percepção do tempo

Sobre a percepção do tempo, sofrimento e finitude humana

Publicado em Publicado em Conceitos e Significados

Neste trabalho sobre a percepção do tempo, há de se desenvolver o conceito de temporalidade humana e sua conexão com o sofrimento humano. Em outras palavras, filósofos observaram que o ser humano é marcado pela temporalidade, ele possui uma noção de passado e futuro, isso é extremamente relevante para investigar os seus modos de ser, como o fez Martin Heidegger.

Entretanto, o dado de que o ente humano é temporal corresponde e implica que ele sofra, é justamente com essa correspondência com que essa monografia dialoga.

Entendendo sobre a percepção do tempo

Esta abordagem é relevante para se compreender mais, teoricamente falando, o sofrimento humano, o que possui implicações clínicas no tratamento. Por exemplo, caso o analista possua uma abordagem positivista do sofrimento humano, entendendo fenômenos patológicos como essencialmente desordens neurais, o tratamento seria por meio de remédios.

A Consciência Temporal Humano como Lugar de Interpretação do Sofrimento Humano

Contudo, caso se entenda o sofrimento como fruto de um conflito temporal no indivíduo, o analista possuiria ciência de que o motivo do sofrimento é bem mais profundo do que uma questão cerebral ou biológica e talvez pudesse trazer uma terapia com ênfase nessa consciência temporal do paciente.

Como objetivo, buscar-se-á neste trabalho demonstrar, a partir do ponto de vista de diversos pensadores, como a consciência de passado e futuro do ser humano é causa de seu sofrimento. Na primeira parte do trabalho, há de se apresentar diversos pontos de vista sobre a correspondência entre a consciência temporal e o sofrimento. Já na segunda parte, focar-se-á em como o terapeuta deve realizar a cura em vista dessa correspondência. Deve-se levar em conta que o autor é da opinião de que realizar um processo terapêutico com o paciente é uma consequência de sua visão antropológica, por isso deve-se ter o devido cuidado na análise filosófica do homem.

Para se atingir esses objetivos, a metodologia empregada é de uma divulgação de diversos pensamentos com citações bibliográficas, da fonte ou de comentários. Contudo, esse texto não se prende exclusivamente ao que esses autores pensaram e possui meditações pessoais e leituras de quem escreve, uma vez que não há, no ponto de vista do autor, uma leitura completamente imparcial de autores.

O sofrimento humano e a percepção do tempo

O filósofo antigo Aristóteles, no Livro I da sua Metafísica, diz que o ser humano se distingue dos outros animais pela sua relação mais profunda com a memória, o que o grego chama de experiência, responsável pela capacidade humana de raciocinar e fazer arte.

  1. “ Agora, em alguns animais a memória surge dos sentidos, mas em outros não; e por isso os primeiros são prudentes e mais capazes de serem ensinados do que os que são incapazes de se lembrar. Aqueles que não podem ouvir sons são prudentes, mas incapazes de aprender, como a abelha e outro tipo semelhante de animal que possa existir. Mas quaisquer que sejam que tenha esse sentido junto com a memória são capazes de aprender.
  2. Já outros animais vivem da imaginação e da memória e pouco partilham da experiência, enquanto a raça humana vive da arte e do raciocínio.
  3. Agora, nos homens as experiências vêm da memória, pois muitas lembranças da mesma coisa produzem a capacidade de uma única experiência. E a experiência parece ser parecido com a ciência e a arte.
  4. Mas nos homens a ciência e a arte provém da experiência; pois “a experiência causa arte, e a inexperiência, a sorte”, como sabiamente afirma Polus.” (ARISTÓTELES, 1968, para. 3-5. Tradução própria.)

A percepção do tempo e o sofrimento

Então, justamente porque o ente humano conseguia abstrair do conhecimento vários dados dos sentidos, armazená-los da memória e ainda significá-los que o torna distinto dos outros seres, assim surge a experiência. Como diz Santo Tomás de Aquino comentando esse trecho: “Pois uma experiência surge da associação de muitas [intenções] singulares recebidas na memória. E esse tipo de associação é próprio do homem, e pertence ao poder cogitativo (também chamado de razão particular), que associa intenções particulares assim como a razão universal associa intenções universais.” (AQUINO, para. 16)

Isso é um dado muito importante, pois é a partir da experiência que surge o sofrimento. Por exemplo, quando um ser humano possui saudades de outra pessoa, ele se lembra do que é a ausência de outra pessoa, como é estar com outra pessoa, o cotidiano com ela, que a outra pessoa é um ser muito amado, o que é o sentimento de saudades para a cultura dele, o sentimento de estar sozinho (lembra que saudades vem de solitas, que em latim é solidão), etc.

Então, essas experiências de sofrimento só são condicionadas em virtude da pessoa humana ter uma consciência de um passado, ou seja, possuir uma memória.

A filosofia contemporânea

Já na Filosofia Contemporânea, há autores que tentaram compreender a existência humana, incluindo a questão do sofrimento e da angústia como constituintes fundamentais do ser humano. Um dos iniciadores dessas discussões foi o Soren Kierkegaard (1979), que, diante de uma análise bíblica de Adão e Eva e a tentação para comer o fruto proibido, associa o sofrimento humano com a liberdade.

