esquizofrenia

Um olhar psicanalítico sobre a esquizofrenia

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Hoje entenderemos sobre a esquizofrenia. Conforme Kaplan et al apud Nobre (1997), apesar do avanço no conhecimento biológico, medicamentoso e fisiológico da esquizofrenia pela medicina moderna, há um grande interesse por parte dos estudiosos e pesquisadores pelos fatores psicossociais influentes sobre o transtorno.

A esquizofrenia

A indústria farmacêutica e seus recentes avanços, não possibilitaram um pleno conhecimento e entendimento pela comunidade científica das causas, da evolução e dos resultados proporcionados pela doença em cada indivíduo. Em termos psicanalíticos, o conceito de “esquizofrenia” foi ampliado por Bleuler, passando do entendimento como “demência precoce”, referenciado por Kraepelin, para ser definido como uma “cisão da mente”, na qual os pensamentos e suas associações são carregadas de prejuízos.

A esquizofrenia apresenta características peculiares, o que a distingue de outros transtornos.

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais (2002), a esquizofrenia se manifesta através de delírios e/ou alucinações, desvantagem social e ocupacional entre outros sintomas. Conforme Bleuler (1911) apud Cavalcante (2002;2003), mais uma vez, a esquizofrenia se caracteriza como “mente fendida ou estilhaçada”.

Características do transtorno da esquizofrenia

Trata-se de doença mental crônica e incapacitante, podendo ser adquirida na adolescência ou princípio da idade adulta, entre 20 e 30 anos de idade. Apresenta sintomas positivos, como diminuição ou perda das funções psíquicas, afetividade e motivação reduzidas, discurso carregado de pobreza e diminuição do contato social além de sintomas negativos, tais como funcionamento psíquico distorcido, alucinações e delírios. (Neurociência, 2005).

Segundo Holmes (2001), aspectos psicodinâmicos como conflitos intrapsíquicos, fatores de aprendizagem, ou seja, o comportamento disfuncional é aprendido.

  • Quando há impasses na manifestação do conteúdo do pensamento ou quando seus processos se rompem, fisiológicos, quando se apresentam prejuízos no contato sináptico, estrutura cerebral e níveis hormonais e humanístico-existenciais.
  • Quando o comportamento incomum decorre de escolhas conscientes do indivíduo, escolhas estas derivadas da percepção individual de cada situação, que se mostra singular para cada indivíduo…

… são alguns dos fenômenos presentes na etiologia e desenvolvimento da esquizofrenia.

Aspectos psicanalíticos sobre a esquizofrenia

Para Holmes (2001), o conceito psicanalítico de saúde mental se mostra na habilidade individual de promover vinculação com os demais, portanto modos de enfrentar o mal-estar e os problemas os quais se apresentam. Freud, em sua teoria, analisa o comportamento disfuncional como consequência de uma linha de fenômenos caracterizada pelo conflito que leva à ansiedade, e a partir daí, o indivíduo se utiliza de mecanismos de defesa para redução desta ansiedade, mecanismos estes que podem deteriorar a percepção do real e levar ao transtorno.

A ansiedade é suficiente para desencadear manifestações de defesa, quais sejam: repressão, supressão, negação, projeção, deslocamento, regressão, identificação, racionalização, compensação, intelectualização e formação reativa. Quando o indivíduo não encontra a resolução de um conflito por vias normais, torna-se ansioso, manifestando as defesas acima descritas.

Na psicanálise, as manifestações incomuns resultantes de conflitos intrapsíquicos promovem estresse, e sua não resolução distorce e prejudica o funcionamento da personalidade (Holmes, 2001). Em relação ao componente familiar, este representa um papel de importância no desenvolvimento do indivíduo, uma vez que o processo de identificação se origina no sentimento de pertencimento tanto quanto no de separação.

Interações familiares

Nas famílias, estes dois aspectos são simultâneos, o que permite construção da identidade pessoal e da socialização (Elkaim, 1998). Porém, em relação às interações familiares carregadas de conflitos, há presença do “duplo vínculo”, aspecto este essencial na manifestação esquizofrênica, onde a pessoa se encontra no embate entre sensações de aceitação (amor) e de rejeição, simultâneas e contraditórias, o que causa confusão no sujeito.

