Hoje veremos sobre o neoliberalismo. Quem nunca ouviu em suas atividades profissionais nas empresas a que estão vinculados frases do tipo: somos uma família, precisamos vencer, vista a camisa da empresa, supere suas metas, seja sempre melhor que os os outros, lute para ser promovido ou cuidado para não ser demitido?
Quem nunca sentiu na pele os impactos, inseguranças, angústias e pressões por resultados que essas frases carregam? Quem nunca dissimulou para que ninguém perceba uma possível fraqueza, insegurança, medo, depressão, pânico, neuroses, agressividade, uso exagerado de álcool e remédios por receio da demissão, da vergonha ou do fracasso de não corresponder a essas exigências?
Introdução ao neoliberalismo
Mas sobre essa realidade imposta pela lógica da competição pouco se fala dentro das organizações. Na verdade o discurso poderia ser de ordem prática como sugere Smith (2017) ao sugerir indiretamente um discurso como: dá-me aquilo que desejo e terás o que deseja.
Ou seja, nossa relação é puramente comercial do tipo eu digo o que preciso e quanto posso pagar e você simplesmente me oferece o seu conhecimento e força de trabalho. Seria frio demais usar nos dias de hoje esse discurso de 1776 no livro A Riqueza das Nações. Os tempos são outros, mas as práticas nem tanto.
Portanto, não seria nada motivador falar assim abertamente para os colaboradores. São esses sintomas que tratamos aqui como custos psíquicos relacionados as pressões impostas pelo modelo neoliberal de competição e pelo que Han (2021) caracteriza como a sociedade do cansaço.
Palavras Chaves: Capitalismo, Neoliberalismo, Custos Psíquicos
Entendendo o contexto e o objetivo psicanalítico
O debate sobre a produção de artigos acadêmicos, ou não, com várias nuances e abordagens diferentes sobre a relação entre o neoliberalismo e a psicanálise podem ser encontrados numa busca mais profunda e atenta. Tal realidade demonstra a relevância desse debate e também demonstra que esse é um assunto atual e que não se esgotou ainda.
No caso desse texto, o objetivo não é buscar uma profundidade histórica sobre os dois temas, e não porque não sejam importantes ou porque não valham a pena, mas simplesmente por se tratar de um conteúdo que visa mostrar o quanto o neoliberalismo pode impactar na saúde psíquica em função de sua pressão pelo desempenho superior desejado de cada um que pretenda se adequar às regras impostas pela lógica do capital, muitas vezes veladas e disfarçadas num discurso quase motivacional.
Quem nunca ouviu uma frase do tipo: nossos colaboradores são os nossos principais ativos. Mas o que exatamente é o neoliberalismo? Quais são as características do sujeito neoliberal? E por fim, quais são os desafios para os novos psicanalistas? Questões como essas serão abordadas aqui numa medida adequada ao perfil e objetivos da plataforma e também para que a experiência de leitura seja rápida, agradável e que garanta conhecimentos relevantes sobres os temas sugeridos.
Mas o que é o neoliberalismo?
Muitos leitores ao verem a palavra neoliberalismo estampada no título de um texto logo imaginam se tratar de política e economia como se o tema não se relacionasse com tantas outras áreas do conhecimento incluindo a psicanálise que é nosso objeto de estudo. Carregamos alguns padrões de consumo que estão entre os elementos que fazem parte da razão de ser do neoliberalismo. O problema é que, muitas vezes, nem percebemos essa influência.
Talvez seja bastante evidente na clínica que nem todos estão conseguindo conviver com as demandas do mundo competitivo, exigências e modelos a serem seguidos resultando em conflitos psíquicos e novas configurações de neuroses. Ou seja, o mal estar do sujeito neoliberal. O neoliberalismo não é só um modelo econômico muito debatido do ponto de vista político e que fica somente no campo da retórica.
Esse modelo trás no seu bojo a capacidade de gerar um mal estar social que alcança o sujeito neoliberal de diversas maneiras. Ele influencia a forma como vivemos, trabalhamos, definimos nossos objetivos e sonhos, como criamos expectativas, nos comunicamos e também como sofremos. Como escreve Han (2020, p. 17) “quem fracassar na sociedade neoliberal de desempenho, em vez de questionar a sociedade ou o sistema, considera a si mesmo responsável por isso”.
