Neste artigo, exploramos como a psicanálise compreende o sofrimento psíquico e as transformações corporais enfrentadas na adolescência. Discutimos o papel do processo analítico no acompanhamento do adolescente, com base nas contribuições de Freud e Lacan, revelando como esse momento de transição pode ser atravessado com maior consciência e elaboração subjetiva.
A Adolescência sob a Lente da Psicanálise: Desvendando o Labirinto
O adolescer.
Uma palavra carregada de expectativas, transformações e, por vezes, turbulências. Uma fase da vida marcada pela transição da infância para a vida adulta, um período de intensas mudanças físicas, hormonais, cognitivas e, crucialmente, psíquicas.
Para a psicanálise, o adolescer não é meramente uma etapa biológica, mas sim um complexo processo de reestruturação subjetiva, onde antigas certezas são desmanteladas e novas identidades são ensaiadas em meio a angústias e descobertas.
Este artigo propõe uma exploração da adolescência sob a perspectiva da psicanálise, mergulhando nas teorias de Sigmund Freud e Jacques Lacan, e buscando compreender as dinâmicas psíquicas que moldam essa fase crucial do desenvolvimento humano.
Analisaremos os desafios enfrentados pelos adolescentes, as defesas psíquicas mobilizadas e o papel fundamental da psicanálise como ferramenta de escuta e elaboração nesse confuso e complexo processo de tornar-se adulto.
A Herança Freudiana: Puberdade e a Reativação do Édipo
Para Freud, a adolescência é marcada pelo advento da puberdade, com suas transformações corporais e o despertar da sexualidade genital. Essa maturação biológica reativa o complexo de Édipo, vivido na infância, sob uma nova roupagem.
O adolescente se depara novamente com os desejos incestuosos em relação aos pais, agora revestidos de uma intensidade diferente, impulsionada pela nova capacidade sexual. A resolução do Édipo na infância, ainda que incompleta, deixa marcas psíquicas que influenciam a forma como o adolescente lida com essa reativação.
A necessidade de desligamento dos pais, de construir uma identidade separada e de direcionar o desejo para fora do círculo familiar torna-se central. O luto pelos pais da infância, idealizados e onipotentes, é um trabalho psíquico fundamental nesse período.
A busca por objetos de amor fora da família, os primeiros relacionamentos amorosos e sexuais, são tentativas de encontrar um novo lugar para o desejo, desvinculado das figuras parentais. Essa busca é frequentemente acompanhada de inseguranças, idealizações e frustrações, espelhando as complexidades do próprio Édipo.
A Contribuição Lacaniana: O Desafio do Real e a Construção da Identidade
Jacques Lacan, ao reler Freud, oferece uma perspectiva enriquecedora sobre o adolescer. Para Lacan, a adolescência é marcada por um encontro traumático com o Real – aquilo que escapa à simbolização, o núcleo pulsional e a falta estrutural que constitui o sujeito.
O corpo do adolescente, com todas as novidades e mudanças que acontecem nessa fase, surge como algo misterioso e difícil de entender. Isso faz com que o adolescente se depare com a ideia de que a vida tem um fim e com a sensação de que algo está faltando ou sendo perdido.
O adolescente se vê confrontado com a necessidade de construir uma nova imagem corporal e uma nova identidade sexual, que não mais se sustentam nas identificações infantis. O espelho, que na infância oferecia uma imagem unificada e idealizada do eu (estádio do espelho), agora reflete um corpo em transformação, muitas vezes estranho e fonte de angústia.
Ensaios de identidade no Acompanhamento do adolescente
A busca por identificações com grupos de pares, com ídolos e com diferentes modelos torna-se uma tentativa de encontrar significados que possam dar sentido a essa experiência de estranhamento e de construir um novo “eu” no campo do Outro social.
As tribos urbanas, os modismos e as experimentações identitárias são manifestações dessa busca por pertencimento e por um reconhecimento que valide a nova identidade em construção.
