compreendendo a ansiedade

Compreendendo a Ansiedade, além do bem e do mal

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Neste presente artigo vamos abordar um tema muito relevante nos dias atuais compreendendo a Ansiedade. Algo invisível, afiado como um vento frio vindo do polo Norte, sufocante como uma rajada do deserto Saara, aflige a alma da humanidade e do Mundo.

Esta turbulência da alma, conhecida como Ansiedade, espalha-se pelos quatros cantos da terra, cruza mares, atravessa montanhas, perpassa corpos, ofusca mentes, perturba corações, manipula sentimentos e emoções de gente pobre ou rica, sem distinção de raça, cor da pele e sem piedade.

Aparentemente não tem reparo, como a chuva, atinge tudo e todos. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) o Brasil tem uma das maiores taxas de transtorno de ansiedade do mundo.

Compreendendo a Ansiedade

A ansiedade é uma Deusa mitológica, mensageira (porta voz) enviada pelo inconsciente ou é uma simples psicopatologia (transtorno) para curar com ansiolíticos? Precisamos ouvir e perceber a voz que vem do profundo (ansiedade) e decifrar o ensinamento (mensagem) que traz para a consciência ou é melhor calar e anestesiar sua voz (mediante psicofármacos)?

Se você ficou curioso em descobrir a origem mitológica da ansiedade e suas conexões com a Psicanálise, continue a leitura.

Compreendendo a Ansiedade na mitologia latina

Na mitologia da antiga Roma havia um personagem chamado “Cuidado” que além de significar a atenção e a cura por aquilo que se faz, diz e sente, expressava a preocupação e a inquietude. A lenda conta que um dia “o cuidado” ao atravessar um rio disparou com um leito de barro e curioso, enfiando as mãos nele, começou com atenção e cura a modelá-lo.

Em pouco tempo aquele barro sem nome, forma e destino, transformou-se em uma estátua, logo em seguida, em um homem. Mas a obra que o “Cuidado” acabava de criar não era completa e pediu para GIOVE, o poderoso Deus do Olimpo Romano (Zeus, na antiga Grécia) que lhe desse a vida.

Giove atendeu o pedido do Cuidado e da sua boca saiu o alento, o sopro vital (Anima = Alma) que animou aquela estátua de barro que começou a respirar, a viver e a existir (início da existência humana). Porém o Cuidado não estava satisfeito, sua obra ainda não estava nem completa e nem perfeita (busca pela perfeição). Pois, para atingir seu feito a obra precisava ter um nome digno, à altura da criação que além da forma e da alma consagra-se a existência, celebrasse a vida.

A mãe terra

Um nome, um destino (eg. nomen est omen) diziam os latinos. Isto é, somente quem tinha um nome podia ter um destino, uma identidade, uma vida no tempo, uma história, um presente. Além disso, o nome indicava também o presságio daquilo que estava por vir.

Foi assim que nasceu uma grande disputa entre Giove que reivindicava a paternidade da sua obra, pois foi ele que deu o sopro vital (alma) e o Cuidado, cuja mão tinha formado, plasmado o barro em um corpo (forma). A situação complicou quando na discussão entrou Gaia (a mãe terra) também reivindicando o nome, pois a substância daquele barro era ele próprio.

O impasse foi resolvido com grande maestria pelo Deus Saturno (Cronos, para os gregos) que através do seu juízo restabeleceu a ordem e a justiça. Desse modo, o Deus do tempo que revelava também tudo aquilo que você teme (dizem que Saturno é como um bom vinho, que melhora com o passar do tempo) proferiu sua implacável sentença.

Compreendendo a Ansiedade e os deuses

Saturno estabeleceu que a Giove/Zeus, que havia proferido espírito a aquele Ser, volvesse a alma depois de morto (pois o homem é um ser espiritual); estabeleceu que Gaia, que tinha dado substância, matéria (terra) volvesse o corpo depois que alma expirasse (o homem era terreno, feito com o pó da terra), mas que a possuir aquele Ser fosse somente a ANSIEDADE.

Pois, seu caráter teria sido plasmado pela inquietude eterna (além do tempo, sem fim) tensão entre alma, espírito, mente e corpo. Em definitiva, nenhum dos Deuses teria dado seu próprio nome a aquele Ser que tornou-se conhecido como Homem, porque foi gerado pelo húmus, através da mão atenciosa e modeladora do Cuidado.

Eis que o presságio do nome se cumpriu e aquele homem surgido do pó da terra, ficou doravante caracterizado pelo perenne conflito consigo mesmo, suspenso entre céu e terra, entre alma e corpo, entre vida e morte. Foi assim que nasceu o homem, um Ser de fato dominado pela Ansiedade e pelo Cuidado.

