José e seus irmãos

José e seus irmãos: a rivalidade vista pela Psicanálise

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O presente artigo tem por objetivo de realizar uma abordagem psicanalítica acerca da pessoa de José e seus irmãos. O texto aqui presente pode ser encontrado em Gênesis, primeiro livro da Bíblia.

José e seus irmãos

Destacarei alguns trechos do texto selecionado para fins de estudo e aprofundamento.

O texto segue abaixo: “Jacó ficou morando na terra de Canaã, onde o seu pai tinha vivido. Esta é a história da família de Jacó. Quando José era um jovem de dezessete anos, cuidava das ovelhas e das cabras, junto com os seus irmãos, os filhos de Bila e de Zilpa, que eram mulheres do seu pai. E José contava ao pai as coisas erradas que os seus irmãos faziam. Jacó já era velho quando José nasceu e por isso ele o amava mais do que a todos os seus outros filhos.

Jacó mandou fazer para José uma túnica longa, de mangas compridas. Os irmãos viam que o pai amava mais a José do que a eles e por isso tinham ódio dele e eram grosseiros quando falavam com ele. Certa vez José teve um sonho e o contou aos seus irmãos. Aí é que ficaram com mais raiva dele porque ele disse assim: Escutem, que eu vou contar o sonho que tive. Sonhei que estávamos no campo amarrando feixes de trigo.

De repente, o meu feixe ficou de pé, e os feixes de vocês se colocaram em volta do meu e se curvavam diante dele. Então os irmãos perguntaram: Quer dizer que você vai ser nosso rei e que vai mandar em nós? E ficaram com mais ódio dele ainda por causa dos seus sonhos e do jeito que ele os contava. Depois José sonhou outra vez e contou também esse sonho aos seus irmãos. Ele disse assim: Eu tive outro sonho.

Ainda sobre o texto de José e seus irmãos

Desta vez o sol, a lua e onze estrelas se curvaram diante de mim. Quando José contou esse sonho ao pai e aos irmãos, o pai o repreendeu e disse: O que quer dizer esse sonho que você teve? Por acaso a sua mãe, os seus irmãos e eu vamos nos ajoelhar diante de você e encostar o rosto no chão? Os irmãos de José tinham inveja dele, mas o seu pai ficou pensando no caso. Um dia os irmãos de José levaram as ovelhas e as cabras do seu pai até os pastos que ficavam perto da cidade de Siquém. Então Jacó disse a José: Venha cá.

Vou mandar você até Siquém, onde os seus irmãos estão cuidando das ovelhas e das cabras. Estou pronto para ir — respondeu José. Jacó disse: Vá lá e veja se os seus irmãos e os animais vão bem e me traga notícias. Então dali, do vale de Hebrom, Jacó mandou que José fosse até Siquém, e ele foi. Quando chegou lá, ele foi andando pelo campo. Aí um homem o viu e perguntou: O que você está procurando? Estou procurando os meus irmãos — respondeu José. — Eles estão por aí, em algum pasto, cuidando das ovelhas e das cabras.

O senhor sabe aonde foram? O homem respondeu: Eles já foram embora daqui. Eu ouvi quando disseram que iam para Dotã. Aí José foi procurar os seus irmãos e os achou em Dotã. Eles viram José de longe e, antes que chegasse perto, começaram a fazer planos para matá-lo. Eles disseram: Lá vem o sonhador! Venham, vamos matá-lo agora. Depois jogaremos o corpo num poço seco e diremos que um animal selvagem o devorou. Assim, veremos no que vão dar os sonhos dele.

Rúben, José e seus irmãos

Quando Rúben ouviu isso, quis salvá-lo dos seus irmãos e disse: Não vamos matá-lo. Não derramem sangue. Vocês podem jogá-lo neste poço, aqui no deserto, mas não o machuquem. Rúben disse isso porque planejava salvá-lo dos irmãos e mandá-lo de volta ao pai. Quando José chegou ao lugar onde os seus irmãos estavam, eles arrancaram dele a túnica longa, de mangas compridas, que ele estava vestindo.

Depois o pegaram e o jogaram no poço, que estava vazio e seco. E sentaram-se para comer. De repente, viram que ia passando uma caravana de ismaelitas que vinha de Gileade e ia para o Egito. Os seus camelos estavam carregados de perfumes e de especiarias. Aí Judá disse aos irmãos: O que vamos ganhar se matarmos o nosso irmão e depois escondermos a sua morte? Em vez de o matarmos, vamos vendê-lo a esses ismaelitas. Afinal de contas ele é nosso irmão, é do nosso sangue. Os irmãos concordaram.