O neoliberalismo e a perspectiva patológica
Toda vez que expectativas são geradas os espaços para angústia, sentimento de fracasso e decepções também são criados. Existe uma lógica do capital que norteia as práticas da agenda neoliberal. Trata-se de uma teoria socioeconômica da década de 30, que faz parte da essência do capitalismo, que preconiza a mínima intervenção do Estado na economia, através de sua retirada do mercado, deixando que a mão invisível o regularize livremente por meio da lei da oferta e da procura.
Combater a política do Estado de Bem-Estar social, um dos seus preceitos básicos. Dessa forma o que prevalece é a produção e a produtividade máxima de seus trabalhadores. Como sugere Dunker (2017, p. 284), o foco é “encontrar o melhor aproveitamento do sofrimento no trabalho, extraindo o máximo de cansaço com o mínimo risco jurídico e o máximo de engajamento no projeto com o mínimo de fidelização recíproca da empresa”.
Como mencionado por Han (2021), a partir da perspectiva patológica, o começo do século XXI não é definido como bacteriológico nem viral, mas neuronal. “Doenças neuronais como depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade, transtorno de personalidade limítrofe ou a Síndrome de Burnout determinam a paisagem patológica deste século” Han (2021, p.8). Esse pode ser um retrato da sociedade moderna e de seus sintomas aparentes.
O Sujeito Neoliberal
Mas antes de tudo vale identificar as características do que chamamos de sujeito neoliberal. Mas para tal compreensão é necessário abrir uma lacuna para melhor compreender o neoliberalismo e seus impactos globais na vida desse sujeito. Para Dardot e Laval (2016, p.322), “a concepção que vê a sociedade como uma empresa constituída de empresas necessita de uma nova norma subjetiva, que não é mais exatamente aquela do sujeito produtivo das sociedades industriais” Para os autores este homem neoliberal é competitivo, totalmente imerso na competição mundial.
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Os autores ainda chamam atenção para o fato de que no neoliberalismo a liberdade dos sujeitos econômicos pressupõe, em primeiro lugar, a segurança dos contratos e a busca de um quadro de estabilidade econômica evitando oscilações que levem os atores deste cenário a uma insegurança e imprevisibilidade do que pode vir acontecer a qualquer momento. Para Han (2021, p. 11) “o sujeito de hoje, voltado narcisicamente para o desempenho superior, está em busca de um sucesso permanente”.
Existe nesse contexto, ainda que nem sempre explícito, dois lados de uma mesma moeda. Alcançar resultados que confirmem esse desempenho superior, busca por satisfação, reforço da vaidade e do sentimento de superioridade. Mas quando isso não acontece, o outro lado dessa mesma moeda abre o espaço para um sentimento de luto narcísico, já que parece que uma parte de si foi arrancada ou que ele é incompleto e a libido é toda redirecionada para o eu. Nesses casos, encarar o mundo, em especial o universo profissional, torna-se complexo chegando causar até um sentimento de vergonha em determinadas pessoas.
Custos psíquicos
Esse estado, quase depressivo, faz com que o sujeito piore ou desenvolva novas afecções. As pressões pelo alto desempenho e os custos psíquicos do sujeito neoliberal a busca pelo prazer e realização por meio do trabalho é uma realidade. Mas para alguns essa busca pelo sucesso e reconhecimento pode se tornar angustiante quando estes não chegam e quando tem que se submeter a trabalhar única e exclusivamente pela sobrevivência.
Os meios de comunicação contribuem com esse sentimento de frustração quando apresentam, por meio da publicidade, os modelos ideais de felicidade, prazer, trabalho e sucesso gerando um conflito psíquico e uma distância cada vez maior entre o que se é e o que se tem e o que se gostaria de ser e de ter. “A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas a sociedade do desempenho” Han (2021, p. 24).
Para o autor, a sociedade do desempenho produz depressivos e fracassados. Logicamente que a ideia de fracassados depende do ponto de vista, de outras pesquisas e avaliações, mas no que se refere aos depressivos talvez não seja difícil perceber nos atendimentos clínicos.
O neoliberalismo e o comportamento humano
Para elevar a produtividade é comum reforçar o discurso motivacional de altos ganhos para induzir o bom desempenho onde teoricamente todos ganham, mas que na prática não é exatamente assim. Ainda existe uma corrente que acredita que tudo se resume ao dinheiro.
