história e psicanálise

História e Psicanálise (relações): uma construção possível

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O diálogo entre história e psicanálise, nos últimos anos, cresceu consideravelmente, através de diversas abordagens historiográficas e analíticas que passaram a se utilizar de outros campos do saber em sua produção acadêmica. A partir da Escola do Annales e sua nova perspectiva no trabalho do historiador e sua atuação, outros campos foram desenvolvidos.

A psico-história, enfim, mostra-se um campo promissor, que requer naturalmente os seus cuidados

Entendendo a história e psicanálise

Uma última tentação a evitar trabalhos que poderiam ser enquadrados pela psico-história é a de pretender psicanalisar os homens do passado, como se estes pudessem “deitar-se no divã de um hipotético historiador psicanalista”. Naturalmente, sabe-se que oprocesso psicanalítico, pelo menos no sentido freudiano, necessita ser construído a partir de um discurso interativo com o ‘outro’ – que seria impossível no caso dos atores sociais do passado que nos chegam através das fontes. (BARROS, 2009, p. 54).

Observa-se que para esse autor, no campo da história, um diálogo com a psicanálise é inteiramente possível, respeitando-se os e abordagens de cada campo. O instrumento teórico produzido pela psicanálise Freudiana possibilitou nos últimos anos diversos debates para compreender e aplicar a pertinência de suas teorias para o campo historiográficos, que tanto a história como a psicanálise buscam traçar limites entre suas aproximações ou distanciamento.

O principal ponto possível que o campo historiográfico se aproxima da psicanálise é a possibilidade da utilização das ideias Freudianas para a contextualização de um passado histórico. Na busca de criar respostas para questões, o profissional de história dos mais diversos campos de atuação tem analisados seus recortes temporais e espaciais, seus objetos de estudos, buscando assim uma análise do pensamento Freudiano.

Freud, história e psicanálise

Destaca-se, entre esses profissionais, o historiador americano Peter Gay, o qual possui diversas obras no campo da psicanálise freudiana, dentre as quais: “A Experiência Burguesa: de Vitória até Freud”, “Freud uma vida para o nosso tempo” (obra biográfica de Freud) e “Freud para historiadores”. Nelas, esse estudioso cria uma ponte entre história e psicanálise partindo de um víeis psicanalítico para uma produção historiográfica.

Para esse autor:

As descobertas da psicanálise falam diretamente da paixão do historiador pela complexidade. Isto é como as pessoas são: sacudidas por conflitos, ambivalentes em suas emoções, procurando reduzir tensões através de estratagemas defensivos, e na maior parte vagamente, ou nada, conscientes do que sentem e de que agem como o fazem (…) sentimentos e as ações humanas são em grande medida sobre determinados, inclinados a terem diversas causas e a conterem diversos significados? Como descobridores e documentalistas da sobredeterminação, os psicanalistas e os historiadores, cada um à sua maneira, são aliados na luta contra o reducionismo, contra as explicações mortas, causais, ingênuas e pouco elaboradas. (GAY, 1989, p. 73)

Reconstrução de ações

Além disso, Gay (1989) se debruça sobre a produção científica produzida por historiadores que ao analisarem o uso da psicanálise negam a eficácia da constructo-teórico de Freud ou defendem o uso da psicanálise como instrumento para o campo histórico em questões referentes à utilização da memória.

Gay (1989) busca, ainda, justificar a aplicação da psicanálise através de uma ‘abordagem analítica da história’ construindo um diálogo com o conceito de história das ideias. A problemática sobre o uso da memória para o historiador e a utilização da psicanálise para reconstrução das ações, sentimentos de uma sociedade ou indevido é o fato que os ‘vestígios materiais’ que chegam até o historiador podem por vezes passar por interpretações subjetivas e analisar o passado histórico se torna complexo nesse campo da subjetividade da fonte histórica.

Outro historiador que já se debruça sobre a relação da memória, história e psicanálise foi o Ginzburg (2000) Em seu texto, “Freud, O Homem dos Lobos e os Lobisomens”, ele descreve o texto de Sigmund Freud no qual é relatada a trajetória de um paciente que desenvolve psicose na sua infância e parte da adolescência, e sendo esta tratada apenas em sua adulta.

A história e psicanálise: infância

Em dado momento, Freud afirma que o paciente relembra de sonho em sua infância no qual aparecem lobos em árvores em frente à janela da sua casa, o jovem afirma ter acordado assombrado com o sonho que teve e que e que sua cuidadora havia o acalmado. Neste caso, o processo se iniciou depois do sonho, o que ocasionou o menino ter excessos de agressividades.

Ginzburg (2000) convida o leitor a refletir a temática do sonho do paciente e sobre a proposta de Freud sobre o caso, pois, na análise desse caso Freud não leva em consideração ou parece não ter tido acesso a informações de contos folclóricos que existente na região da Rússia da qual o jovem mora e na ligação de sua cuidadora a tradição dos Andarilhos do Bem.

Ginzburg (2000) acredita que as imagens que aparecem no sonho do paciente podem estar ligadas às histórias que sua cuidadora lhe contava quando o mesmo ainda era criança. Ele leva em conta o contexto histórico da Rússia e sua cultura e a possível crença que a cuidadora nutria. Como base no citado acima, pode-se correlacionar o uso da psicanálise dentro do contexto da memória social e como a reflexão histórica pode ajudar a compreensão maior dos problemas apresentados pelo paciente no campo analítico e/ou o contexto cultural do mesmo para o campo histórico. Mesmo dentro desse diálogo a crítica sobre a abordagem Freudiana existe entre os historiadores.

Édipo sem Complexo

Vernant (1999), em sua obra Édipo sem Complexo, analisa a relação que Freud estabelece entre os casos clínicos por ele estudado e a tragédia grega escrita por Sófocles. Para Vernant existe uma lacuna na abordagem Freudiana sobre um mito antigo do quinto século EC. as relações atuais de problemas familiares entre pais e filhos.

Outro historiador que se debruça sobre a reflexão e diálogo entre história e psicanálise e o uso da memória é o francês Michel de Certeau, profundo conhecedor das obras de Freud, além de suas ligações com a psicanálise em suas obras. Inclusive com Lacan participou da Escola Freudiana em Paris. O interesse de Certeau acerca da abordagem freudiana não está ligada precisamente à uma utilização terapêutica, mas a uma compreensão de ações dos indivíduos e suas construções culturais.

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    Exemplo disso é a relação sobre o luto, em Totem e Tabu encontramos Freud afirmando sobre o processo psíquico que o luto desempenha na vida dos pacientes, na relação entre a morte do indivíduo e a memória daqueles que permanecem a lembrar do morto.

    Segundo Certeau:

    Meio século depois de ter sido afirmado por Michelet, Freud observa que, de fato, os mortos “voltam a falar”. Não mais como pensava Michelet, pela evocação do “adivinho” que seria o historiador; “isso fala”, mas à sua revelia, em seu trabalho e em seus silêncios. Tais vozes, cujo desaparecimento é o postulado de qualquer historiador que as substitui por sua escrita, remordem o espaço do qual estão excluídas e continuam falando no texto-homenagem que a erudição ergue em seu lugar (CERTEAU, MICHEL, 2011, p. 78)

    Nesse processo entre esquecimento, lembrança e ação da memória, história e psicanálise seriam disciplinas distintas que cada uma em seu campo busca compreender a relação entre passado e presente. Em sua obra História e Psicanálise: Entre ciência e ficção nesta obra de Certeau ele se utiliza historiografia, literatura, produções psicanalítica, filosofia e diversos ensaios das mais outros campos do conhecimento para descrever seu posicionamento entre as relações de história, psicanálise e memória.

    Textos de Freud e diversos textos de Jacques Lacan, tais como A ciência dos sonhos, Totem e tabu, Mal-estar na civilização e Moisés e o monoteísmo. Nessa obra, noções sobre o conceito de história, memória e historicidade são debatidas para construção de um diálogo entre as duas ciências.

    A subjetividade, história e psicanálise

    Dentro desses contextos de aproximação e distanciamento percebe-se as distinções conceituais de ambas disciplinas. Assim como a psicanálise, a história trabalha com vestígios. A subjetividade se encontra como conceito para ser analisada tanto pelo historiador quanto pelo psicanalista.

    Góes (2012, p. 33) ressalta que:

    Enquanto a história estabelece uma objetividade externa ao historiador (por mais que se admita que haja interferência subjetiva, o que está no horizonte, como ideal, é objetividade da fonte histórica, tomada como verdade objetiva) a psicanálise constitui uma exterioridade, o espaço interno da subjetividade, marcado por uma primeira experiência de satisfação alucinatória. Esse espaço subjetivo não se refere à consciência ou ao seu correlato, o livre-arbítrio.

    Conclusão

    O conceito de subjetividade parte inicialmente da seleção de fatos, nesse campo da seleção seja na história ou na psicanálise o paciente ou a personagem histórica carregam suas predileções ou recalques.

    A atuação da memória é na sua atuação de escolher ou até mesmo vir ao consciente aquilo que estava recalcado, pois, como afirma Paul Ricoeur (2007, p.77) “Ao lembrar de algo, alguém se lembra de si”. Portanto, tem-se que a construção do diálogo entre história e psicanálise através da memória requer uma compreensão social do indivíduo, dos fatores sociais e do senso crítico através de análise das fontes históricas ou dos conceitos freudianos sobre a abordagem psicanalítica.

    Este texto sobre história e psicanálise foi escrito por Arthur de Souza Cunha. É licenciado em História (CCHLA/UFRN), Especialista em História e Cultura no Brasil (Estácio de Sá) e Psicanalista clínico (IBPC). Licenciando em Ciências da Religião (UniFCV) Seminarista de Teologia (STBP). É integrante do Laboratório Política, Comportamento e Mídia (PUC/SP) no Grupo de Teologia Cristã e Religião Contemporânea. Membro do Laboratório de Estudos em Religião e Religiosidade (UniCV). No Ensino Superior atua como professor do curso de Teologia na modalidade EaD no Centro Universitário Cidade Verde (UniCV) Instagram: @arthur_cunha20

    One thought on “História e Psicanálise (relações): uma construção possível

    1. LILIENE FERREIRA GALVAO LIRA disse:

      Texto bastante esclarecedor, gratidão pela contribuição

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