representações sobre o indígena

Representações sobre o indígena em quatro textos do século XVI

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O olhar e as representações sobre o indígena no Brasil é um tema amplo dentro da literatura produzida em terras brasileiras. Ora propendendo ao heroísmo, ora à escravidão, diversas imagens foram traçadas desde a invasão lusitana acerca dos povos originários.

Entendendo as representações sobre o indígena

Entre tais representações, é provável que as mais precisas acerca da vida e dos costumes aqui praticados no período colonial sejam, precisamente, aquelas produzidas no Séc. XVI. Tal fato, pontuo, não se deve ao rigor científico empregado no estudo antropológico do sujeito nativo. Pelo contrário, a narrativa do europeu sobrevive no tempo com a perene insígnia do estrangeirismo de outra nação e outro tempo.

Assim, a mirada portuguesa para o nativo é quase sempre comparativa em detrimento dos primeiros. Contudo, a singular cronicidade dos relatos produzidos por homens de seu tempo em uma terra estranha nos permite mirar, além de quem poderiam ser aqueles povos anteriores, quem eram aqueles que os retratavam e quais eram seus objetivos com semelhante intuito.

Observando mais a fundo essa questão, voltamos nosso olhar para a literatura produzida por quatro autores do referido tempo. A saber: Pero Vaz de Caminha, Pero de Magalhães Gândavo, José de Anchieta e Manuel da Nóbrega. A imagem do indígena feita por Caminha chega até nós a partir de um olhar curioso e admirado da terra desconhecida.

Sobre o autor e as representações sobre o indígena

O autor parece maravilhar-se com a beleza da terra e de seus habitantes. Não em vão, ele se refere às índias comparando-as in bona partem com as mulheres de Portugal. Aos homens, ele descreve como fortes e viris. Além disso, na Carta, o explorador parece olvidar-se por alguns momentos de que escreve um documento oficial e deixa com que o olhar poético flua através da narrativa, coisa que faz com que o leitor se sinta conectado com o exotismo da atmosfera repleta de gentes “vermelhas e nuas” numa terra que era, segundo seu olhar, o “paraíso terrestre”.

A narrativa de Gândavo, por outro lado, é pitoresca e objetiva no trato com os nativos, a quem ele não dedica o mesmo olhar complacente que Caminha dedica. Pelo contrário, Gândavo produziu um material a priori de cunho mercadológico, que incitava propagandisticamente a vinda de europeus para a colônia brasileira. Ao mesmo tempo, o autor analisa o ritual antropofágico a partir de sua ótica cristã-europeia, o que torna seu relato pleno de um sentimento de horror frente ao que lhe parecia barbárie.

É, pois, diante desse sentimento de estranheza ao diferente que José de Anchieta produziu sua literatura voltada para e sobre o indígena brasileiro. Por um lado, o trabalho do padre se insere num espaço de hiato religioso existente nas culturas nativas. Isto é, o senso de reverência ao Divino não existia entre as populações nativas, de modo que a inserção do cristianismo mimetizado (que unia aspectos culturais indígenas e europeus) ocupou o referido espaço e inseriu, ao mesmo tempo, elementos distintos à vida tradicional do indígena.

O cristianismo mimetizado e as representações sobre o indígena

Todavia, esse movimento não deixou de ser, sobretudo, uma imposição política e cultural de uma religião que carregava os valores de um povo sobre a maneira de outrem perceber e se posicionar no mundo. Esse último ponto, o tem em comum Manuel da Nóbrega, conforme ele o torna perceptível em seu texto O Diálogo Sobre a Conversão do Gentio.

Nesse texto, Nóbrega deixa clara sua posição estabelecida como um religioso devoto à fé cristã diante de um mundo absolutamente distinto do seu. Se, a princípio, a posição de Nóbrega para com o indígena era otimista e entusiasmada rumo à conversão; com o tempo e a mudança da perspectiva do autor, ele passa a mostrar-se cada vez mais estranho à simpatia pelo indígena. Isso significa, deve-se dizer, simpatia pelo sujeito indígena e não por sua cultura, pois o ânimo de Nóbrega sempre se mostrou como o de um contrarreformista em busca de novos fiéis.

Assim, o padre mostra um espírito desagradado da terra, no qual fica evidente seu horror aos costumes das gentes nativas. Mirando o princípio de todas essas posições, ao meu ver, o mais evidente conflito reside justamente no olhar sobre a liberdade que cada povo tinha. De uma perspectiva, havia a Europa sisuda e conservadora com sua firme base cristã.

Considerações finais

Do outro lado, havia as culturas indígenas, mas quais o senso de hierarquia e obediência não eram presentes tais quais nas sociedades europeias e, sobretudo, na sociedade portuguesa. Pois, justamente tal igualdade entre sujeitos e tal liberdade perante o mundo foram alguns grandes pontos de estranhamento e desentendimento entre os povos. Fora isso, haviam os costumes tribais e ritualísticos, cuja execução era causa de horror entre cristãos.

Isso, porém, como outros, é um elemento que permanece entre os povos. Isto é, ainda no presente momento, o conservador olhar cristão segue condenando diversas expressões culturais de povos originários (não apenas indígenas, mas também dos africanos e afrodescendentes).

O presente artigo foi escrito por Ariel Von Ocker. Escritora, psicanalista, poliglota e acadêmica de Letras e História. Também já trabalhou no teatro como dramaturga e atriz. Autora com quatro livros publicados, atua desenvolvendo pesquisas na área da psicanálise, literatura sob perspectivas historiográficas e estudos de gênero. Atualmente se dedica também às artes plásticas através da iniciativa Projeto Simbiose, no qual atua no núcleo de direção em parceria com Michelle Diehl e Cristina Soares, além de ser editora chefe da Revista Ikebana. Contato: @ariel_von_ocker

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