Era uma vez a Pequena Sereia, uma sereia chamada Ariel. Ela vive embaixo do mar com suas irmãs e seu pai Tritão, que é o rei. A Ariel é uma sereia muito curiosa e costuma sair em aventuras com seus amigos Linguado e Sapinho, buscando objetos do “mundo humano”.
Conhecendo a Pequena Sereia
Ariel é muito motivada pelos seus impulsos e quer muito experimentar e explorar o mundo humano por si mesma, até que um dia ela vê um certo príncipe em seu navio.
O mar, onde Ariel começa a sua história, pode ser visto como as profundezas inconscientes da sua mente, ou o id. Ela nada, brinca e se diverte debaixo d’água sem ter medo de julgamento. Seus pensamentos do mundo além permanecem um como um sonho. Quando ela decide emergir em cima do nível do mar, ela acaba entrando no reino do ego onde ela deve suprimir os seus verdadeiros pensamentos e desejos, mais do que uma simples repressão, ela é silenciada pela perda da sua língua.
O superego, que é seu julgamento moral, é o que leva a Ariel a resgatar o príncipe que está se afogando e faz com que ela não o machuque em troca de sua própria vida.
Ariel, a pequena Sereia
A personagem tem transtorno de disposofobia, mais conhecido como a acumulação compulsiva. De uma perspectiva psicanalítica, Ariel faz de tudo para poder obter seus desejos materialistas. Ela guarda todas as coisas que encontra no mundo humano em uma caverna, mesmo coisas que não tenham valor algum.
Ela é o que os humanos chamam de “acumuladores”, pois ela guarda qualquer coisa por ter valor a ela e a fazem feliz. Tais objetos servem como uma gratificação no instante em que ela os descobre e é motivada pelo seu desejo de mais.
A Bruxa do mar concede a Ariel as pernas que ela tanto desejava para poder andar em terra, mas isso tem um preço muito alto – ela deve perder a sua língua e a sua bela voz para cantar.
Um caso passivo
Dos escritos do filósofo Marquês de Sade, “ Ser o objeto do desejo é ser definido no caso passivo. Existir no caso passivo é morrer no caso passivo, ou seja, ser morto. Essa é a moral do conto de fadas sobre a mulher perfeita.”- disse Ângela Carter.
Em A Pequena Sereia, Ariel deve então perder sua voz para poder se tornar humana e obter o homem que deseja. Para caminhar em terra, a sereia tem que entregar a sua fala, suas palavras e a única coisa pela qual o homem que ela tem procurado a reconhece, o seu canto.
Ao se entregar a ele, ela então perde a sua capacidade de expressar suas opiniões e , ao mesmo tempo, a sua própria identidade. Ariel dança pra ele, apesar da dor excruciante que isso lhe causa, apenas para o prazer dele. Ela é o que vemos como a clássica submissa e subserviente. Silenciosa e reprimida, Ariel se torna um típico exemplo de estudo de caso freudiano.
Personagem Flounder, amigo da pequena Sereia
O personagem sofre de Transtorno de Ansiedade Generalizada. O amigo muito suspeito de Ariel age como o seu “ego”, pois ele a ajuda a tomar decisões racionais em suas aventuras devido à sua constante preocupação com o que poderia acontecer de errado. Linguado tende sempre a esperar que um desastre aconteça casa os dois se afastem demais, o que então domina seus pensamentos inconscientes e leva a seus sentimentos subconscientes de perigo e pânico.
Certo dia, Ariel e Flounder saem em busca de um navio naufragado. Ariel como sempre, está muito animada enquanto Linguado fica um pouco hesitante quando seus instintos o deixam com bastante medo na jornada, e ele pergunta rapidamente a Ariel se isso que estavam fazendo era uma boa ideia.
Ariel o acalma e se depara com o navio no fundo do oceano. Os dois começam a explorar e Ariel encontra um garfo em uma das gavetas. Ela fica animada com a sua descoberta quando, de repente, chega um tubarão e os ataca.
A Pequena Sereia e o príncipe
Ariel e Flounder conseguem prender o tubarão e vão nadando em segurança para casa. No caminho, a Ariel vê uma sombra acima e decide nadar para verificar, Linguado a segue. Quando ela consegue olhar mais de perto, vê que é um navio, e nele tinha um homem bonito que estava brincando com seu cachorro. Ariel então se apaixona instantaneamente por este homem, que por acaso é um príncipe.
