Liberdade psíquica

Liberdade psíquica: conceito e a luta para conquistá-la

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Neste artigo o autor Marco Bonatti aborda um tema importante para a saúde mental, a luta pela conquista da liberdade psíquica, que afunda suas raízes na essência (Self) que alimenta e forja a matéria prima do inconsciente, a própria alma.

Uma premissa sobre a liberdade psíquica

Entramos no século XXI, a era da democracia, da plena liberdade de movimento; da comunicação digital com o maior fluxo de informações pela internet ligando pessoas e fatos aos pontos mais remotos do planeta; com a maior facilidade para viajar, cruzar oceanos, desertos, escalar montanhas, explorar água em Marte; as redes sociais abriram os olhos para o mundo; os centros cirúrgicos abriram as portas para mudança de sexo e identidade; os implantes estético abriram espaços para criar uma beleza platinada e ostentada.

Embora logramos todas estas liberdades, ficamos mais tristes, vazios e cegos para o mundo interior; o belo por fora foi pagado a caro preço pelo doente por dentro, as luzes da ribalta, o mito da liberdade exterior evidenciou a caverna em que o homem, acorrentado a própria sombra, ficou escravo (imagens, pensamentos e expectativas alheias, modelos ideais e de perfeição).

O sonho da “liberdade americana”, que produziu um Ser inautêntico, fracassou, mostrou seus limites e aberrações, fazendo cair o homem no deserto e na pré-história da gestação das emoções, perder o controle e a compreensão da mente e, antes de tudo, o poder de auto-realização e individuação (C. Jung), possível apenas através de uma chave de ouro, a liberdade da psique.

Questões sobre a liberdade psíquica

Diante desta premissa, a pergunta de partida é a seguinte: Qual a diferença entre livre arbítrio e liberdade que perpassa o lado mais profundo da existência humana?

Somos todos condenados a ser livres (Sartre, existencialismo) ou somos chamados a libertar e a realizar nossa natureza e essência (Hillman, psicologia analítica)?

Se você ficou curioso em descobrir a origem mitológica da liberdade e suas conexões com a Psicanálise que também podem ter afetado sua história de vida, continue a leitura.

O mito de Ícaro

Na mitologia grega, Ícaro representa o símbolo da liberdade. A lenda narra que Ícaro foi aprisionado com seu pai Dédalo no labirinto que este último projetou para encerrar o terrível Minotauro que ameaçava a ilha de Creta. O Rei de Minosse, que temia que os segredos do labirinto fossem espalhados aos quatros ventos, quis encerrar naquela prisão os dois desafortunados arquitetos réus de possuir a chave da liberdade.

Pois, alguém um dia disse que quem possuía o segredo da liberdade tinha o poder da felicidade. Foi assim que Dédalo decidiu construir as asas de cera para o filho Ícaro fugir da prisão do labirinto de Cnosso e voar rumo à liberdade. Entretanto a liberdade não podia ser conseguida tão facilmente, com uma simples astúcia e, não podia ser encerrada no túmulo de um labirinto reservado ao monstro que, com seu corpo de homem, a cabeça ea cauda de touro, ameaçava a tranquilidade ea paz da ilha da Grécia.

Dédalo advertiu Ícaro que também a liberdade carregava um grande risco e perigo; se Ícaro tivesse voado muito baixo o mar teria desmanchado a cera e ele teria afogado no abismo, porém se tivesse voado muito alto o sol teria queimado as asas e ele teria derretido e disperso no infinito. A profecia se cumpriu e Ícaro que desejava a liberdade sobre qualquer outra coisa, fez-se conduzir e atrair por ela, deixou-se transportar em um movimento vertical e ascendente, mas ao encontrá-la, morreu queimado.

A interpretação do mito através da Psicanálise

O mito nos ensina que a liberdade exige um sacrifício. Para libertar a psique do labirinto e da prisão é necessário queimar o corpo e reduzir o controle do ego/superego opressor e tirano sobre a alma. Contudo, quem desafia os conselhos dos pais, quem ultrapassa o limite do bom senso, da justa medida, do permanecer na zona de conforto, ou do querer voar em demasia (muito alto) ou de quem não tem coragem de desafiar a própria natureza (voar muito baixo), aparentemente acaba fracassando, desperdiçando sua vida.

Embora esta possa ser uma explicação razoável pelo senso comum, não é para a psicanálise. De fato, a maioria dos sintomas patológicos são um movimento para baixo, um voo descendente; um apagamento e morte prematura das emoções, uma deturpação dos sentimentos rumo o abismo (inconsciente). Pois, quem tem medo de realizar a própria natureza morre todos os dias, mas quem não tem medo de buscá-la, morre somente uma vez (na hora certa).

Asimismo, a interpretação desviada do mito de Ícaro de adaptar a própria natureza a uma zona segura de conforto, de querer achar um vento morno e seguro, de voar na altura média para não encarar a turbulência da chuva ou as tinturas do sol; quem não assumir os riscos de ir além os próprios limites (internos ou externos) acaba também fracassando e experimentando o vazio existencial.

