O Que Se Pode Aprender Com O Livro As Abolições da Escravidão no Brasil e no Mundo Atual, de Michel Dorigny? Continue a leitura para aprender sobre o assunto.
Abolições da Escravidão no Brasil e no Mundo Atual
No livro As Abolições da Escravidão no Brasil e no Mundo, o professor e historiador francês Marcel Dorigny constrói uma abordagem comparativa acerca dos processos de abolição da escravidão nos países da América no séc. XIX, bem como os movimentos de luta e resistência que os antecederam. A obra traz um olhar sintético e objetivo acerca do tema tratando-o com uma linguagem acessível que facilita o entendimento e aumenta o alcance da obra.
Além disso, a importância do tema lhe confere grande destaque na formação de futuros professores, especialmente na área de ciências humanas, como Letras, História e Sociologia. O livro em questão possui cinco capítulos: o primeiro deles, As Resistências à Escravidão, Dorigny discute algumas das maneiras que os povos africanos encontraram para manter sua identidade cultural e individual ao longo do processo de escravidão; no segundo capítulo, de nome As Contestações ao Tráfico e à Escravidão, começam a ser trabalhados os primeiros movimentos contrários ao regime escravocrata, como o Abolicionismo e o Antiescravismo.
Em seguida, em Surgimento e Expansão do Movimento Abolicionista, o professor aborda o princípio do movimento que objetivava pôr um fim ao regime escravista, o abolicionismo (diferenciando do antiescravismo, que apenas opunha-se a ele sem propor maneiras de encerrá-lo); no capítulo seguinte: A Primeira Abolição da Escravatura (1789-1804) é abordada a história da Colônia de São Domingos (atual Haiti), a primeira a obter a liberdade; do mesmo modo, nesse capítulo é debatida a maneira como a colônia logrou chegar à liberdade e os impactos desse fato sobre as demais colônias europeias com ênfase nos territórios franceses.
Ainda sobre as Abolições da Escravidão no Brasil e no Mundo Atual
Finalmente, no capítulo As Abolições do Século XIX, o autor analisa o modo como, sucessivamente, os territórios europeus na América aboliram a escravidão em seus territórios. No primeiro parágrafo, cujo título é As Resistências à Escravidão, o autor propõe um diálogo entre os fatos de que tanto o processo de propagação dos direitos universais do homem nos países mais adiantados da Europa quanto a própria rejeição dos povos escravizados à situação a que estavam expostos contribuíram para o fim do regime escravista. (DORIGNY, 2019, p.18)
Nesse sentido, exemplos de resistência como: desleixo ou recusa do trabalho, o envenenamento dos animais e senhores das fazendas, a recusa em se gerar filhos, o suicídio durante as travessias, os motins dentro dos navios negreiros e, evidentemente, as fugas dos centros de trabalho.
Esses movimentos de resistência, por sua vez, eram a força realizada contra o processo de despersonalização e desidentificação a que eram submetidos os indivíduos que, ao chegar nas colônias, viam-se obrigados a abrir mão de sua identidade como sujeitos africanos e parte de uma cultura diferente daquela do europeu colonizador.
As Contestações ao Tráfico e à Escravidão
O capítulo de nome As Contestações ao Tráfico e à Escravidão começa propondo a diferenciação entre os termos “antiescravista” e “abolicionista”. A saber, nas palavras de Dorigny “os antiescravistas ‘limitam’ de certo modo sua ação a uma condenação moral da escravidão.”(idem, p.30). As causas de tal condenação podem ser éticas, religiosas ou econômicas. Porém a tônica que a distingue do abolicionismo é a inexistência de uma proposta de solução para o problema da escravidão.
O professor ainda propõe a discussão acerca da “escravidão por natureza”, conceito sustentado pela ideia de que haveriam divergências evolutivas que faziam do negro menos evoluído do que o europeu, que caiu em desuso com a ascensão da ideia de uma humanidade una e igual enquanto espécie. Esse pensamento foi endossado por algumas das igrejas protestantes da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos.
