morte e luto

Morte e Luto a partir de Freud e Melanie Klein

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Pensar na morte e luto e o que eles carregam, em termos simbólicos, para os que ficam tem sido, por conta dos últimos acontecimentos mundiais, algo corriqueiro no setting analítico.

Por este motivo, é mister compreendermos como a psicanálise encara estas questões através da pulsão de morte que, erroneamente é assimilada à vontade de morrer, este, seria sim, um trauma para o aparelho psíquico e da própria identificação melancólica que seria uma anormalidade psíquica onde identificamos, no individuo, uma dor profunda e um terrível sofrimento.

Entendendo a morte e luto

Este luto que vem permeando nosso cotidiano, e, em sua etimologia, seria o desvinculo, a dolorosa perda, a quebra de um elo importante entre o indivíduo e seu objeto. Vivenciar o luto, não necessariamente, significa lidar diretamente com a morte física. O luto pode ser encarado como o enfrentamento das nossas perdas reais e simbólicas durante o nosso processo de desenvolvimento. O próprio adolescer é uma transição de dor e sofrimento que a criança passa migrando para uma nova fase de sua vida.

Será necessário fechar um ciclo para começar outro. O luto também é visto assim. E não só o adolescer, mas também o fim de um relacionamento amoroso, uma demissão no trabalho, a perda da própria saúde é um processo emocional de vivenciar uma ausência e um grande vazio causados por uma perda. Nos primórdios da humanidade o luto, como conhecemos hoje, não existia, porém temos registros que nossos ancestrais enterravam seus mortos e viam a morte como muitos de nós a vemos hoje: fascinante e aterrorizante, mas também fonte de inspiração para muitas interpretações.

Sendo o próprio luto caracterizado como a perda e a quebra de um elo sentimental importante entre uma pessoa e seu objeto podemos inferir que o mesmo seria, nada mais do que um fenômeno significativo no processo do próprio desenvolvimento humano. Se observarmos o conceito do luto a partir da perspectiva psicanalítica de Sigmund Freud e Melanie Klein, perceberemos, nitidamente, que existem pontos convergentes e, também, divergentes. E, é nesta linha que discutiremos, aqui, os respectivos conceitos para os dois autores.

Morte e luto para Freud

Segundo Freud (1915), o luto é um processo lento e doloroso, que tem como características uma tristeza profunda, afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre o objeto perdido, a perda de interesse no mundo externo e a incapacidade de substituição com a adoção de um novo objeto de amor. Compreendo, através de estudos psicanalíticos de Sigmund Freud (1923), em O Ego e o ID, que o próprio ato de nascer, ou seja, a própria inicialização de uma vida seja um protótipo de um luto.

Mas como um recém-nascido consegue lidar com este sentimento de quebra e de perda e de grande ansiedade? Esta criança que já nos primeiros momentos de vida já presencia a ruptura de um laço uterino vivencia, de uma maneira peculiar, o início de um luto, do desapego, a angústia gerada pela perda de não estar mais no conforto da união umbilical, da segurança intrauterina. Um verdadeiro desamparo psíquico.

O nascimento, aqui, é visto como uma ruptura da relação com o seu objeto (mãe). Freud nos sinaliza em seu ensaio clássico Luto e Melancolia (1915) que mais tarde, o bebê, ao perceber-se separado e singular, vai identificar-se, de modo secundário, com um outro. Nesta separação, além do luto, haverá espaço para a melancolia, onde a perda, soma-se a idealização do objeto perdido, “perdido enquanto objeto de amor”, “perda objetal, retirada da consciência”.

O processo inconsciente

Para Freud o luto e sua perda não se relacionam ao processo inconsciente. Aquele que perdeu, ou seja, o enlutado tem plena consciência da sua perda. Estar enlutado não é estar doente, logo nada se tem de patológico. O luto é um processo que necessita ser visto e revisto como natural. Sem o passar por ele ficará impraticável a elaboração da perda. Este período é doloroso, é lento e nossos pensamentos fixam-se no objeto perdido, logo o desinteresse de um enlutado é genuíno até que ele consiga superá-lo e, ao seu tempo, ressignificá-lo.

Klein não entra num embate teórico com Freud sobre a questão do luto, ao contrário disto, a autora inicializará um caminho paralelo e não divergente do pai da psicanálise. Para Klein a perda do objeto está intimamente relacionada a uma reativação (posição depressiva arcaica) concebendo esta perda do objeto não apenas como real, mas também como uma perda simbólica. Esta reativação da posição depressiva infantil do sujeito é uma saída encontrada para tentar superar a dor da perda.