O labirinto de Cnosso

Vejam bem, o labirinto de Cnosso representa a dimensão horizontal da evolução, a possibilidade de crescer amarrados e imbutilhados, a prisão das certezas sensíveis, o lugar sombrio da existência, enquanto a liberdade é sempre um voo transcendente, vertical, rumo a luz da sabedoria.

A liberdade é uma ascensão, é um ir além, “além do bem e do mal” para Nietzsche; ou “além do princípio do prazer” para Freud. 

É a busca da luz da própria estrela, que conduz a uma verdade interior, do desejo e das pulsões inconscientes sobre os prazeres imanentes do ego (eu-egoísta). É a vitória da verdade e do essencial, daquilo que não é visível aos olhos.

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    Qual é a verdade para a psique sobre a liberdade psíquica?

    A verdade, só pode ser a liberdade dos limites que vem de fora, a liberdade das couraças do caráter, a vitória sobre os prejuízos e os preconceitos, sobre o senso comum. O contrário de liberdade é a escravidão, a coerção, a submissão, é o querer permanecer arrancado as próprias certezas e visão fechada de mundo, de ficar acorrentado aos monstros do labirinto, fixado as emoções que não encontram descarga, aos desejos que não acham satisfação.

    É não realizar plenamente a própria personalidade: individual, única e singular. Por isso que a psicanálise é uma missão, é libertar o paciente das neuroses e dos traumas, das correntes que amarram o homem à própria caverna.

    É sobretudo libertar o paciente dos medos, das ansiedades e das perturbações que o impedem de viver uma vida plena e autêntica.

    Ainda sobre o labirinto

    O labirinto também representa a realidade angustiante e asfixiante, o olhar unidirecional, a materialidade das paredes, do caminho já trilhado, artificial construído por outros, que não têm saídas imprevistas, porque è concêntrico e sem luz (portanto sem vida).

    Quem está preso no labirinto buscou apenas as certezas sensíveis, sem achar a segurança de viver; viveu uma existência “ordenada”, sem encontrar o sentido da vida que está sepultado bem no fundo do caos inconsciente.

    Para Sartre o homem está condenado a ser livre

    “… já que, uma vez lançado no mundo, é o responsável por tudo aquilo que faz (ou que deixa de fazer).” (Jean-Paul Sartre, em ‘O Existencialismo é um Humanismo’).

    A liberdade, na concepção existencialista, é liberdade de escolha consciente, diversamente para a Psicanálise a liberdade antecede a consciência, precede a livres escolhas. Pois, a liberdade é libertação dos condicionamento, traumas e fixações inconsciente, e realizações das energias pulsionais, é soltar a psique, é libertar as emoções das amarras, libertar os sentimentos das repressões e recalques. Sem esta liberdade interior não pode existir liberdade de escolhas.

    Ao contrário, para Sartre (1995-1980) fazer escolhas é uma questão de vida ou de morte, é uma constatação que amplia a existência, mas ao mesmo tempo que aprisiona o homem (condenação). Na verdade, trata-se de um desejo e de um drama humano. Pois, qual seria a melhor escolha a ser feita? Por isso para Sartre estamos condenados a escolher sempre, inclusive quando não escolhemos assumimos todos os riscos e pagamos as consequências.

    Liberdade psíquica e Sartre

    Todavia a pergunta de partida de Sartre deveria ser posta em forma diferente: estamos absolutamente livres quando fazemos escolhas ou somos prisioneiros porque a psique é amarrada em algum labirinto, possuída por algum monstro?

    Em definitiva, cada escolha implica a responsabilidade para arcar com as consequências externas, mas sobretudo internas, com os possíveis desdobramentos, fracturas, incompreensões e frustrações da psique.

    É dizer, somente após alcançar a liberdade psíquica e mental (interna) o homem pode ser livre de fazer escolhas livres (externas).

    Liberdade psíquica vs Livre arbítrio

    Sem embargo, nos dias que correm, a maioria das pessoas escolhe o efêmero ao essencial; o superficial ao eterno; o desnecessário ao útil; o mal ao bem; o livre arbítrio a busca pela liberdade. O livre arbítrio é algo externo, que vem de fora e que caracteriza nosso ego racional e consciência, enquanto a liberdade é algo maior, é algo que vem de dentro, do profundo para Freud e/ou das alturas para V. Frankl e que caracteriza o inconsciente da psique da mente humana.

    “A liberdade não é um fim, mas é a consequência da verdade”. A verdade pode ser identificada com os valores (para alguns é o valor do amor: Eros, Philia e Ágape; para outros é a verdade da justiça, da ética ou da arte), ou de valores adquiridos (inconsciente individual e coletivo em C. Jung) que antecedem qualquer escolha consciente (livre arbítrio). De fato, quem conhece a “Verdade se tornará livre”.