Isso representou uma ruptura histórica dramática com o pensamento até então vigente não só na Europa, mas em todo o mundo ocidental e, por consequência, com alguns dos principais fundamentos cristãos das sociedades, cujas bases se encontravam nos pensadores da Idade Média e Antiguidade Clássica. Não obstante, essa ruptura de pensamento ainda não significava uma ruptura política com a escravidão.
Abolições da Escravidão no Brasil e no Mundo Atual e a quebra do paradigma escravista
O que, de fato, impulsionou a quebra do paradigma escravista foi a economia de livre mercado, em cujo sistema baseado na divisão do trabalho e no consumo, não havia espaço para o trabalhador não assalariado. No capítulo seguinte: Surgimento e Expansão do Movimento Abolicionista, Dorigny propõe um esquema de três fases para representar o processo de abolição da escravatura: a fundação das bases teóricas do antiescravismo, a rejeição da escravidão pela filosofia e pela economia como resultado da maturidade dos ideais da fase anterior e o processo de abolição per se.
O professor aponta que tal processo foi gradual e que os próprios abolicionistas concordavam que a súbita libertação dos escravizados provavelmente resultaria em grandes problemas sociais advindos da falta de suporte para vida em liberdade daqueles que haviam sido submetidos apenas ao regime de servidão. Além disso, esse rompimento com o modo econômico-social social das colônias poderia ter como resultado o colapso de suas economias baseadas unicamente neste regime.
Não obstante, o impedimento do tráfico de escravos era um imperativo imediato e cujo fim não significou o fim do tráfico ilegal feito principalmente por Portugal com destino ao Brasil. Estima-se que mais de 4 milhões de africanos de diferentes nacionalidades tenham sido transportados para terras brasileiras de modo legal e mais cerca de 50 mil ao ano ilegalmente entre 1829 e 1850. Naturalmente a história colonial e os processos históricos passados pela nação, como a ausência de uma frente nacionalista responsável por sua independência, facultaram o surgimento de um movimento tímido e lento para fazer frente à escravidão.
A Primeira Abolição da Escravatura (1789-1804)
Na etapa que se segue, A Primeira Abolição da Escravatura (1789-1804), o historiador retoma a discussão sobre o fracasso da abolição do tráfico de escravos acrescentando a ela o fato de que “o debate sobre a abolição sobre o tráfico de escravos nunca ocorreu nas assembleias revolucionárias sucessivas” (idem, p.71). Assim, apenas em 27 de julho de 1793, por meio de projeto proposto pelo deputado Grégoire, o tráfico deixa de ser patrocinado pela República, embora seguisse legal.
Foi, pois, apenas com a Revolta de São Domingos, movimento executado pelos próprios escravizados, que esse cenário viria a mudar. Os questionamentos da colônia aos ideais de liberdade propostos pela República Francesa puseram em xeque toda a organização político-social vigente na época, culminando com a abolição nos territórios de Guadalupe e Guiana. Como Martinica estava sob domínio inglês, a lei francesa não a alcançou.
Não obstante, com a ascensão de Napoleão Bonaparte novas leis foram promulgadas e a França voltou a tentar instituir a escravidão em São Domingos. Contudo, tal medida foi barrada pelo ” ‘exército indígena’ liderado pelo general negro Toussant Louverture e Jean-Jacques Dessalines”( idem, p.81). Futuramente a colônia de São Domingos seria rebatizada como República do Haiti.
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Abolições da Escravidão no Brasil e no Mundo Atual: As Abolições no século XIX
Em As Abolições no século XIX, capítulo subsequente no livro, o historiador propõe uma visão mais ampla acerca do fim da escravidão em diferentes pontos da América e sua relação com o cenário político europeu. Nesse cenário, no dia 02 de março de 1807 é votada pelo parlamento inglês a lei que proibia o comércio de escravos a cidadãos britânicos.