O que destaco, aqui, é uma divergência entre Freud e Klein no que diz respeito a visão do luto para ambos autores. O pensamento Kleiniano compreende o luto no âmbito de um processo psíquico patológico, que apesar de se apresentar a partir da perda do objeto amado, desencadeia e/ou reativa no sujeito uma posição depressiva infantil, onde inicialmente a criança e, posteriormente, através de repetições, os adultos, lutam para que os objetos internos sejam mantidos no seu mundo interno.

Morte e luto para Klein

Falar de Klein é falar da sua relação com o estudo das primeiras fases do desenvolvimento infantil, fundamentando-se numa fase da infância mais primitiva, logo explicarmos o processo do luto é extremamente necessário para que compreendamos as suas ligações com este objeto. Para Klein o objeto de amor e os objetos bons da infância foram inseridos no mundo interno desta criança, logo, quando se instala o luto na fase adulta, inconscientemente, há por parte deste indivíduo uma sensação de perda destes objetos e se estes bons objetos foram perdidos o que sobram são apenas objetos maus que lhe trará reativas sensações de ansiedade, culpa, raiva, etc.

Quando ocorre esta perda real, no inconsciente deste indivíduo, ele se vê perdido, desorganizado e acreditando que seu mundo interno, construído nas primeiras fases do desenvolvimento infantil, foi desfeito e destruído. O importante a se observar, em Klein, é esta visão de que o processo do enlutado necessitará passar por uma reestruturação do seu mundo interno, reinternalizando este objeto bom para que se tenha a capacidade de reestruturá-lo no seu mundo interior e trilhando um caminho que, naquele momento do luto, parece estar nebuloso, porém sempre em busca da recuperação daquilo que havíamos citado acima: os objetos bons da infância.

Acredito que a pior sensação para um enlutado é constatar que tudo que ele passou e passa não é um pesadelo, nem um delírio. É dor real e está presente, latente e constantemente preenchendo nossos pensamentos. Conseguir lidar e conviver com esta dor é um trabalho hercúleo de testar diariamente a realidade. E ele precisa passar por esta fase para poder compreender seu próprio caminhar até chegar a tão esperada elaboração do seu sofrimento.

O teste de realidade e a perda

Este “teste de realidade” ativa os elos com o mundo lá fora, pois é necessário para este enlutado reviver sua perda, assimilar, ressignificar, assim, caso não o seja feito, corre-se o risco deste mundo interno se desorganizar na mente deste indivíduo.

Para Klein idealizar o objeto de amor acaba trazendo uma grande contribuição, mesmo que temporariamente, para aquela pessoa que passa por um estado de luto. Seu mundo interno sente-se em segurança quando o mesmo traz à sua memória as lembranças reconfortantes daqueles que já se foram.

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    Trabalhar com o luto, aqui, é reintrojetar o objeto bom. Necessitamos perceber que o mundo interior do enlutado, que ele vem traçando deste a tenra infância, lhe foi retirado, destruído quando ocorreu a separação, a ruptura, o desapego. É mister reconstruir este mundo interno para que o trabalho de luto seja bem sucedido, já afirmava Klein. Quando este processo não acontece temos o luto anormal, ou seja, a não superação da perda, a não superação da posição depressiva do desenvolvimento.

    Conclusão

    No luto anormal vemos uma interminável ligação ao objeto perdido e é marcado pela repressão e abafamento dos sentimentos, que gera danos graves ao ser enlutado. Aqueles que não conseguem digerir ou vivenciar o luto tem suas emoções recalcadas, sentem-se incapazes de reconstruir e restaurar este elo com seus objetos bons internos.

    Precisamos vivenciar o luto e acima de tudo elaborá-lo e nos permitir sentir a culpa, sentir a saudade, o amor, o ódio, a raiva pois isso nos fará mais fortes, mais tolerantes as perdas, fortalecerá nossos mecanismos de defesa, nos tornará mais resilientes e preparados para aceitarmos melhor este abrir e fechar de ciclos que é a vida.

    O presente artigo foi escrito por Fernanda Germano. Psicanalista, Homeopata, Socióloga, Pós-Graduada em Psicologia Clínica. Contato Instagram @lanimaterapiasintegrativas e site clinicalanima.com.br

    2 thoughts on “Morte e Luto a partir de Freud e Melanie Klein

    1. Mizael Carvalho disse:

      Muito bom artigo! O assunto morte e luto, são assunto que nós não gostamos de conversar pois, não acostumamos com eles. Apesar de todos nós um dia iremos passar por ela!

    2. Adelaide Almeida disse:

      Artigo esclarecedor sobre luto. Um processo que deve receber atenção durante as análises.

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