    Entretanto, muitos pensam que ser livre é ter o poder de comprar isto ou aquilo. Por exemplo, você pode comprar um bom relógio (livre arbítrio), mas não pode comprar o tempo (liberdade é viver fora do tempo, não em função do tempo); Você pode comprar um ótimo plano de saúde (livre arbítrio), mas não pode comprar a saúde (liberdade é libertar a alma rumo à imortalidade); Voce pode comprar sexo (livre árbitrio), mas não pode comprar o amor (liberdade é viver o amor transcendente, livre e incondicional, ágape); Você pode comprar um castelo, mas não pode comprar um lar; Você pode comprar seu dia presente, mas não pode comprar o destino (liberdade é auto realização); Você pode comprar um lugar tranquilo, mas não pode comprar sua paz de espírito; Você pode comprar uma bela viagem para o mundo, mas não pode comprar a liberdade interior dentro de você.

    A liberdade é maturidade mental

    Dessa forma, a liberdade é maturidade mental, é independência e autonomia. “O importante é ter, sem que o ter te tenha”. (Millôr Fernandes) A liberdade não pode ser comprada, não tem preço, mas tem um Valor, exige um sacrifício, um ato de coragem e busca, é um caminho que nunca vem de fora para dentro, mas sempre vem de dentro para fora.

    Você estará se perguntando, em definitiva, o que é Liberdade para a Psicanálise? É sobretudo liberdade mental, é a liberdade da Psique, é a importância de reconhecer seus próprios desejos; de entender, buscar e realizar a própria essência e unicidade; de aceitar o crepúsculo da beleza exterior; de não subjugar-se a tirania do narcisismo a qualquer custo.

    Liberdade da psique é Ser o seu melhor, não seu Ser perfeito; é não raciocinar em demasia; é agir e perceber a vida e o mundo como parte de um Todo; é não ter um pensamento homologado; é dizer não a querer ser um conformista e superficial; a ter uma aparência frágil ou em fazer parte de um exército de bonecos que obedecem a um modelo ideal e impossível de perfeição. Liberdade é uma luta entre forças, instintos e paixões desiguais, é um desafio, é a possibilidade de uma pessoa se tornar aquilo que realmente é, dizendo sim ao novo que avança e não ao velho fixado no passado.

    Liberdade psíquica e Hippocrate

    Hippocrate, o pai da medicina, que mais de ninguém conhecia a importância da liberdade, DIZIA: “ANTES DE CURAR ALGUÉM, PERGUNTA-LHE PRIMEIRO SE ESTÁ DISPOSTO A ABRIR MÃO DAS COISAS QUE O FIZERAM ADOECER”.

    Pois, somente quem está disponível a desistir de algo (coisas, objetos, pessoas, pensamentos, hábitos) que o afetam, encontrará a cura dos próprios males. E você não precisará ser mais uma vítima, mas se tornará o protagonista da sua história. ENTÃO QUAL É O SEGREDO DA LIBERDADE? Perguntou, um menino bem animado em descobrir os encantos da vida, para um velho pescador.

    O velho, que costumava fumar em silêncio seu charuto olhando para o mar, disse com voz leve como o sopro do vento: “Você é solteiro e sente falta de um relacionamento. Você está em um relacionamento, mas sente falta de estar solteiro. Você trabalha, mas não tem tempo livre. Você tem muito tempo livre, mas gostaria de trabalhar. Você é jovem, mas quer crescer para fazer coisas de adulto. Você é um adulto, mas gostaria de fazer as coisas dos jovens. Você está na sua cidade, mas gostaria de morar em outro lugar. Você está em outro lugar, mas gostaria de voltar para sua cidade.

    Considerações finais sobre a Liberdade psíquica

    Talvez seja a hora de parar de olhar sempre o que nos falta e começar a viver no presente, valorizando o que você tem de mais precioso, sua própria Vida. Desfrute dos cheiros da sua casa antes de abrir a porta e sair à procura dos cheiros do mundo. Porque nada é dado como certo e tudo é uma dádiva. Dê valor às coisas simples e essenciais ”. (Autor desconhecido).

    Eis, o segredo da liberdade: a indissolúvel leveza do Ser. Daí, A LIBERDADE É, ANTES DE MAIS NADA, UMA CONQUISTA INTERIOR, é a possibilidade de libertar a psique do Minotauro, dos próprios limites e monstros internos e externos (traumas, feridas, doenças, fixações infância, ideais de perfeição…), é a saída do labirinto da existência carnal e terrena, é se tornar o seu melhor, é seguir a própria estrela e chegar como Ícaro a liberdade eterna e a imortalidade da alma.

    O presente artigo foi escrito por Marco Bonatti. Nasceu na Itália, naturalizou-se brasileiro, reside no Brasil em Fortaleza/CE (e-mail: [email protected] facebook: [email protected]), possui doutorado PhD em Psicologia Social – UK – Buenos Aires, Argentina; Graduação em Filosofia FCF/UECE – Fortaleza, Brasil; Pós graduação em relações internacionais, Valencia, Espanha; Graduação em língua francesa na Sorbonne, Paris, França; Atualmente é Psicanalista Clínico em formação e colunista no IBPC/SP (Instituto Brasileiro Psicanálise Clínica).

    2 thoughts on “Liberdade psíquica: conceito e a luta para conquistá-la

    1. É o que temos que ir buscando dia após dia! A nossa liberdade psíquica. Parabéns ao autor, que trouxe de forma muito leve todo esse saber!!

    2. Marco Bonatti disse:

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