Compreendendo a ansiedade vs o cuidado

A lenda latina revela que o significado original da palavra CUIDADO (eg. Cura do latim) tinha uma dúplice ambivalência: de um lado expressava o interesse atento e rápido, mas do outro lado, a preocupação e a ansiedade. É interessante notar como o Cuidado expressa a mesma estrutura da existência. Ele representa o cuidado de si mesmo, a natureza da essência e o núcleo (Self) da personalidade.

Em outras palavras, o Cuidado é estar presente (Dasein, ser aí), é a atenção que recusa qualquer pensamento abstrato, alienante e superficial e que se concentra na pura essência do ato (ação) que é em sintonia com a matéria (substância) e que se plasma (forma). Assim que uma rosa é uma rosa sem perguntar-se o porquê e cumpre por instinto (sem motivos racionais) ao destino que está inscrito na sua semente (núcleo) que se plasma na sua planta (forma), que se sublima na sua beleza (matéria), uma delicadeza, fragilidade protesa entre o amor (Eros) e a agressividade das espinhas (Thanatos).

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    Viceversa, quando o cuidado desiste de ser a cura, ou resiste de tomar de conta, ou seja, deixa de cumprir a sua função de estar no tempo presente (Dasein, ser aí), mas é tensionado no futuro ou é fixado no passado, portanto esquece o hic et nunc (eg. aqui e agora), perde o contato com seu núcleo, com o destino da sua semente e torna-se ansiedade.

    A preocupação com o destino

    A ansiedade é a preocupação com o destino determinado por outros, portanto alheio, é a expectativa apreensiva com aquilo que está fora do próprio núcleo, da própria essência inconsciente, a imitação desmedida com os modelos externos (formas), com a pressão social, com as frustrações dos problemas do dia a dia ou com as fixações passadas (fases de desenvolvimento psicosexuais), a preocupação com o aquilo que está por vir (futuro) ou com aquilo que deixamos de ser (modelos ideais).

    A rejeição do Ser de ser aquilo que realmente é, produz a obstinação neurótica em ser algo diferente, gera exigências e pedidos irrealistas e respostas inadequadas na busca constante de aprovação, afeição, segurança externa ou modelos ideais do ego.

    É muito provável que a falta principal de realizar a natureza da própria essência dificulte a auto realização do sujeito, produzindo mal estar, tensão desmedida, relações pessoais perturbadas, pessimismo e insatisfação em relação a vida, necessidade de assumir formas e modelos artificiais que não correspondem ao próprio núcleo.

    O paciente ansioso

    Em síntese, o quadro patológico do paciente afeto de reação de angústia apresenta boa probabilidade de desenvolver neurose obsessiva compulsiva (pensamentos e comportamentos), fobias e diversos mecanismos de defesas com sintomas difusos de várias natureza (irritação, infelicidade, palpitações, perda de controle, dificuldade em tomar decisões, insônia, perda de apetite, preocupações crônicas, etc.).

    Compreendendo a Ansiedade com a Psicanálise

    De acordo com o psicanalista Raffaele Morelli, a solução não é aquela de anestesiar a Ansiedade através de remédios, psicofármacos ou formas arrojadas, manipuladas e artefatos de Ser, mas de entender que a Ansiedade é um apelo desesperado do interior, é a voz pura do inconsciente que afunda suas raízes na essência e que é sufocada pelos ego consciente (demasiadamente realista); pelas excessivas limitações, proibições e repressões o exigências ideais do superego; pelos condicionamento externos e as expectativas sociais.

    Talvez, quando sentimos chegar a Ansiedade não precisamos lutar contra ela como se faz com um inimigo, mas precisamos entender qual a mensagem que o profundo traz. No lugar de afastá-la, de enfrentá-las ou de tratá-la como inimiga, escutamos e deciframos, percebemos o conteúdo da mensagem. Não geramos oposição, mas simplesmente acolhimento.

    A ansiedade não é identificável com a causa manifesta, não é o problema que aparentemente identificamos como o mal estar (separação, perda, conflito, medos, orgulho, etc). Pois, estes fatos aparentes (manifestos) são somente o velho que resiste em nós, são resistência e mecanismos de defesas, álibi que criamos para ocultar a sua verdadeira fonte.

    A energia inconsciente

    Ninguém fica doente se não se afasta de seu destino. O desconforto surge quando papéis, identificações, banalidades e lugares comuns, pensamentos monofocais e ripetitivos, comportamentos obsessivos, clichês e zonas de conforto assumem o controle da Vida que perde o Sentido (vazio ou fracasso existencial).

