espiritualidade e religião

Espiritualidade e Religião: definições e diferenças

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Na história da humanidade espiritualidade e religião já caminharam juntas com a ciência, inclusive confundindo seus limites. A superstição, a magia e o ato de curar eram mesclados existindo um misto da figura do “homem/médico/sacerdote”.

Entendendo sobre a espiritualidade e religião

Historiadores relatam sobre o xamanismo que eram mediadores entre as forças cósmicas e o doente e exerciam sobre este último as curas (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006).

De acordo com as autoras Castro, Andrade e Muller (2006), na antiguidade, civilizações antigas, como a assírio-babilônica, davam conta da associação dos demônios e doenças. Depois algumas tradições relacionadas ao judaísmo e o cristianismo, concebe o ser humano sem separações entre corpo e alma.

Na Idade Média (476 d.C a 1453 d.C.), a doença era atribuída ao pecado, sendo o corpo o locus (lugar) dos defeitos e pecados, e a alma, dos valores supremos, como espiritualidade e racionalidade. Já na Idade Moderna René Descartes (1596 a 1650) postulou a separação total da mente e corpo – Dualismo, sendo o estudo da mente atribuído à religião e à filosofia, e o estudo do corpo, visto então como uma máquina, era objeto de estudo da medicina (1637).

A espiritualidade e religião na contemporaneidade

Na contemporaneidade, Sigmund Freud (1856 a 1939) – considerado o Pai da Psicanálise (início do século XX), traz o conceito de determinismo psíquico, resgatando a importância dos aspectos internos do homem.

A psicanálise partiu do corpo, com os estudos de Freud sobre a histeria e sua atenção às conversões. Freud (1923), afirmou que o ego é, primitivamente e antes de tudo, um ego corporal (Corpo e Mente interligados) (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Freud criou o termo Psicanálise, buscando explicar o funcionamento da mente humana, ajudando a tratar distúrbios mentais e principalmente as neuroses.

Apesar de não ser religioso, acabou criando teorias, práticas e procedimentos condizentes com uma Espiritualidade. Esse paralelo entre Psicanálise e Espiritualidade tem como finalidade uma reflexão sobre a busca de algum/alguns significado/s, que possam inclusive – transcender a vida (PEREIRA; CHAVES, 2016).

A problemática religiosa

Segundo os autores Pereira e Chaves (2016, p.3): Ao longo de sua obra, Sigmund Freud expôs, por vezes, suas opiniões acerca da religião. Mesmo declaradamente ateu, Freud tinha interesse especial pela problemática religiosa – em pelo menos quatro momentos aborda diretamente o tema, a saber: em “Totem e tabu” (1913), “Futuro de uma ilusão” (1926), “O mal-estar na civilização” (1929), e, mais tarde, em “Moisés e o monoteísmo” (1938).

Em O mal-estar na civilização, Freud (1927/1996) enfatiza que a diferença entre a religião e a neurose obsessiva consiste, pois, em observar que a neurose é uma vivência individual, ao contrário da religião, que é uma prática universal.

Conforme Mazin (2017), a espiritualidade trata o ser humano como um ser integral e estudando Freud, Jung e Lacan, explica que esses teóricos, tratam também de espiritualidade, porém, não aprovam uma religião fechada a uma instituição. Os autores Pereira e Chaves (2016) explicam que Freud apresentou que a religião era um modo ilusório de se abrandar as culpas, chegando a afirmar que a neurose obsessiva era uma forma de neurose religiosa.

Os atos obsessivos

Outro autor, Santos (2013), cita que em ‘Atos obsessivos e práticas religiosas’ Freud (1907/1996), diz que há uma semelhança entre os atos obsessivos e a prática devocional.

Essa semelhança está no fato de não existir distinção entre as pessoas que praticam atos obsessivos ou cerimoniais: “um ato de defesa ou de segurança, uma medida protetora” (Freud, 1907/1996, p.114).

Uma vez mais, ele percebe “a neurose como uma religiosidade individual e a religião como uma neurose obsessiva universal” (Freud, 1907/1996, p.116).

Psicologia e Alquimia

Mazin (2017, p.1) traz Jung, quando o mesmo sublinha que a vivência religiosa leva à experiência da individuação. Cita que, numa perspectiva analítica, em 1944 Jung publicou “Psicologia e Alquimia” exemplificando que em alguns sonhos, se escondem símbolos alquimistas, imagens mitológicas que se encontram no que ele chama de subconsciente, reforçando a sua teoria do arquétipo, trazendo a espiritualidade como uma das ferramentas que auxiliam na melhoria da saúde psíquica do indivíduo.

O autor traz ainda, a referência de Lacan, afirmando, com base filosófica de sua época, que “a religião consiste em evitar o vazio, acrescentando que respeitar o vazio talvez seja o mais correto.

Para ele, a regra de ouro – amar o próximo como a si mesmo – é tornar-se próximo desse vazio, desse cerne em nós, dessa alteridade estranha que nos divide: nosso inconsciente” (MAZIN, 2017, p.2).

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    O inconsciente, a espiritualidade e religião

    Lacan, em Radiofonia (2003) – transcrição de uma entrevista que deu à rádio belga em 1970 – aponta a proximidade da leitura judaica e da bíblia com a interpretação freudiana do discurso – do que se pode concluir, como fazem Elisabeth Roudinesco e Michel Plon (1999), que a psicanálise tem uma ligação inevitável com a questão do judaísmo (MAZIN, 2017, p.2).