A visão economicista se mantém firme a concepção de que o comportamento humano é explicado única e exclusivamente por fatores econômicos o que pode ser questionável se considerarmos o comportamento das gerações atuais digitais que chegam ao mercado de trabalho priorizando bem estar, respeito, possibilidade de contribuir com novas ideias, de interagir com liderança e não colocando a questão financeira em primeiro plano.
O desafios dos novos psicanalistas
Os desafios para os psicanalistas são muitos e é difícil determinar o quanto esses desafios são maiores ou menores em função de determinada época. O que é certo é que novos sintomas se tornam mais frequentes. A imposição do mercado, que avança com todo tipo de estímulo que possa incentivar o consumo, é a mesma que força as organizações a se tornarem mais competitivas.
É importante conseguir superar os concorrentes e isso não é novidade. É, simplesmente, a forma de manterem perenes mesmo que isso custe a saúde mental de seus colaboradores. Não existe empresa sem seu capital intelectual há muito tempo considerado um ativo intangível, e até aí tudo bem. Mas essas mesmas organizações para se manterem à frente em seus segmentos precisam contar nos seus quadros com pessoas que, na visão deles, tenham um perfil também extremamente competitivo.
Essa lógica é, muitas vezes, ilógica quando se fala em saúde mental e bem estar psíquico. Em alguns momentos parece que a intenção é que todos sejam verdadeiros super heróis incapazes de sentirem o peso da pressão e das cobranças.
O que pode ser visto sem muito esforço?
Crises emocionais, síndrome do pensamento acelerado, pânicos, comportamentos antiéticos, Burnout, transtornos alimentares, crises de ansiedades mais frequentes, pensamentos suicidas e sentimento de incapacidade entre tantas outras manifestações. Para dar conta de tanta responsabilidade com a saúde mental de tantas pessoas em um quadro que, aparentemente, só tende a crescer é importante que bons psicanalistas sejam formados.
Mas essa formação deve ser muito sólida. Claro que a formação sempre precisou ser muito séria e profunda. Mas essa consciência pode ser determinante já que a velocidade das mudanças do mercado é insana e a boa formação demanda muito tempo e isso pode gerar um grande descompasso por não caminharem no mesmo ritmo.
Mas também representa uma ótima oportunidade para uma prática psicanalítica que esteja alinhada com um olhar para o passado, nos conceitos clássicos freudianos, e uma visão atenta para o futuro das teorias psicanalíticas que poderão fazer grande diferença para aqueles recorrerem aos profissionais de psicanálise.
Conclusão
Cabe aqui refletir se existe uma solução ou um caminho que evite ou acabe com todas essas possibilidades de sofrimento? Parece ser um beco sem saída, um desânimo ou desilusão quanto ao futuro e o que ele nos reserva quando pensamos em bem estar psíquico, mas talvez a resposta seja, ainda que contra gosto, um sonoro não. A competitividade, a volatilidade e a produtividade devem continuar ditando as regras mercantis por muito tempo.
Por outro lado, a necessidade de sobrevivência e dependência do dinheiro é permanente. Grandes ganhos exigem grandes sacrifícios, exigem superar o outro, exige se destacar e ser melhor sempre. Mesmo sabendo ser descartável, sobre a lógica do capital e da alta produtividade permanente, qualquer trabalhador sabe os riscos que corre do ponto de vista de sua saúde física e mental. É importante criar um estofo que ajude a segurar esse tranco.
Recorre-se cada vez mais a todo tipo de recurso para amenizar a ansiedade, depressão e tantos outros sintomas marcantes na contemporaneidade. O uso de medicamentos como os antidepressivos visando restabelecer a saúde mental passa a ser um mecanismo recorrente para se alcançar a capacidade funcional e produtiva do sujeito Han (2021). Este colaborador vive numa corrida na gaiola competindo consigo mesmo dando o melhor de si para superar-se continuamente. É uma realidade cruel que deve perdurar impondo vitórias e alegrias para alguns e forte sofrimento para muitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DARTOT, Pierre & LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. HAN, Byung-Chul. Agonia do Eros. Tradução de Enio Paulo Gianchini Petrópolis, RJ: Vozes, 2021. HAN, Byung-Chul. Psicopolítica – O neoliberalismo e as Novas Técnicas de Poder. Tradução de Maurício Liensen. Belo Horizonte: Âyné, 2021. HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ: Vozes, 2021. SAFATLE, V; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. SMITH , A. A riqueza das nações; investigação sobre sua natureza e suas causas. Tradução de Norberto de Paula Lima. São Paulo: Ed. Nova Fronteira, 2017.