Quando alguns negociantes midianitas passaram por ali, os irmãos de José o tiraram do poço e o venderam aos ismaelitas por vinte barras de prata. E os ismaelitas levaram José para o Egito. Quando Rúben voltou ao poço e viu que José não estava lá dentro, rasgou as suas roupas em sinal de tristeza. Ele voltou para o lugar onde os seus irmãos estavam e disse: O rapaz não está mais lá! E agora o que é que eu vou fazer? Então os irmãos mataram um cabrito e com o sangue mancharam a túnica de José.

O sinal de tristeza

Depois levaram a túnica ao pai e disseram: Achamos isso aí. Será que é a túnica do seu filho? Jacó a reconheceu e disse: Sim, é a túnica do meu filho! Certamente algum animal selvagem o despedaçou e devorou. Então, em sinal de tristeza, Jacó rasgou as suas roupas e vestiu roupa de luto. E durante muito tempo ficou de luto pelo seu filho. Todos os seus filhos e filhas tentaram consolá-lo, mas ele não quis ser consolado e disse: Vou ficar de luto por meu filho até que vá me encontrar com ele no mundo dos mortos. E continuou de luto por seu filho José. Enquanto isso, os midianitas venderam José a Potifar, oficial e capitão da guarda do rei do Egito” (BÍBLIA, Gênesis, 37, 1-36).

E José contava ao pai as coisas erradas que os seus irmãos faziam. As famílias dos tempos bíblicos não eram feitas de santos e santas, já podemos começar assim o nosso estudo, leitor. Os lares israelitas nunca foram perfeitos. A Bíblia mostra as inúmeras tensões que ali aconteciam, desde maus- tratos, conflitos, enfim, aspectos que transparecem em qualquer cultura. Até podemos explicitar algumas situações ocorridas: oposição entre pais e filhos, rivalidade entre irmãos, narcisismo, egoísmo, tensões, etc.

É a pulsão de morte, isto é, o ser humano e sua natureza destrutiva. José viveu em uma família onde o pai, culturalmente falando, era de grande relevância e autoridade. Até podemos trazer o conceito de Freud sobre a horda primeva, em outros termos, um macho onipotente e detentor das fêmeas. É válido lembrar que o berço de José era poligâmico, mas ao chefe de família se devia disciplina e respeito.

Senhor da família, José e seus irmãos

Tanto que o termo hebraico para pai, “baal”, significa senhor. O senhor da família, por exemplo, poderia divorciar-se de sua mulher com grande tranquilidade, já a mulher não possuía o mesmo direito, basta observar o ensino bíblico: “Quando um homem tomar uma mulher, e se casar com ela, então acontecerá que, se não achar graça aos seus olhos, por nela achar coisa indecente, ele lhe escreverá carta de divórcio, e lha dará na sua mão, e a despedirá da sua casa” (BÍBLIA, Deuteronômio 24. 1).

A imagem do pai sempre existiu na História da Humanidade, desde os tempos remotos. Uma imagem colocada em deuses pelos seres humanos, para aplacar o desamparo diante de um mundo hostil. Os deuses gregos patriarcas eram providos de atributos paternais, mas voltemos para José e suas peculiaridades: certamente Jacó contribuiu significativamente para a personalidade de José. O jovem foi educado numa cultura onde o termo pai era sinônimo de deus.

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    O pai, deus, era o provedor do sustento da família, também providenciava a educação dos filhos. Muitas vezes ele mesmo ensinava à prole. Pois bem, podemos imaginar o lar judaico, digamos assim, como um Monte Olimpo, habitado por um deus, ou seja, o pai. Certamente o respeito que José tinha pelo pai era como uma devoção diária, uma busca pelo ego ideal, onde as revelações das falhas dos irmãos eram suas contínuas orações e sacrifícios no Monte Olimpo.

    Um superego perfeccionista

    Com um superego perfeccionista em atender as exigências narcísicas de Jacó. A ambivalência habitava o coração do jovem José, em síntese, o que acontecia por entre os irmãos eram jogos mesclados de amor e ódio; inveja, ciúmes, entre outros. Nota-se um deslocamento de pulsões libidinais ou agressivas, que seriam direcionados para Jacó. O pai, deus, de José era sua norma fundamente, em outras palavras, Jacó foi o limitador da díade entre José e sua mãe, e a limitação pariu o deus de José.

    Jacó já era velho quando José nasceu e por isso ele o amava mais do que a todos os seus outros filhos José era um filho exemplar para Jacó, excelente na arte de pastorear cabras e ovelhas. Ele amava seu filho, tudo ele ensinou para José. O povo judeu via o filho como uma espécie de status, sim, os que não tinham eram olhados com certa suspeita: qual é o motivo de Deus para não ter abençoado o fulano e sicrana com filhos?

    A criança do sexo masculino era a preferência dos casais. Sendo assim, a criança do sexo feminino era tida como, narremos assim, inferior. Até havia uma oração de agradecimento a Deus pelo não nascimento de filhas na família. A mãe de José, leitor, faleceu durante o parto de Benjamim, irmão do jovem. Temos José experienciando uma primeira perda em sua existência, ou seja, Jacó assume um papel um tanto delicado: função paterna e materna.

    O núcleo familiar de José e seus irmãos

    Portanto, Jacó teve dificuldades de retirar o filho da fase fálica. É uma fase importante do ser humano, é o tempo da constituição do sentimento de pertença da família. A criança é parte do núcleo familiar, ela tem um lugar na família e que tem o amor dos pais. O amava mais do que a todos os seus outros filhos, tanto que o pai deu para Jacó uma túnica longa e de cores variadas.

    Tal vestimenta representava tudo o que era nobre, uma roupa usada somente por grandes líderes. Jacó alimentou o narcisismo de José: “Escutem, que eu vou contar o sonho que tive. Sonhei que estávamos no campo amarrando feixes de trigo. De repente, o meu feixe ficou de pé, e os feixes de vocês se colocaram em volta do meu e se curvavam diante dele. […]” (BÍBLIA, Gênesis, 37. 6-7).

    José sonha que é reconhecido pela família por meio de uma reverência. No contexto judaico, somente os escravos ficavam curvados diante de seu senhor. Também era o reconhecimento de alguém muito importante. E os irmãos de José estão enraivecidos, isto é, um sentimento de frustração habita em cada um deles. Na verdade, a raiva foi o sentimento escolhido pelos irmãos para não terem que enfrentar outros temores: medo, insegurança, ausência de afeto, etc.

    José ambicionava ser o rei

    José ambicionava ser o rei, ter poder, ser um rei com um cetro em forma de falo. Então Jacó disse a José: Venha cá. Vou mandar você até Siquém, onde os seus irmãos estão cuidando das ovelhas e das cabras. Estou pronto para ir — respondeu José. Jacó disse: Vá lá e veja se os seus irmãos e os animais vão bem e me traga notícias. Deus enviou o rei para ver como os escravos estavam tratando os animais, podemos fazer uma releitura do versículo assim.

    O rei com o cetro, falo, em mãos, empunhado e amparado pelas alturas do narcisismo. “Eles viram José de longe e, antes que chegasse perto, começaram a fazer planos para matá-lo” (BÍBLIA, Gênesis, 37. 18). Os irmãos como um grupo com personalidades anuladas e constituindo uma nova ordem e funcionamento social. Dispostos a estruturarem uma nova moral e lógica que não aceita falhas, todos condicionados para um mesmo objetivo: dar um fim na pessoa de José.

    O que ocorreu foi uma rivalidade fraterna, os irmãos estavam com sentimentos destrutivos, a morte era o caminho para o filho que possuía todas as regalias concedidas pelo pai. O medo do desprezo foi o combustível para tal rivalidade. Quando José chegou ao lugar onde os seus irmãos estavam, eles arrancaram dele a túnica longa, de mangas compridas, que ele estava vestindo.

    Um poço vazio e seco

    Depois o pegaram e o jogaram no poço, que estava vazio e seco. Eis que o ódio dos irmãos tomou forma: um poço vazio, seco e profundo.

    Sabe, leitor, existe uma dimensão simbólica na figura do poço, isto é, ele traz o símbolo da angústia, uma função de corte, um rasgo no reinado de José. O falo foi colocado sobre a terra e lançado para a fundura de um poço.

    O príncipe teve seu narcisismo solapado e castrado, o onipotente rei virou um escravo da pulsão de morte provinda dos irmãos. O poço foi mais uma experiência de perda para o jovem, experiência estendida até o Egito: angústia, sofrimento e castração.

    Conclusão

    Resolvi abordar o jovem José até o versículo trinta e seis, os seguintes assuntos do texto também são muito riquíssimos em conteúdos psicanalíticos. Você que agora está lendo o texto: topa o desafio?

    Dê continuidade nas pesquisas, não que este artigo vá concluir os versículos aqui abordados, primeira parte do estudo, não, o texto aqui trabalhado lateja por mais conhecimento.

    O que mais o poço de José pode apresentar para nós? O que há em sua profundidade? Descubra e conte para nós.

    Referências

    BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Almeida Revista e Atualizada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006.

    O presente artigo foi escrito por Artur Charczuk([email protected]). Pastor e psicanalista no Rio Grande do Sul. Um pastor que psicanalisa e um psicanalista que pastoreia.

    One thought on “José e seus irmãos: a rivalidade vista pela Psicanálise

    1. Altair Rubenich Velvet disse:

      A Bíblia é um conjunto de relatos muito bem elaborados. Ela perdura com o passar dos séculos, porque ela trata sobre assuntos fundamentais da realidade humana. Angústias e anseios são peças fundantes dos escritos bíblicos.

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