    A ansiedade aparece também quando as energias do inconsciente não são expressadas, quando a pessoa vive uma vida inautêntica, assume a vida de outros como modelo (por exemplo aquela de seus pais), quando não vai além das aparências ou obedece ao conforto das repetições dos modelos de identificação, sendo subjugado pelas pressões e expectativas sociais.

    Sentir-se bem significa permanecer nas coisas como estão (até mesmo no humor e nas emoções negativas), sem fugir delas, sem assumir falsos modelos, mitos, e ideais de perfeição (que geram um complexo de inferioridade), ou proibições externas (que geram sentimentos de culpa).

    Compreendendo a Ansiedade por trás do choro

    É provável que atrás da voz destroçada da ansiedade, de um choro sem lágrimas se esconda uma pequena criança que não foi ouvida (mas que foi recalcada) que simplesmente queira nos lembrar qual é o destino (da semente) porque somente lá, no fundo da sombra da psique esconde-se o verdadeiro tesouro da felicidade e da auto realização.

    Bastaria pouco para ser feliz. Bastaria achar o próprio destino. Porque encontrar o próprio destino significa encontrar o sentido da vida.

    Porém, a expressão “somos um destino” não quer dizer que devemos cumprir um projeto qualquer, um projeto jogado. Não é possível sair nas ruas, consultar um feiticeiro, uma bruxa, um pajé ou xamã, contratar um psicanalista qualquer para achar o próprio destino.

    Não somos nós que encontramos o destino, mas é o destino que nos encontra

    O destino nos encontra, quando conseguimos fazer tabula rasa das falsas certezas; quando deixamos espaço ao vazio e tempo ao silêncio; quando não fazemos resistência, quando não levantamos barreiras; quando o deixamos aflorar; quando respeitamos nossa natureza, sem menosprezar a essência primordial da semente (Self) que está escondida na sombra viva, no núcleo do inconsciente.

    A semente de uma planta ou de uma flor é a mesma que caracteriza as raízes primordiais da mente humana. Transformar-se naquilo que realmente somos dar voz às emoções e às energias pulsionais é a maior obrigação existencial.

    Da mesma forma, logo depois que a ansiedade terá cumprido a tarefa de nos informar (Deusa mensageira) que estamos traindo nosso destino; apenas teremos retomado o caminho, a via mestra da semente que foi perdida, desviada ou desnaturada; apenas a teremos percebida não enfrentada (perguntando-lhe apenas: o que você queres de mim?), Ela como uma boa amiga, que entrou batendo na porta vai sair em ponta de pé, vai se dissolver como uma nuvem, desaparecerá deixando um rastro de saudades e gratidão para ter realizado a maior tarefa da existência humana: fazer nos reencontrar com o nosso núcleo/tesouro responsável para fazer brotar e germinar a semente e se transformar, entre muitas possibilidades, na única forma autêntica de Ser com Sentido.

    Considerações finais e compreendendo a ansiedade

    Neste caso, o Destino encontrará o Sentido de Vida e nós descobriremos e nos transformaremos naquilo que REALMENTE somos! Em definitiva, o desconforto da ansiedade é o meio pelo qual o mundo interior tenta falar, bater no consciente, ultrapassar as barreiras do inconsciente.

    É preciso ter paciência para ouvir sua voz, é preciso de silêncio para calar a voz do ego, para dar espaço ao inconsciente se manifestar, coragem para deixá-lo entrar, para perceber todas as emoções e sentimentos e muita sabedoria (do psicanalista e do mesmo paciente) e tempo para transformar aquela energia reprimida, que não encontra saída, em algo criativo e novo para vida.

    Tudo isto pode ressoar um pouco estranho para a maioria das pessoas, mas acreditem a ANSIEDADE, nunca é uma doença, antes de mais nada, já é a CURA, porque a Ansiedade é além do bem e do mal.

    O presente artigo foi escrito por Marco Bonatti, nasceu na Itália, naturalizou-se brasileiro, reside no Brasil em Fortaleza/CE (e-mail: [email protected] facebook: [email protected]), possui doutorado PhD em Psicologia Social – UK – Buenos Aires, Argentina; Graduação em Filosofia FCF/UECE – Fortaleza, Brasil; Pós graduação em relações internacionais, Valencia, Espanha; Graduação em língua francesa na Sorbonne, Paris, França; Atualmente é Psicanalista em formação e colunista no IBPC/SP (Instituto Brasileiro Psicanálise Clínica).

    One thought on “Compreendendo a Ansiedade, além do bem e do mal

    1. Marco Bonatti disse:

      Bom dia, se você ficou interessado (a) no meu artigo e gostaria me acompanhar no meu canal gratuito de Autoterapia no Telegram, baixe o aplicativo e digite: https://t.me/DrMarcoBonatti

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