O sofrimento humano, segundo o dinamarquês, surge nos dilemas de Adão se pode ou não pode comer o fruto proibido, ou seja, o sofrimento para o pensador é fruto da potência humana, em outras palavras liberdades. A partir do momento que podemos ter ou ser alguma coisa, mas não conseguimos, o ser humano consegue sofrer.

Contudo, filosoficamente falando, a noção de agir em um determinado futuro implica em uma consciência do ente humano do que ele pode ou poderia ser, do que ele gostaria de ser, como não seria essa capacidade humana um exemplo de sua consciência temporal? Em síntese, mesmo que o sofrimento seja ocasionado pela liberdade, somente há esse sofrimento na liberdade pelo que ele projeta no futuro.

A liberdade humana

Ainda na Filosofia Contemporânea, a relação entre a liberdade humana e a temporalidade fica mais evidente ainda em outros autores, sobretudo nos filósofos existenciais. Por exemplo, uma das obras magnas desta vertente é o Ser e Tempo, do alemão Martin Heidegger, já no próprio título pode se perceber uma relação entre a temporalidade e a ontologia, uma relação entre a ontologia e a temporalidade. Isso se conecta com o assunto da monografia, pois é evidente na obra que o ente humano possui um primado ontológico, ou seja, o ser, que é temporal, deve ser compreendido a partir do ser humano:

“Como atitude do homem, as ciências possuem o modo de ser deste ente (homem). Nós o designamos com o termo pre-sença.” (HEIDEGGER, 2005, p. 38). Mostrado como os modos de ser do homem são temporais, isso deve se conectar com o tema do sofrimento humano. Isso se dá por uma palavra-chave heideggeriana que é o da existência:

“Chamamos existência (N2) ao próprio ser com o qual a presença pode se comportar desta ou daquela maneira e com o qual ele se comporta de alguma maneira; (HEIDEGGER, 2005, p. 39). É, na medida, que o ente humano existe, que ele não é determinado anteriormente como são os animais, ele escolhe se comportar de uma maneira ou de outra. A existência humana só pode escolher determinados modos de ser, ou seja, ser livre, na medida em que é um ente que se suspende no nada (HEIDEGGER, 1978). O nada, para Heidegger, é a negação da totalidade do não-ente, entendido na “filosofia heideggeriana” como a negação do cotidiano.

QUERO INFORMAÇÕES PARA ME INSCREVER NA FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE

    NÓS RETORNAMOS PARA VOCÊ




    O cotidiano e a percepção do tempo

    Trata-se de uma análise bastante verossímil com o nosso cotidiano, pois pode-se perceber que nos dias em que os seres humanos não estão ocupados no mundo e caindo na monotonia, o ente humano fica angustiado, sendo essa angústia o nada do qual o Heidegger fala. Em outras palavras, quando um terapeuta for atender um paciente e perguntar a ele:

    “O que você está sentido?”.

    “Nada!”, responde o paciente;

    Deve-se ter, então, em mente que o paciente está em uma crise de angústia.

    Portanto, para o alemão, somente porque o homem possui a angústia como tonalidade afetiva principal que ele se recusa a angústia e cultivar modos de ser no cotidiano que ele é existente.

    A etimologia

    Sendo a etimologia da palavra existência como eks-sistência (ser para fora), em outras palavras, a existência para Heidegger é abertura ao mundo, mas isso só ocorre ocorre com a negação desses sentidos históricos que o mundo dá ao dasein, tanto em sentido individual como em sentido histórico. Portanto, pode-se ver a conexão entre o sofrimento e a temporalidade humana em Heidegger.

    Além dos filósofos existenciais, há o também fenomenólogo francês Michel Henry. O autor francês criou uma filosofia com ênfase nos afetos de si próprio do ente humano vivo. Segundo o mesmo autor (HENRY, 2012), a vida do ente humano é essencialmente páthos, portanto sofrimento, mas além disso é o aceitar, o ultrapassar-se, o crescimento de si, portanto alegria, em relação a esse sofrimento.

    Sendo para esse autor justamente essa passagem o que constitui a vida humana como histórica. Um exemplo para ilustrar a linha de raciocínio do autor é o mesmo da angústia, o humano se angustia e justamente por não poder suportar a angústia, ele cria modos de ser para fugir da angústia, o ente humano é histórico porque não pode somente sofrer, mas precisa ultrapassar esse sofrimento.

    Consequências Clínicas

    O que poderia ser dito de visões distintas de autores sobre a relação entre o sofrimento humano e a temporalidade como marca do seu ente já foi dito, a seguir há de se falar das consequências clínicas do que foi dito.

    Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que as reflexões filosóficas no primeiro capítulo são extremamente anti-positivistas na Filosofia, por consequência na clínica. Em outras palavras, opõe-se a qualquer corrente filosófica que reduza o sofrimento da psykhé humana a questões fisiológicas, como o cérebro, o sofrimento humano e suas correspondências são muitíssimos mais complexos: para Aristóteles, é consequência da abstração da experiência; para Kierkegaard corresponde à liberdade humana; para Heidegger, é pelo contato do dasein com a totalidade do ente, etc.

    Em segundo lugar, não somente se opõe ao positivismo por conta da temática do sofrimento, mas também os modos de ser do ente humano, sobretudo depois da exposição da filosofia heideggeriana, devem ser vistos de modo histórico. Por exemplo, quando um paciente chega ao psicanalista por ser depressivo, a abordagem do analista deve ser contemplar a depressão do paciente a partir do horizonte histórico em que ele está inserido.

    Problemas psicológicos e a percepção do tempo

    Portanto, caso se aceite essas consequências para a análise, deve-se recusar a via farmacêutica de problemas psicológicos, essa solução parte de uma concepção positivista em redução de problemas psicológicos a questões fisiológicas, como o cérebro.

    Uma abordagem terapêutica que está em harmonia com as consequências do estudo realizado, ou seja, com análise verossímeis da existência humana e com processos de curas não positivistas é a do psicólogo Medard Boss (1981). Segundo o autor, pode-se superar a angústia pelo amor, a confiança e a entrega, muito antes de seguir abordagens farmacêuticas. Já para a culpa, pode-se libertar dela a partir da aceitação do estar-culpado.

    Outra abordagem que se não considera positivista é a cura pela fala da qual falava o Doutor Sigmund Freud nos seus estudos sobre histeria: “A reação da pessoa insultada em relação ao trauma só exerce um efeito inteiramente “catártico” se for uma reação adequada – como, por exemplo, a vingança. Mas a linguagem serve de substituta para a ação; com sua ajuda, um afeto pode ser “ab-reagido” quase com a mesma eficácia. Em outros casos, o próprio falar é o reflexo adequado: quando, por exemplo, essa fala corresponde a um lamento ou é a enunciação de um segredo torturante, por exemplo, uma confissão. Quando não há uma reação desse tipo, seja em ações ou palavras, ou, nos casos mais benignos, por meio de lágrimas, qualquer lembrança do fato preserva sua tonalidade afetiva do início.” (FREUD, 1893-1895.)

    Conclusão sobre a percepção do tempo

    Por fim, fica em aberto para o analista ou o terapeuta seguir as abordagens de curas, porquanto que siga aquilo do qual Kierkegaard já falava: a existência humana não deve ser solucionada, mas sim vivida.

    Percepção do tempo, temporalidade e consciência temporal À primeira vista, não se pôde fazer uma exposição exaustiva de distintos filósofos acerca do sofrimento humano, sobretudo por ser um conhecimento de mais de 2000 anos que exigiria a demanda de leitura e pesquisa que não cabe ao projeto de conclusão desse curso.

    Entretanto, há outros autores em que se poderia analisar, não se dizer com certeza, se há a correspondência que é a tese principal desta monografia, como: Spinoza, Santo Agostinho, o brasileiro Mário Ferreira dos Santos, etc.

    Exposições filosóficas

    Contudo, com a percepção do tempo e devido à falta de tempo, sobretudo pelo escritor da monografia ter obrigações na faculdade, inclusive provas, não se pôde somar as análises filosóficas riquíssimas desses autores à monografia. Nada impede de em uma revisão futura do texto somar-se às opiniões desses autores, sem contar que os leitores estão totalmente convidados e abertos a fazerem a análise da tese da monografia nesses autores.

    Acredita-se que as exposições filosóficas dos autores citados já são o suficiente para comprovar a tese na qual o autor se comprometeu na Monografia. Além disso, as consequências práticas da análise filosófica são suficientes e desejadas.

    Referências bibliográficas

    • AGOSTINHO, Santo. O Livre-Arbítrio. 3ª ed. São Paulo: Paulus, 1995. • AQUINAS, Thomas. Commentary on The Nicomachean Ethics. Chicago: Henry Regnery Company, 1964. Disponível em: https://isidore.co/aquinas/english/Ethics.htm.

    • AQUINAS, Thomas. Commentary on The Metaphysics. Chicago: Henry Regnery Company, 1961. Disponível em: https://isidore.co/aquinas/english/Ethics.htm.

    • BOSS, Medard. Angústia, culpa e libertação. São Paulo: Duas Cidades, 1981. • SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Da Crise. 2ª ed. São Paulo: É Realizações, 2010. • FREUD, Sigmund. Estudos sobre histeria .São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

    • SPINOZA, Baruch. Ética. São Paulo: Edusp, 2015. • HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 10ª ed. São Paulo: Martin Fontes, 2005.

    • HEIDEGGER, Martin. O Que é Metafísica? In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

    • HENRY, Michel. Bárbarie. São Paulo: É Realizações, 2012. • KIERKEGAARD, Søren. Temor e Tremor. In: Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultura, 1979.

    Este artigo foi escrito por Caio Ígor Lima Falconieri([email protected]), concluinte do Curso de Formação em Psicanálise.

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *