáticos.

O que significa CID e DSM?

Com o entendimento de que a Psicanálise é uma ciência, por ter objeto, sujeito e ferramental, fica pendente a letra ‘D’, da figura quadrada ABCD, importante entender que falta um vértice, ou seja, o ‘vértice D’ da figura, ou seja, o seu campo de atuação. E este vértice D, além do ABC (objeto, sujeito e ferramental) é lugar-comum, pois é uma interface com outras áreas das ciências P (Psiquiatria e Psicologia), que se chama ‘campos dos distúrbios, transtornos e síndromes.’

É o grande lago onde nele bebem também, a Psiquiatria e a Psicologia e muitas Psicoterapias. Devemos lembrar e salientar que, para as Psicoterapias agirem elas já precisam do diagnóstico firmado. O SUS do Brasil possui uma lista de 29 psicoterapias admitidas no seu PICS (Práticas Integrativas e Complementares), embora o CFM (Conselho Federal de Medicina) só admita como psicoterapia duas delas, a Acupuntura e Homeopatia.

`Pasmem-se’, a Fitoterapia, que lida com plantas e frutos, não goza ainda desse ‘status’ de aprovação na hierarquia do sagrado monopólio do saber do CFM. Aliás, o médico pode ser psicanalista, mas o psicanalista não pode ser psiquiatras. O ato médico ainda é um monopólio forte no Brasil. Outros países não existem a necessidade do psiquiatra ser bacharel em Medicina. Outrossim, existem no mundo faculdades que formam o Psiquiatra como bacharel.

Categorias nosológicas

Delimitado esses quatro vértices, do objeto, sujeito, ferramental e campo de atuação foi então indagado: ora, se a Psicanálise bebe no grande lago, ela precisa admitir as categorias nosológicas inscritas no CID. O CID é o código internacional de doenças, da OMS/ONU onde contém mais de 50 mil códigos de doenças do mundo todo. Dentro do CID, estão alojadas as doenças( patologias), transtornos, síndromes e distúrbios psíquicos. Já o DSM é o manual ou código somente de todas as patologias psíquicas.

Esse manual estatístico da classificação das doenças mentais é elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria, chamada no Brasil de APA. Os operadores das ciências P, notadamente psiquiatras e psicólogos usam o DSM e o CID. Atualmente, estamos com o DSM-6 e o CID-11. Geralmente de 10 em 10 anos, não é algo estanque e fixo, pode variar, existe a revisão do DSM e CID, essa duas mega classificações, só que uma é ligada a ONU via OMS, que é o caso do CID.

A OMS além do CID, tem também o CIF, que é classificação dos tipos de lesões funcionais nas pessoas deficientes. Atualmente mais de 179 países estão usando o CID e CIF além do DSM em suas práticas de medicina. Não raro, seguradoras e até próprio SUS exigem o código CID nos laudos para suas concessões até de aposentadorias por lesões orgânicas e psíquicas.

É possível o exercício da Psicanálise sem o CID e DSM?

A pergunta que foi ofertada ao tecido social notadamente aos especialistas operadores das ‘ciências P’, foi no sentido se é ou não possível o exercício de suas funções sem o CID e DSM. Para Psiquiatria é praticamente impossível, bem como para Medicina em geral especialmente o CID. Porém, usam largamente o DSM também.

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    Porque é no DSM que estão classificadas todas patologias psicológicas, seus conceitos, formas de configuração, confirmação e exclusão e seus códigos. Como a Psicanálise também atua em cima dessas patologias, em rigor deveria ‘em tese e a priori’, operar com o DSM combinado com o CID. Tanto o CID como o DSM eles têm incorporado em suas revisões as evoluções psicossociais das patologias psicológicas.

    Por exemplo, no novo DSM-6 bem como CID-11 já contemplam o vício em jogos digitais bem como operações em bolsas, como ‘disorder gaming’. O autismo, que cresceu muito, ganhou nova configuração. As mudanças sociais em termos de patologias mentais acabam figurando nas novas revisões sucessivas tanto do CID como do DSM. Uma delas, mais polêmica que ganhou novo nome é a incongruência de gênero para acomodar os travestis e transexuais que estavam como transtornados mentais. Novas e emergentes patologias vão se incorporando culturalmente tanto no CID como no DSM.

    Existe possibilidade de estudar Psicanálise sem o CID e DSM?

    Esta é outra questão correlata ao exercício da função. Se o operador das ciências P seja ele um psiquiatra, um psicólogo ou um psicanalista ou ainda, o operador de uma psicoterapia aceita de consenso por planos de saúde, não conhecer o DSM e o CID obviamente não conhecerá a essência das patologias.

    Não é uma questão de saber o código para anotar no laudo, receituário de prescrição ou formar diagnóstico. A questão é mais profunda. Refere-se em conhecer a patologia e seu conceito, suas implicações, quando pode ser refutada, o que é diferencial, enfim, são várias questões delicadas.

    Porque todas as patologias da face da Terra estão consignadas mesmo as doenças raras no CID, tanto orgânicas quanto psíquicas. Já no DSM estão consignados todas os transtornos, síndromes e distúrbios psíquicos com seus sintomas e sinais conhecidos.

    Conclusão: psicanálise, CID e DSM

    Diante de tudo o que foi acima exposto, nosso desafio é tentar responder a indagação proposta neste enfoque, qual seja, será possível ao operador das ‘ciências P’, notadamente ‘psicanalistas’, operarem fora do eixo do DSM e do CID No nosso entendimento, ‘salvo melhores e superiores juízos’, em tese e a priori, não.

    Não é mais possível ao operador da Psicanálise operar dentro do campo dos transtornos e síndromes sem conhecer os atualizados manuais CID-11 e o DSM-6. Porque neles estão listadas todas essas patologias. O operador da Psicanálise não pode sair por aí inventando conceitos e difundindo teorias sem comprovação, seria uma irresponsabilidade moral e uma crise ética e um chute no balde da coisa dúbia.

    A Psicanálise é uma das formas de cura ou remissão das categorias nosológicas. O que a Psicanálise tem realizado é uma abordagem da psicodinâmica, por exemplo, da esquizofrenia, da psicose, da neurose, das perversões, mas essas categorias estão inscritas e consubstanciadas tanto no CID como no DSM.

    Operadores da Psicanálise

    Os operadores da Psicanálise precisam debater o CID e DSM e não ignorá-los, pois, seria um pecado mortal como comentam ‘in off’ nos bastidores, alguns operadores das ciências P. A Psicanálise não pode perder sua autonomia, mas também, não pode se subtrair a entrar para academia formal. O bacharelado e licenciatura, mestrados, doutorados são caminhos sem volta. Bem como sua interface com a neurociência.

    Senão, chegaremos num ponto de inflexão de afirmar o que não se pode provar e a Psiquiatria com a Psicologia ganharem dianteira via tecnologias de ponta ou a bioengenharia, como tomografia, ressonância magnética, entre outras situações na formação de diagnósticos ao lado da palavra, associações, atos falhos, chistes.

    A Psicanálise precisa romper barreiras, desatar nós e amarras do conservadorismo na pós-modernidade dos tempos líquidos agora ditos vaporizados onde já estão erguendo conceitos como novo normal, pós-verdade, silêncios necessários, enfim. Aqui, portanto vale o pré-juízo que diz, ‘quem viver vai ver’!

    Artigo escrito por Edson Fernando Lima de Oliveira (e-mail: [email protected]), Engenheiro, Licenciado em História e Filosofia. PG em Psicanálise. PG em Filosofia Clínica.

     

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