    Pode-se sintetizar aqui esses grandes teóricos com o que traz o próprio autor Mazin (2017, p.2) referente a Lacan quando afirma que “Aproximar-se desse inconsciente seria o amor ao próximo como a si mesmo. Assim, assumir e amar o próprio inconsciente, reconhecendo nossas capacidades de bem ou de mal que recalcamos, é salutar e formador de laços sociais autênticos”.

    Santos (2013) afirma que também é preciso acolher Freud, pois o mesmo não somente traz o lado negativo da religião, traz fortemente a reflexão nos postulados de sua psicanálise a relação de religião e neurose obsessiva compulsiva na estrutura de personalidade do ser humano.

    O crescimento do ser humano

    Freud traz ainda, segundo o autor uma valiosíssima contribuição ao afirmar que ‘algumas práticas religiosas nem sempre favorecem o crescimento do ser humano, pois se uma experiência religiosa escraviza o indivíduo, a mesma precisa ser revista, por se equiparar a uma vivência e prática neurótica’.

    Sobre Jung, o autor expõe outra análise, a partir do momento que Carl Gustav Jung defende que o ser humano precisa ser concebido como homo religiosus, significando que o ser humano possui na estrutura de personalidade uma pré-disposição para a vivência da religiosidade.

    Defende assim o seguinte pensamento: individuação, arquétipo e inconsciente coletivo, self, individuação e, seu entendimento de direção espiritual (SANTOS, 2013). Além desses teóricos Santos (2013) nos faz lembrar que na história da Psicanálise, existem ainda outros nomes, como o da psicanalista francesa Françoise Dolto ou do psicanalista inglês Winnicott, que defendiam e mesmo praticavam, em sua vida pessoal, a fé cristã.

    Conclusão

    Considera-se por fim, que se torna evidente que a Psicanálise refletiu sobre a questão da espiritualidade, assim como da religião.

    Os próprios teóricos aqui citados, têm uma origem religiosa espiritualista, Sigmund Freud de origem judaica, Carl Gustav Jung, inicialmente também da psicanálise, era filho de pastor protestante e Jacques Lacan de família católica, não se podendo negar que existe algo de religioso e espiritual no íntimo do psiquismo humano.

    Esses grandes estudiosos, apesar de confluírem na criticidade da religião fechada a uma só instituição, como visto, sempre trataram e pesquisaram sobre esse tema, trazendo, através da Psicanálise reflexões importantes para a religião, para a espiritualidade e principalmente para a psique humana.

    Referências

    CASTRO, Maria da Graça de; ANDRADE, Tânia M. Ramos; MULLER, Marisa C. Conceito mente e corpo através da história. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 1, p. 39-43, jan./abr. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pe/a/SbNh8XMXRgHQRthYPfDRmnJ/?format=pdf Acesso: 30/05/2022.

    MAZIN, Gabriel. Religião e Espiritualidade na Psicanálise. Teorias e Sistemas em Psicologia. 2017. Disponível em: https://psicoeduca.com.br/psicologia/teorias-e-sistemas/77-religiao-e-espiritualidade-na-psicanalise Acesso em: 01/06/2022.

    PEREIRA, Kylmer Sebastian de Carvalho; CHAVES, Wilson Camilo. Freud e a religião: a ilusão que conta uma verdade histórica. Tempo psicanal. vol.48 no.1 Universidade Federal de São João Del-Rei – UFSJ Rio de Janeiro jun. 2016. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382016000100008 Acesso: 05/06/2022.

    SANTOS, Elismar Alves dos. As contribuições de Freud e Jung à psicologia da religião. 2013. Numen: revista de estudos e pesquisa da religião, Juiz de Fora, v. 16, n. 1, p. 835-859.

    Este artigo sobre espiritualidade e religião foi escrito por JOSIMARA EVANGELISTA DE SOUZA (Instagram @josimaraevangelistade); reside em Salvador BA e atua como Psicanalista; em formação na área de Psicologia.

    2 thoughts on “Espiritualidade e Religião: definições e diferenças

    1. Marli Ribeiro Wiechers Serrăo disse:

      A vivência é importante para tratar psicopatias alheias. Recém formada em Psicologia mandando mulher de 70 anos ler Complexo de Cinderela, desconhecendo vivência da paciente, beira à insanidade “profissional”.

    2. Talvez o mais desafiador seja compreender que religião segue dogmas (os mais “variados”) e já a Espiritualidade é a Fé em sua essência! Até a Medicina reconhece que os pacientes que mais obtiveram a cura ou se recuperaram mais rápido das cirurgias são os Espiritualizados! A Igreja Católica, no Concilio Vaticano II, presumo que por ter passado pela Reforma Protestante que apresentou Líderes Religiosos e porque não dizer Espirituais, passou a chamar os católicos de “leigos”. Será que uma pessoa de 90 ou 100 anos, ser chamada de “leigo” faria sentido??? E as vezes, há dogmas que “conflitam” com as palavras de Jesus: “Deus dos vivos”, quando orientam seus seguidores a “Não doação de órgãos e sangue”! Será que Deus deixaria uma Missão Inacabada limitando a Medicina??? Um carismático Frei Alemão comentou numa de suas Homilias, que o médico que fez o parto, com ele em suas mãos disse a enfermeira, deixa ele ali ao lado (nascido de 6 meses de gestação e inicio do Século XX), sinalizando pouca chance de sobrevida! Adulto, no Porto Alemão com destino ao Brasil, disse que sua mãe, se manteve “firme” até o embarque dele, depois chorou. Finalizou a trajetória dele, dizendo que sua mãe sabia que a Missão dele seria em terra Brasileira! E que grande legado ele nos deixou: a Fé, como os Franciscanos sabem bem fazer!!!

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