Este artigo sobre o que é neoliberalismo e quais seus custos psíquicos foi escrito por Ricardo Gomes. Mestrando em Administração, MBA em Gestão Empresarial e com formação em Marketing. Professor universitário, formando em psicanálise e colunista mensal do BLOG. Mentor de desenvolvimento pessoal e profissional na ONG Genaration Brasil, consultor educacional e de competências sociemocionais na Escola da Inteligência do Dr. Augusto Cury. https://www.linkedin.com/in/ricardofgv/ ; https://www.clubedotreinamento.com
5 thoughts on “Neoliberalismo: conceito e seus custos psíquicos”
Li o artigo, um tema desafiador. Pois bem, o que temos observado nessa transição da modernidade para a pós-modernidade dos tempos líquidos com chegada da geração Y (e a Alfa) e alta tecnologia é a chamada linha rentista monetarista que entrou em tudo. Não existe mais esquerda e direita, mas existem os extremos e um centro, onde todos querem ganhar dinheiro superfaturando e tapando com notas fiscais e desviando e instrumentalizando. E todos os lados mentindo descaradamente para tecido social e mantendo nichos fechados e blindados, por interesses obscuros, não temos ainda um garantismo forte, temos um legalismo positivista com uma democracia capenga ainda muito autoritária, que nega transparência e acesso a tudo, desviando o erário público em nome de ideologias. É a natureza humana. Alguns diziam, ah, o crime ou a infração criminal e administrativa é produto da luta de classes, ou cultural. O pobre é ladrão nato e tudo mais. Tudo isso é mentira, um sofisma. O crime e os desvios administrativos é biopsicossocial atemporal e perpassa idades, sexos, signos, partidos, ideologias, sistemas, local, hora do dia, cor, classe social e tudo mais, e é da natureza humana. O capitalismo pode ser disciplinado com o chamado neo-capitalismo. Muita gente montando negócio próprio e tal e muitos fazendo falcatrua com produtos e serviços, taxa de sucesso, rachadinhas e tal. Isso precisa de fiscalização. E todos os sistemas tem abalado o psiquismo. Vejam por ex, a antiga URSS que usada as clínicas psiquiátricas para internar a força os divergentes do sistema mantidos com psicofármacos e eletro choques. Outros regimes faziam o mesmo. As democracias verdadeiras são melhores mas os oportunistas cobram um custo muito alto. Muito bom o artigo pra gerar reflexões.
Muito obrigado pela ótima contribuição e por ter lido o artigo. Abraços
A Monarquia e o Comunismo, tem em comum, como fazer o povo trabalhar, os gestores das empresas deixarem de lucrar tanto e o Estado (enquanto Nação) lucrar muito!!! Os governantes perceberam que políticos adoram o conforto e ostentação, mas como trazer profissionais gestores para trabalharem para o governo, nada melhor que os chamados CEO/s sentirem-se seguros em suas funções e bem remunerados também. Eis que surgem as Agências Reguladoras e, na Aviação já chegaram até a “tirar de circulação”, empresas que quiseram “criar asas” e “sobressair-se”! Afinal concessão terá sempre “um freio de mão” em alerta! A sutileza no controle das vacinas contra Covid-19: a comercialização centrada no Ministério da Saúde, afinal os Planos de Saúde iriam querer escolher, caso pudessem, as de menor efeito colateral, para Não gerar demanda pela Rede Hospitalar! O que presume-se não ter sido calculado no Neo Liberalismo é a quarteirizacao: Na Educação e Saúde, foi criada a Organização Social, onde o Serviço Público, via de regra, se restringe a fazer pagamentos as empresas contratadas! Numa ocasião, quando comentado no Facebook, a cidade que moro, com locais públicos recebendo poucas vezes a “visita” dos garis, uma “margarida” respondeu ao internauta: “Alivia ai, a gente tem que limpar a cidade inteira”! A Empresa que a contratou, receberá quanto da Prefeitura, por cada vaga que mantém? Ai tem outra Desmotivação do Terceirizado ou Quarteirizado: Ser de fato Servidor Público, Sem ter o Governo como contratante “diretamente”!
Muito bacana seu posicionamento e análise. Obrigado
Parabéns pelo artigo!