Uma terrível tempestade começa e cai sobre o navio que acaba ficando despedaçado. Ariel vê o príncipe cair na água e mergulha atrás dele. Ariel e seu fiel amigo Linguado nadam com o príncipe inconsciente até que conseguem chegar em segurança a costa, quando Linguado se lembra que eles precisam partir.
Ariel então concorda e durante a jornada de volta para casa, ela nada com um enorme sorriso em seu rosto. Depois do primeiro encontro de Ariel com o príncipe, ficou ainda mais forte o seu desejo de visitar o mundo humano. Ela então decide ver a bruxa do mar, Úrsula, com esperança de usar a sua magia para se tornar humana. Depois de muitos apelos de Linguado e Sebastião, Ariel ignora todas as vozes, que nelas constava razão, e encontra o seu covil.
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Sebastião, o servo do Rei
Sebastião é o servo do rei e ajuda a manter o reino em ordem. Ele pode ser pequeno, mas é cheio de personalidade e muita sabedoria. às vezes, ele é instruído a tomar conta de Ariel para que ela fique longe de problemas e não tente alcançar a superfície.
Para ele, esse dever é irritante pois não consegue entender os modos curiosos de Ariel sobre humanos e aventuras em geral. Sebastião também atua como profissional de saúde mental de todos os tritões.
Úrsula concorda em transformar Ariel em humana, ela tinha uma condição: ela deveria desistir de sua voz e entregar a sua alma à bruxa do mar. Ariel concorda com isso e então passa por uma terrível transformação. Úrsula diz a Ariel que ela tem 3 dias para beijar o príncipe, antes que ela volte a ser uma sereia e pertença a ela para sempre.
Seu novo corpo humano
Agora Ariel deve encontrar coragem para ir conversar com o príncipe Eric, e milagrosamente fazer com que ele se apaixone por ela. Ariel encontra o palácio do príncipe e tenta se relacionar com ele em seu novo corpo humano, para sua surpresa, ela acaba aprendendo mais sobre os costumes dos humanos.
No início, ela encontra dificuldade de se adaptar à maneira em que os humanos vivem suas vidas e costuma usar assimilações para expressar coisas novas, como comer a mesa de jantar.
O príncipe Eric e Ariel começam a se relacionar, ele passa a achar a sua estranheza intrigante e ele acaba querendo se casar com ela e os dois planejam um casamento. No entanto, Úrsula tem outros planos…
Úrsula, a bruxa
A personagem sofre de Transtorno de Personalidade Narcisista/Sádica. Úrsula é uma bruxa desagradável que se preocupa apenas consigo mesma e manipula as pessoas ao seu redor para conseguir o que deseja. Ela gosta de ver o sofrimento das pessoas, infligindo miséria e dor a qualquer tritão que entra em seu covil. Úrsula tem como objetivo final, derrubar Tritão, e se tornar a rainha do reino subaquático.
Não tão diferente de Ariel, ela parece agir com base no “id” no sentido de que ela tem um processo racional de tomada de decisão ou de diretrizes morais para se comportar. Todos os seus desejos de poder governar o mar e dominar o reino são a sua primeira e única prioridade.
Em uma batalha contra a bruxa do mar, uma vez que Úrsula retrata o seu narcisismo e toma os poderes de Tritão para se tornar quase imparável. As emoções de Ariel a dão coragem para lutar contra a bruxa pelo homem que ela ama. Eric então esfaqueia Úrsula, a bruxa sádica, e ela cai e morre.
Pai e filha: Tritão e a Pequena Sereia
O rei Tritão, o pai representa ordem e cultura. Mesmo que suas intenções sejam boas, ele é rígido e sufocante, por isso Ariel sempre está escapando do seu reino para explorar o que tem além. Ela encontra o mundo de todos os homens, da sexualidade e do amor, mas também do perigo, da dor e do abuso.
Tritão tem medo de que a sua filha caia nas mãos de elementos malévolos e é super protetor e chega a ser um ditador. Ele tem medo por não saber como ele pode preparar a sua filha para a idade adulta, e ele não está pronto para deixá-la ir.
Ele, sem nenhum conhecimento sobre mulheres, acaba sendo visto como um homem bobo. Isso o deixa inconsciente sobre o desejo de Ariel de ir à superfície e acabar se apaixonando. Acaba sendo uma relação patológica entre pai e filha, pois seu trabalho é o de preparar Ariel para encontrar um companheiro e não o de protegê-la disso.
A cerimônia de casamento
O pai é o primeiro contato masculino para com sua filha e deve mostrar a ela como navegar no mundo dos homens. Ele, o pai, é um precursor da contraparte masculina definitiva da filha e chegará o dia em que ele terá que dar o lugar ao verdadeiro príncipe.