O adolescer é, inevitavelmente, um período de intensa angústia. A angústia diante do desconhecido, da perda das referências infantis, da pressão social, das escolhas futuras e da própria sexualidade emergente. Para lidar com essa angústia, o adolescente mobiliza uma série de mecanismos de defesa.
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A negação, por exemplo, pode se manifestar na recusa em reconhecer as mudanças corporais ou as implicações de seus atos. A idealização é frequentemente direcionada aos grupos de amigos ou aos primeiros parceiros amorosos, como forma de encontrar um ideal de eu que ainda não se consolidou internamente.
A identificação projetiva pode levar o adolescente a depositar nos outros seus próprios sentimentos de insegurança e inadequação. A atuação, expressão de sentimentos e desejos inconscientes através de ações, em vez de verbalização, é uma defesa comum, expressando de forma impulsiva e, muitas vezes, destrutiva, aquilo que não consegue ser elaborado psiquicamente.
Comportamentos de risco, uso de substâncias e conflitos com a autoridade podem ser manifestações dessa dificuldade em simbolizar a angústia.
O Papel da Psicanálise no Acompanhamento do Adolescente
Diante da complexidade do adolescer, a psicanálise oferece um espaço de escuta privilegiado para o sofrimento psíquico. O setting analítico se configura como um lugar seguro onde o adolescente pode expressar suas angústias, dúvidas, conflitos e fantasias, sem o julgamento ou a pressão do mundo adulto.
O analista, através da escuta flutuante e da interpretação, auxilia o adolescente a dar sentido às suas experiências, a elaborar os lutos necessários, a reconhecer seus mecanismos de defesa e a construir uma narrativa sobre si mesmo que seja mais autêntica e menos alienada.
A análise com adolescentes demanda uma escuta atenta às particularidades dessa fase da vida. É preciso considerar a influência do grupo de pares, as questões relacionadas à sexualidade e à identidade, as pressões escolares e familiares, e a busca por autonomia.
O analista se coloca como um Outro que não responde diretamente às demandas do adolescente, mas que o convida a interrogar seus próprios desejos e a encontrar suas próprias respostas.
O processo analítico pode auxiliar o adolescente a:
- Elaborar o luto pela infância perdida e pelos pais idealizados.
- Lidar com a angústia diante das transformações corporais e da sexualidade emergente.
- Construir uma identidade mais sólida e autônoma, diferenciada das identificações infantis.
- Encontrar novas formas de relação com o Outro, baseadas no desejo e não apenas na dependência.
- Simbolizar e elaborar os conflitos internos, em vez de apenas atuá-los.
- Desenvolver a capacidade de reflexão e de autoconhecimento.
Conclusão: Um Processo Contínuo de Tornar-se
O adolescer é um período de intensas transformações e desafios psíquicos. A psicanálise, com suas ferramentas conceituais e sua escuta clínica, oferece uma compreensão profunda das dinâmicas que moldam essa fase crucial do desenvolvimento humano.
Ao desvendar o labirinto das angústias e das buscas identitárias, a análise pode auxiliar o adolescente a construir um caminho mais autônomo e consciente em direção à vida adulta.
É importante ressaltar que o adolescer não é um ponto final, mas sim uma etapa fundamental em um processo contínuo de tornar-se sujeito. As marcas dessa travessia influenciarão a forma como o indivíduo se relaciona consigo mesmo e com o mundo ao longo de toda a sua vida.
O adolescer, sob a lente da psicanálise, revela-se não apenas como uma fase de crise, mas como uma oportunidade única de crescimento e de (re)invenção de si mesmo. A psicanálise, ao oferecer um espaço para a elaboração dessas experiências, contribui para um desenvolvimento psíquico mais saudável e para a construção de um futuro mais promissor.
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Artigo escrito por : Viviane Stenzowski (41)98864-6235 – Psicanalista Clinica e Psicot. do Puerpério Emocional. (41)98864-6235