Para Bateston, o duplo vínculo sofrido na infância pode explicar o surgimento da esquizofrenia em adultos jovens (Mariotti, 2005). Conforme Bateson et al (1956) apud Callil (1987), o esquizofrênico como tal é o resultado desta comunicação conflituosa, de relações carregadas de ameaças, confusão e imobilização o que o faz não diferenciar o literal do metafórico. Dessa forma, o componente da família imerso nesta dinâmica, encontra na esquizofrenia uma forma de expressar sua confusão, sem entrar em confronto direto com o elemento que o ataca.

De acordo com Laplanche e Pontalis (1992), na esquizofrenia, o pensamento se mostra incoerente, bem como as ações e a afetividade da pessoa com o transtorno, o que se soma a um afastamento da realidade, a um encontro sobre si mesmo e a um contato interno com produções fantasísticas (autismo) e proximidade com manifestações delirantes mais ou menos acentuadas e fundamentalmente mal sistematizadas.

Freud e a esquizofrenia

Para Freud em Neurose e Psicose (1924), nas manifestações severas de psicose, a realidade não é percebida de nenhuma forma ou sua percepção não produz efeito (Freud, 1996). Dessa forma, na esquizofrenia, o real se modifica configurando-se como singular ao sujeito, passando a influenciar sua forma de funcionamento mental (Nobre, 2011).

Ainda em Neurose e Psicose (1924), Freud propõe que o ego se encontra a serviço dos impulsos do id, há uma recusa das realidades interna e externa, nasce uma nova realidade, um novo real interno e externo. Este processo ocorre no psicótico como consequência de uma frustração muito forte de seu desejo. O impasse primordial da psicose encontra-se na falha do desenvolvimento egóico e em sua interação com o real externo.

Há um espaço na interação entre mundo externo e interno, e a manifestação da esquizofrenia se caracteriza por sintomatologia a qual requer um esboço de cura ou um processo de reconstrução (Freud, 1996). Há uma tentativa de remendar a fenda existente entre o ego e a realidade, para Freud, os delírios e alucinações são reconhecidos como fenômenos protetores do indivíduo contra a angústia.

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    Uma paranoia

    De acordo com Aulagnier (1979), tanto a esquizofrenia como a paranoia encontram- se na manifestação psicótica, ou seja, no campo da potencialidade psicótica. O desenvolvimento psicopatológico da psicose, o que inclui esquizofrenia, pode ser analisado pela atuação de um pensamento delirante primário adquirido sem repressão, o qual ao romper sua membrana, pode entorpecer o espaço psíquico com seu teor, havendo transferência do potencial ao manifesto.

    A forma delirante do pensamento na esquizofrenia caracteriza-se pelo pensamento delirante primário existente na fala do psicótico, o qual pretende explicar sua origem, apesar de incomum na compreensão dos demais.

    Para Aulagnier (1979), o discurso do Eu psicótico tem o objetivo de compensar possível vazio existente no expressar-se do Outro e também de outros, ao discurso faltante lhe é dada nova significação com o intuito de preencher o vazio característico deste Eu fragilizado. Para melhor entendimento da estrutura delirante do pensamento, torna-se adequada uma análise das origens do conflito característico das psicoses.

    Conflitos na fase oral

    Segundo Aulagnier (1979), os conflitos presentes na fase oral, estágio este no qual o eu do indivíduo entra em contato com seu ego especular, se constitui numa etapa em que este eu sofre intensa ruptura em sua estrutura, onde a parte identificada deve preencher a parte identificante para a formação e evolução do ego do sujeito.

    Na psicose ocorre uma falha neste processo de formação psíquica, causada por situações conflituosas entre o eu em ascensão e o eu materno, através do viés no discurso parental referente a este novo ser. Normalmente, todos os indivíduos ao nascerem, fazem parte de um lugar determinado e esperado no contexto familiar bem como na cultura a qual estão inseridos.

    O psicótico, neste processo, receberá estas informações de forma distorcida, o que afetará sua percepção quanto a suas origens e seu existir, ocupará seu lugar no mundo de forma confusa ou muito frágil, sem um aval para que seu “eu” possa prevalecer sem adversidades.

    A esquizofrenia e a figura materna

    A figura materna do psicótico não possui a percepção da lei que direciona a cultura e todo seu meio; portanto, não a transmite a seu descendente, o que torna esta mãe a própria lei. De acordo com Aulagnier (1990), há dificuldades nestas mulheres em perceber seus filhos como autônomos e singulares, são resistentes à castração simbólica, fenômeno este o qual o psicótico irá rejeitar plenamente.

    O sujeito psicótico se torna um “objeto orgânico”, uma continuação do corpo da mãe, a qual o reconhece como um prolongamento de seu corpo fisiológico, como algo destruidor e mortal que não traz vida. Conforme Birman (1990), o precário reconhecimento do eu-corpo-outro presente no psicótico, devido à falha inicial de sua mãe na transmissão da lei, o tornará possuidor de um corpo não limitado, com fragmentos cujos limites são obscuros.

    Portanto há uma angústia resultante da não delimitação entre o corpo e o mundo externo. Para Tausk (1990), a estrutura psicótica proporciona uma perda dos limites do ego, não há distinção entre o eu e o não eu, entre o eu e o mundo, entre o corpo e o não corpo, entre o sujeito e o objeto.

    O ego não tem autonomia

    Este funcionamento mental caracterizado pela indiferenciação entre o eu e o outro é um mecanismo primitivo de função, e apesar do esquizofrênico ter a consciência do eu constituído, assim como do eu e do não-eu, de seu corpo e o corpo materno, seu ego não tem autonomia, o que explica o impasse em delimitar corpo e outro, sujeito e objeto.

    Dessa forma, o mundo interno e externo se tornam interligados, a relação estabelecida pelo sujeito com seu corpo será semelhante à estabelecida com o outro, podendo esta tornar-se negativa ou constituir uma defesa contra um outro intrusivo (Aulagnier, 1979). Segundo Tausk (1990), o sintoma resulta da teoria infantil de que seus pensamentos são de conhecimento dos demais, situação infantil precoce na qual a criança nada pode fazer individualmente, sendo o aprendizado da utilização de seus membros bem como a aquisição da linguagem e do pensamento mecanismos recebidos através deste outro ao qual se relaciona.

    De acordo com Nobre (2011), de forma reforçada, no indivíduo esquizofrênico, este entendimento infantil acerca do conhecimento por parte dos outros sobre seus pensamentos se propaga para a vida adulta, cujas consequências o motivarão a se defender por meio desenvolvimento de fenômenos delirantes, funcionando o delírio como uma defesa contra a angústia.

    Conclusão: sobre a esquizofrenia

    Diante das informações acima descritas, podemos concluir que o desenvolvimento da esquizofrenia envolve aspectos como funcionamento da dinâmica familiar, predominantemente conflituosa, constituição do ego nos primeiros anos de vida através do relacionamento materno, o qual se mostra deficiente quanto à castração simbólica e, portanto, da ascensão do eu da criança, entre outros.

    Estes fatores proporcionarão à pessoa uma ruptura com a realidade, bem como sensação de que seus pensamentos são de conhecimento dos demais devido a não delimitação de sua personalidade na fase oral, portanto, seu ego será insuficientemente formulado.

    A esquizofrenia é um fenômeno complexo, o qual exige ainda mais estudos a seu respeito além dos aspectos psicanalíticos e gerais acima expostos, o que torna necessária uma maior compreensão de sua dinâmica.

    Bibliografia

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    Este artigo sobre a esquizofrenia foi escrito por Lais Regina dos Santos ([email protected]), formação em Psicologia Clínica pela Universidade São Marcos, com experiência em atendimento psicológico. Por três anos atuou como psicóloga voluntária em grupo de apoio a pacientes e familiares antes da consulta psiquiátrica no Ipq HCFMUSP. Atualmente escreve diversos artigos a revistas acerca de assuntos pertinentes à Psicologia.

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