Você já ouviu falar em atos inconscientes ? Todo mundo já ouviu falar sobre aquela situação em que ficamos em uma saia justa, ao querer dizer uma coisa e, ao invés disso, dizer outra.
De acordo com o senso comum, isso seria uma simples confusão de ideias. Mas, para a Psicanálise, existem explicações psíquicas relevantes para a existência dos Atos inconscientes.
Atos inconscientes: falhos ou bem-sucedidos?
Os mecanismos de defesa existentes na mente do ser humano podem ser vistos como uma representação da necessidade que ele possui, desde os primórdios do seu surgimento, de controlar os eventos que ocorrem dentro e fora de si mesmo. Essa necessidade está intimamente atrelada à sobrevivência, e por que não dizer, às probabilidades de perpetuação da espécie.
Entretanto, quando se trata do universo mental, manter o “controle” não se traduz em ações previsíveis e facilmente monitoráveis como aquelas ligadas aos ambientes físicos externos ao nosso corpo.
Havendo mudanças climáticas, o homem passou a construir abrigos, quando sentiu a necessidade de locomover-se para distâncias mais longas do que as de costume, ele inventou a roda e, posteriormente, os veículos, para encurtar as distâncias e minimizar as fronteiras, o desenvolvimento de tecnologias de comunicação tem sido cada vez mais aperfeiçoado e democratizado. Mas como controlar as instâncias que dirigem os próprios pensamentos que estão na base do nosso modo ser e de agir?
A organização da dinâmica mental sobre os atos inconscientes
De acordo com os estudos realizados por Freud, por volta do ano 1923, quando publicou “O Ego, o Id e outros trabalhos”, nosso aparelho psíquico possui uma estrutura de funcionamento composta por três instâncias: O Id – localizado puramente em nosso inconsciente e composto por um aglomerado de pulsões desorganizadas, cujo principal objetivo é o alcance do prazer; o Ego – instância intermediária entre o Id e o Superego, localizada entre o Inconsciente e o Consciente, possuindo, dessa forma, acesso tanto aos conteúdos “liberados” quanto aos conteúdos “ocultos”.
Por isso mesmo, considerada a principal instância psíquica devido ao fato de possuir “um pé lá e outro cá”, reunindo lembranças, laços emocionais desenvolvidos durante a primeira infância e emoções subjetivas que, ao longo da vida do indivíduo vão compondo a sua personalidade; e, por fim, porém não menos importante, o Superego, que, por sua vez, é a instância mental que tenta, o tempo inteiro, “controlar” as ações do Id.
Essa instância tem sua origem também na infância, herdando introjetadamente as influências do comportamento e das relações desenvolvidas entre a criança e os pais durante os primeiros anos de vida. Além disso, o Superego utiliza padrões coletivos sociohistóricos e culturais de comportamento como referências para os comportamentos avaliados como “corretos”, reforçando, muitas vezes, os mecanismos de defesa adotados pelo Ego, tais como a Negação e o Recalque na mente do sujeito.
A relação entre o Requalque e o Ato falho
A definição de Recalque parte do princípio de que, desde o nosso desenvolvimento, especialmente, durante a primeira infância, nos vemos diante de desejos e pulsões, derivadas do Id.
Essas pulsões revelam-se tão assustadoras, desprazerosas ou destoantes da realidade socialmente “aceitável” que os conteúdos pulsionais são “empurrados” para o nível inscosciente de forma vigorosamente repressora ao ponto de não conseguirmos sequer acessá-los mnemonicamente, ou seja, através de lembranças.
Por sua natureza energética e impetuosa, essas pulsões reprimidas não se contentam com o processo de recalcamento e retornam, através do que se convencionou chamar de O retorno do recalcado, fazendo-se representar por sintomas físicos (as famosas somatizações) e/ou Atos falhos.
O Ato falho bem-sucedido e os atos inconscientes
Por mais que se costume pensar que algumas ações são meramente obras do acaso, do cansaço físico ou das circunstâncias, errar um caminho que se costuma percorrer costumeiramente, esquecer determinada palavra durante uma conversa ou não conseguir lembrar da senha da conta corrente ou do cartão de crédito memorizadas há tanto tempo, revelam, na verdade, o que Freud chamou de Ato falho.
Todas essas ações representam um mecanismo de defesa da nossa mente e ocorrem quando um desejo inconsciente consegue se realizar de forma evidente, em detrimento da vontade consciente do sujeito. É como se um acordo fosse estabelecido entre uma intenção consciente, mas que o sujeito não deseja revelar, e um desejo inconsciente ligado a ela. Esse acordo faz com que o desejo consiga driblar as barreiras impostas pela consciência expondo o anseio “escondido” e nos colocando, muitas vezes, em uma espécie de “saia justa”.
Esse processo representa como que uma “falha” nos mecanismos psiquicos de repressão do controle motor, que são exercidos pelo nosso Ego, resultando em um “aparecimento” do ID. Ocorre como uma espécie de “válvula de escape” para a realização dos desejos incoscientes, desse modo, o Ato falho seria, na realidade, um exemplo de ato bem-sucedido.
Alguns exemplos de Atos falhos Segundo Freud
Material que habita o inconsciente é regido por uma espécie de indestrutibilidade, de modo que, os conteúdos recalcados, podem retornar ao consciente quando menos se espera e das formas mais diversas.
Costuma-se associar os Atos falhos, no senso comum, apenas a uma troca de nomes em situações de relacionamentos íntimos, entretanto, as manifestações desse mecanismo de defesa vão muito além disso.
QUERO INFORMAÇÕES PARA ME INSCREVER NA FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE
Além da famosa troca de nomes, as falhas em ações que o indivíduo costuma realizar bem cotidianamente, as ações involuntárias (foi sem querer), os esquecimentos, a perda de objetos de valor sentimental, tropeçar, cair, quebrar algo em uma situação em que não se desejava realizar determinada ação, entre outras, representam algumas formas de concretização do Ato falho.
A interpretação dos Atos falhos
Nesse caso, podemos facilmente analisar as ações aleatórias de todos os indivíduos como sendo frutos de uma intenção contrária ou divergente daquela à qual ele, inicialmente, se propôs? Não.
A interpretação dos Atos falhos, assim como a aplicação de todos os conceitos psicanalíticos, demandará sempre uma avaliação cuidadosa dos elementos circunstantes, dos sujeitos envolvidos e do contexto socio-histórico como um todo. É aí que entra a terapia psicanalítica.
O papel da Psicanálise diante disso tudo
Sendo uma abordagem terapêutica que leva em consideração que o indivíduo é um processo e não um produto em si mesmo, constantemente influenciado por forças mentais impetuosas que atuam dentro dele, a Psicanálise é capaz de fornecer possibilidades de autoconhecimento que serão construídas/aprofundadas a partir dos conteúdos inconscientes trazidos pelo próprio analisando durante os encontros.
Os materiais constituídos pelos Atos falhos, além de outras formas de retorno do recalque, trazidas durante as sessões psicanalíticas, constituem a principal fonte de trabalho do terapeuta.
Embora a pulsão inicial que deu origem ao Ato falho continue inconsciente ao paciente, ao aparecer na forma de “acidente”, ainda que de forma distorcida, ela permite ao Psicanalista um acesso ao inconsciente do analisando, constituindo-se assim em um ato importantíssimo no processo analítico e, portanto, bem sucedido. E então, você ainda acha que o Ato falho é um ato que falhou?
O presente artigo foi escrito por Samantha B. Santos([email protected]). Psicanalista em formação. Mestranda em Formação de Professores. Especialista em Educação. Graduada em Letras – Língua Portuguesa.