É justamente por isso que na cerimônia de casamento é o pai quem entrega a filha ao noivo. É mais do que um simbolismo, é o papel que um pai deve assumir com a sua filha e no casamento ele faz a sua parte final. Isso acabou tornando-se um ritual vazio, e em muitos casamentos atuais, ele não é mais tão visível e presente.
Essa relação distorcida entre Tritão e sua filha Ariel é um tema mitológico comum e , portanto, provavelmente também na vida. Quando pensamos em O Senhor dos Anéis ( As Duas Torres), Lord Elrond tenta proteger sua filha Arwen de se apaixonar por um homem que ainda não é rei e quer mandá-la para as terras eternas quando ele, o pai, atinge o seu ponto mais sombrio.
A repressão
O comportamento de repressão de Tritão faz com que sua filha crie uma coleção escondida onde pode sonhar com a sua vida na terra. Quando ele acaba por descobrir sobre a caverna escondida, ele destrói a sua coleção e tenta destruir seu sonho.
Os filmes fazem uma linda retratação desse ato malévolo do pai e o escondem na escuridão. Ele expõe como pensa sobre o mundo dos homens e diz literalmente: Conhecê-lo? Eu não tenho que conhecer. Eles são todos iguais. Covardes, selvagens, comedores de peixes e arpoadores. Incapazes de ter qualquer sentimento.
Ele, Tritão, mostra claramente que não está conectado com o seu lado feminino e seu mundo emocional, suas palavras são apenas um reflexo de como ele vê os homens e isso inclui a si mesmo.
Outro ponto de vista
Não vi todos os filmes da Disney, mas este é o mais sexual no meu ponto de vista. Nós humanos precisamos sobreviver e nos reproduzir. Se tornar um adulto significa que você está ficando fértil e pronto para o acasalamento.
A pequena Sereia é sobre qual companheiro é o certo e como encontrá-lo. Constantemente, ao longo do filme, o sexual está sendo exibido. Se formos observar com cuidado, o esconderijo de Úrsula parece o interior de um corpo e na verdade ela está sentada em uma vulva grande incluindo o clitóris. Talvez seja até possível por uma imagem conseguir ver a bola de cristal como um óvulo em ovulação…
Sim, colocamos isso para nossas crianças assistirem. WOW!
A fertilidade de a Pequena Sereia
Ariel tem 3 dias para poder encontrar o seu amor verdadeiro. Isso é uma indicação para as mulheres de que o seu tempo está passando e sua janela de fertilidade está limitada ao tempo, enquanto isso os homens podem ter filhos por toda a vida.
Chega a ser um tanto difícil de explicar o final de A Pequena Sereia, mas vamos lá…Como mencionado antes, todos os personagens são entidades neurológicas comportamentais dentro de nós, e usando mais um exemplo de O Senhor dos Anéis: as partes lutam para poder obter domínio e controle.
Algumas partes estão prestes a perder, elas se incham e tentam mais uma vez, com todas as suas forças, sobreviver. Se nós desistimos, o domínio é afirmado novamente. Se os mantermos no caminho do amor verdadeiro e não desistir, eles irão voltar a cair na inconsciência, no mar.
O fim de Úrsula
É isso que por fim acaba acontecendo com a Úrsula, ela é penetrada por um velho naufrágio dirigido pelo Príncipe Eric. Ela esvazia e desaparece no oceano.
Embora provavelmente seja muito mais do que isso, pois as suas cinzas liberam algumas coisas que estavam presas no mar. Também acaba por restituir Tritão como o rei. Ele mudou no processo e agora por fim, deixa Ariel ter pernas e estar em terra. Algo que antes, estava o tempo todo em seu poder, mas ele não estava pronto para deixá-la ir.
As suas palavras finais são:
– Agora só existe um problema, é o quanto ela me fará falta.
E eles se libertam de sua relação patológica. Ele acaba renunciando ao papel masculino dela e permite que o príncipe ocupe seu lugar de direito. Por fim, uma história linda e atemporal e além disso, algo que pode ser um guia para todos: pai, mãe, filha, filho, homem e mulher.
Este artigo sobre o filme A Pequena Sereia foi escrito por Raïssa Grace J. Asobo (instagram: @r.g.asobo, e-mail: [email protected]). Escritora (literatura infantil), formada em Pedagogia e pós-graduada em Psicopedagogia e Neurociências, formando em Psicanálise.