O impacto dessa atitude foi forte no mundo ocidental, agora com duas potências que haviam abolido o tráfico negreiro: França e Inglaterra. Após esse fato seguiu-se a derrocada da França Napoleônica e a instauração do Tratado de Viena. Esse, malgrado se posicionasse contra o tráfico, não foi suficiente para garantir sua cessação. Pelo contrário, mesmo 14 anos depois de assinado milhares de escravos seguiam sendo levados da África rumo à América.
Em 1815, no entanto, a Inglaterra passaria a liderar o movimento antiescravista internacional. Isso implicava a necessária destituição da escravatura de seu papel na economia das colônias britânicas. Ao contrário do que se imaginava, contudo, rapidamente se pôde resolver tal questão. Parte desse fato se deveu à constante pressão que as rebeliões causavam quanto ao interesse redirecionado para a Ásia e seu mercado.
A França e liberdade das colônias
Naturalmente, então, com o êxito inglês um novo questionamento veio à tona: se uma grande potência como a Inglaterra lograra pôr um fim ao processo escravista, era impossível para outras potências manter indefinidamente seus escravos. A próxima a libertar os escravizados de suas colônias foi a França, que embora participasse da luta contra o tráfico, não tomara essa medida nem durante a Restauração(1815-1830).
Até o ano de 1830, quando os movimentos revolucionários levaram ao poder a elite reformista, os movimentos abolicionistas na França tinham um caráter meramente intelectual. Quando, então, a Monarquia de Junho cai, deixando o caminho aberto para a abolição, é finalizado o processo através do decreto assinado em 27 de abril de 1848, que punha fim oficialmente à escravidão nas colônias francesas.
Enfim chegava a vez das colônias hispânicas, que tinham como obstáculo à liberdade dos escravizados o fato de que os “libertadores” das colônias proviam da alta sociedade e possuíam em grande parte escravos em suas propriedades. O primeiro país ex-colônia a por um fim à escravidão foi o Chile, que o fez em 1823; seguido pela Bolívia, em 1826 e pelo México em 1829. Depois disso vieram as abolições tardias na Argentina, Venezuela, Peru e outros países hispano-americanos.
Considerações finais
Por fim, chegava então a vez do Brasil, cuja luta abolicionista foi tardia e influenciada pelo movimento inglês. O processo foi gradual, por meio de leis que reduziam a incidência da escravidão na sociedade, proibindo o tráfico e o uso dos filhos nascidos de escravos.
No entanto foi apenas 16 de maio de 1888 que a Lei Áurea trouxe o fim definitivo à escravidão no último país da América.
Finalmente, cabe ressaltar a importância do livro de Dorigny, na medida em que sua leitura, além de abordar a gradual desconstrução do regime de escravatura nas Américas, descreve como movimento das abolições representou a ruptura final com esse modo de ser econômico inaugurando a maneira comercial de se viver a economia no Ocidente.
Referências Bibliográficas
DORIGNY, Marcel. As Abolições da Escravidão no Brasil e no Mundo. São Paulo, 01 de Abril de 2019. Ed. Contexto.
Esse artigo foi escrito por Gabriel Montes, psicanalista egresso do IBPC e acadêmico de Letras e História. Sua área de pesquisa aborda Literatura, Psicanálise, História e Feminilidade. Também atua com atendimento virtual. Contato: [email protected]
1 thoughts on “As Abolições da Escravidão no Brasil e no Mundo Atual: ideias do livro”
Muito bom relato histórico, acerca da escravidão. A escravidão acabou? Pelo menos no Brasil, penso que mudou a forma de ser subjugado (escravidão). Hoje os escravos, estão sendo torturados com o açoites de um salário mínimo. A questão não é aqui discutir se o ” salário mínimo ” é bom ou ruim, mas sim, o que os escravocratas, ignoraram que o salário mínimo, não é salário ÚNICO e sim para ser base de referência.